Reflexões 
    sobre o futuro da robótica
  Dante 
    Augusto Couto Barone
  Recentemente, 
    biólogos, zoólogos e psicólogos do comportamento investigaram, 
    em seu habitat natural, orangotangos, para comprovar que esses "parentes 
    próximos" dos seres humanos também utilizam ferramentas, 
    mesmo que não tenham sido apreendidas através do contato com 
    esses. Ficou evidenciado, aliás, comprovando fortes evidências 
    anteriores, que orangotangos utilizam bastões de madeira para medir 
    a profundidade de córregos, por onde pretendem passar. Além 
    dessa tarefa, utilizam também ferramentas para facilitar a colheita 
    de frutos.
  Já 
    a própria ficção científica, através de 
    um de seus principais expoentes, Stanley Kubrick, em seu filme 2001, uma 
    odisséia no espaço, também traz uma referência 
    da "descoberta", por nossos ancestrais, do uso de ferramentas; no 
    caso, um osso, que uma vez arremessado para o alto, se transforma em uma nave 
    espacial que tem capacidade de percorrer os limites do universo. 
  Se 
    fizermos uma ligação desses dois fatos e imagens, veremos que 
    a tecnologia, que tanto nos maravilha e surpreende no mundo pós-moderno, 
    por meio da comunicação instantânea com todos cantos da 
    terra, com imagens precisas de localização de ruas em cidades 
    distantes milhares de quilômetros, através do Google Earth, nasceu 
    do interesse em se obter um melhor resultado para uma dada tarefa.
  No 
    processo "civilizatório", os seres humanos passaram primeiro 
    por uma fase de estabelecimento de forte cooperação, como medida 
    de sobrevivência e com o intuito de que "predadores" não 
    virassem "presas". Então, passaram para a fase seguinte, 
    com a descoberta da plantação, da colheita dos alimentos e com 
    o conseqüente desenvolvimento de outras formas de relacionamento, nas 
    quais utilizavam semelhantes para que fizessem o trabalho pesado para eles, 
    seja através da pilhagem, seja através da instituição 
    da escravidão.
  Dessa 
    forma, vemos que além do contínuo desenvolvimento de novas tecnologias, 
    para colocar à sua disposição, ferramentas cada vez mais 
    eficientes, que pudessem auxiliá-lo - tanto no processo produtivo, 
    quanto no lazer e na cultura (pincéis, instrumentos musicais) e na 
    sua ligação mítica com o "mundo superior", 
    através de diferentes utensílios - o ser humano, em época 
    que a escravidão humana já havia sido abolida, cria, na ficção, 
    forma de escravidão através de autômatos. Isso se dá 
    na peça teatral "Rossum", nos anos 30, do século XX, 
    de autoria de Karol Capek, na qual, os autômatos têm o nome de 
    "robota", que significa escravo na língua checa.
  Assim, 
    na primeira metade do século XX, em plena fase áurea da industrialização, 
    depois da disseminada implantação no processo fabril de técnicas 
    fordistas de melhoria da eficiência na produção, surgem 
    como consequência natural, os robôs industriais, com braços 
    manipuladores, que vêm ao encontro das necessidades de se criar "ferramentas" 
    mais adequadas e que trabalhem de forma contínua, dispensando o trabalho 
    repetitivo, sujeito a erros, que seria feito por seres humanos, mas que dentro 
    do contexto capitalista de produção de bens e serviços, 
    é realizado de forma bastante vantajosa por "seres robóticos". 
    Conseqüentemente, podemos visualizar claramente que os robôs de 
    soldagem e de pintura, que já são largamente utilizados em linhas 
    de montagem de automóveis em todo mundo e também no Brasil, 
    substituem os "bastões" dos orangotangos em outra tarefa 
    utilitária.
  As 
    pessoas não teriam todo este fascínio pela robótica caso 
    ela se reduzisse a facilitar o processo produtivo e, da mesma forma, se ficasse 
    apenas restrita a operários inseridos em um contexto fabril e, de resto, 
    cada vez com menos representatividade no processo produtivo, com crescimento 
    acentuadamente maior do setor de serviços.
  Contudo, 
    além de atuarem nas indústrias, os robôs estão 
    se fazendo presentes nos lares. Nesse ano de 2005, já estão 
    sendo comercializados no Japão (havendo mercado comprador expressivo) 
    os robôs acompanhantes, chamados de Watamaru da empresa Fujitsu, realizando 
    através da ciência, tecnologia e inovação, o que 
    a ficção traçava para o robô Rosa como empregada 
    doméstica da famosa série de desenho animado, "Os Jetsons".
  Sendo 
    assim, se colocam as "grandes questões" que tanto fascinam 
    os "tecnolófilos" - neologismo para os amantes das inovações 
    tecnológicas e que tanto aterrorizam e amedrontam os "tecnófobos" 
    - neologismo para os que odeiam ou temem o impacto que a tecnologia pode trazer. 
    Esse, aliás, é o cenário do filme de ficção 
    científica, Eu, robô, exibido em 2004 nos cinemas, no 
    qual o personagem interpretado pelo ator William Smith, se enquadrava nessa 
    última classificação.
  A 
    grande polêmica se situa justamente em vislumbrar quais são os 
    limites dessas "novas ferramentas" desenvolvidas pelo homem e, por 
    ele, colocadas à disposição de seus semelhantes. Serão 
    elas apenas ferramentas úteis e indispensáveis, mas que não 
    podem ser comparadas ao poder humano de raciocínio, consistindo na 
    linha conhecida como Inteligência Artificial Fraca, ou terão 
    elas a capacidade de, no futuro (como alguns cientistas e inovadores, dentre 
    os quais Ray Kurzweil, acreditam já ocorrer no presente), serem tão 
    ou mais inteligentes que os seres humanos, o que consiste na linha de Inteligência 
    Artificial Forte.
  A 
    trama do filme Eu robô , inspirada em conto de mesmo nome, do grande 
    gênio da ficção científica, Isaac Asimov, gira 
    justamente em fazer o espectador refletir sobre o papel que os robôs 
    podem assumir ao conviverem com seres humanos. E como se vê, eles já 
    estão presentes nos lares das pessoas (fato restrito inicialmente à 
    países do primeiro mundo). Caso as três Leis da Robótica, 
    que garantem que os robôs jamais realizarão atividades que ponham 
    em risco os seres humanos, criadas por Asimov, fossem respeitadas, não 
    haveria "riscos" para as pessoas. Quem poderá garantir? Assim, 
    que segurança se pode ter relativamente aos limites que se poderá 
    chegar com a clonagem, terapias genéticas e tantos outros avanços 
    científicos e tecnológicos recentes, que tanto nos surpreendem, 
    mas que também criam importante espaço para a reflexão 
    filosófica?
  Nesse 
    sentido, deve se tentar identificar qual o papel dos cientistas que atuam 
    em robótica, os roboticistas, e, em especial, os do Brasil. Quais são 
    as principais linhas de pesquisa? Quais são os desafios que se têm 
    pela frente? Quais foram as principais conquistas da robótica para 
    a humanidade? Quais são os recursos necessários para desenvolver 
    a área? Quais são os limites éticos envolvidos?
  Não 
    temos a pretensão de responder em detalhes a todas essas perguntas, 
    mas, inicialmente, valeria a pena destacar que muito da pesquisa espacial 
    não seria possível, sem os avanços da robótica, 
    e, em especial, a da robótica móvel. Através da sonda 
    Mars Pathfinder, da Nasa pudemos identificar o solo marciano. Assim, como 
    esta conquista, muitas outras no domínio do espaço, só 
    se tornaram realizáveis devido aos avanços da robótica. 
    A própria utilização do ônibus espacial americano, 
    bem como o transporte e manejo de cargas para a estação espacial 
    internacional, que é o maior projeto científico e tecnológico 
    já desenvolvido pela humanidade, a um custo superior a 60 bilhões 
    de dólares, se faz através da utilização de braço 
    robótico. Esse braço tenta evitar ao máximo a ida de 
    astronautas para fora das espaçonaves, já que as saídas 
    para o ambiente externo no espaço sideral são extremamente perigosas.
  Quando 
    se fala que a robótica tem grande serventia para a exploração 
    espacial, a qual é um dos temas principais de pesquisa, na atualidade, 
    podemos nos perguntar sobre o que "resta" ao Brasil desenvolver 
    na área, já que até o presente momento, apesar da importância 
    crescente e estratégica desse campo do conhecimento, ainda não 
    foi criado nenhum "Plano Nacional de Robótica", assim como, 
    não há nenhum Fundo Setorial que acene com a possibilidade de 
    realização de edital específico para fazer deslanchar 
    a área no país.
  Em 
    termos científicos, as atividades dos roboticistas brasileiros, espalhados 
    em diversas universidades e centros de pesquisa e que apresentam um caráter 
    cada vez mais interdisciplinar, são apresentadas em congressos, workshops 
    e seminários promovidos por três sociedades científicas: 
    a) Associação Brasileira de Ciências Mecânicas (ABCM), 
    mais ligada aos aspectos de construção mecânica de robôs 
    e máquinas autônomas; b) Sociedade Brasileira de Automática 
    (SBA), mais envolvida com o desenvolvimento de dispositivos de controle dos 
    robôs e c) Sociedade Brasileira de Computação (SBC), mais 
    direcionada aos aspectos de desenvolvimento e aplicação de técnicas 
    de Inteligência Artificial nos robôs.
  Fator 
    muito importante para o desenvolvimento da área no mundo e no país 
    tem sido as competições de futebol de robôs. A Robocup 
    Federation, que é uma sociedade científica internacional, voltada 
    ao desenvolvimento científico e tecnológico em robótica, 
    através da promoção de competições, tendo 
    o futebol como tarefa a ser realizada de forma cada vez mais autônoma 
    e "inteligente" pelas máquinas, colocou como meta, para o 
    ano de 2050, que uma seleção de robôs "humanóides" 
    seja capaz de ganhar campeonato contra a melhor seleção mundial 
    de atletas de uma nação, tal como o sistema computacional Deep 
    Blue ganhou certame de partidas de xadrez, contra o maior especialista da 
    época, Andrei Kasparov, em 1997.
  Será 
    que teremos avanços em visão computacional (área muito 
    beneficiada pela robótica) no desenvolvimento de materiais sintéticos 
    similares à pele humana? Será que teremos avanços crescentes 
    no conhecimento do corpo humano, fonte maior de inspiração e 
    gargalo, ao mesmo tempo, para que os robôs humanóides possam 
    correr, driblar, etc? Terão eles a inteligência de "catimbar" 
    na hora certa, para garantir resultado favorável a eles, e, portanto, 
    não aos seres humanos que os desenvolveram? Aliás, para quem 
    estarão torcendo em 2050, os espectadores? Para a seleção 
    nacional de humanos ou para a seleção de robôs? O público 
    será constituído somente por seres baseados em carbono (seres 
    humanos e vida biológica, em geral ) ou boa parte do mesmo, será 
    constituído por seres baseados em silício, material com que 
    são construídos os chips dos computadores e robôs?
  Por 
    essas e outras razões é que devemos não só continuar 
    desenvolvendo a robótica, como faz o Laboratório de Robótica 
    Inteligente da UFRGS, ao desenvolver braço robótico para auxiliar 
    em cirurgias videolaparoscópicas, como fazendo com que este desenvolvimento 
    seja acompanhado de reflexões pertinentes, como as que se dedicam as 
    disciplinas de "Sociedades artificiais" (Sociedades artificiais: 
    a nova fronteira da inteligência nas máquinas, Dante Barone 
    e colaboradores, Editora Bookman, 2003 , do Programa de Pós-Graduação 
    em Informática na Educação e "Mentes e Máquinas" 
    do Programa de Pós-Graduação em Computação, 
    ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Afinal, desde que nossos 
    ancestrais utilizaram a "primeira ferramenta", utilizando a imagem 
    seminal do filme 2001, essa levou e sempre levará o homem, ao infinitamente 
    grande universo ou ao infinitamente pequeno si mesmo.
  Aliás, 
    qual será a maior motivação da robótica? Não 
    será, através da construção de máquinas 
    semelhantes a nós próprios, nos conhecermos melhor?
  Que 
    este conhecimento seja sempre acompanhado de muita sabedoria!
   Dante 
    Augusto Couto Barone é professor do Instituto de Informática 
    da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.