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Robôs: entre o imaginário ficcional e a pesquisa rigorosa

Lucia Santaella

O termo robô foi batizado pelo escritor checo Kerel Capek, em um conto de nome “Opilec”, datado de 1917. O termo vem, portanto, do checo, robota, significando trabalho obrigatório ou servidão. No conto de Capek, o robô aparece como um humanóide maquínico, artificial, que foi criado em grande número como fonte para o trabalho barato. Um robô desse tipo aparece em um famoso conto, "O homem invisível", do escritor de contos policiais, o inglês G. K. Chesterton (1874-1936). Esse conto faz parte da série sobre o personagem Padre Brown, um insólito detetive inspirado no célebre detetive Dupin, criado pelo escritor norte americano Edgar Allan Poe (1809-1849).

Desde os escritos dos filósofos gregos, a nossa imaginação tem sido povoada pela idéia de máquinas insensíveis, capazes de realizar trabalhos braçais, liberando a energia humana para atividades mais cerebrais, criativas e prazerosas. Com o advento do cinema e principalmente com o desenvolvimento recente das tecnologias dos efeitos especiais, surgiu o meio privilegiado para a exploração e encenação ficcional dos robôs, máquinas feitas à imagem e semelhança do humano às quais falta a alma, o sentimento, as emoções, a consciência, enfim, às quais falta o livre-arbítrio.

O imaginário humano com respeito às máquinas é sempre muito contraditório, cheio de resistências e de medos. Esses medos aumentam quando, ainda por cima, a máquina teima em se parecer com o humano. Nossas resistências psíquicas contra as máquinas têm fundamento. O humano pode experienciar muitos afetos, inclusive compaixão e piedade; máquinas não sentem nada. Elas funcionam dentro de limites estreitamente definidos e, quanto mais padronizados, mais esses limites se tornam rígidos. Os organismos, ao contrário, são mais abertos às potencialidades. A vida é experiência, o que significa improvisação, é tentativa em todos os sentidos. Máquinas são compostas de partes. Elas são armadas e desarmadas. Elas estão abertas a modificações ou reconstruções. Para o ser humano, a idéia de ganhar novas partes é apenas uma pouco menos horrível do que perder partes. A máquina tanto perde quanto adquire novas partes com a maior facilidade. A perspectiva humana parece insistir sobre a integridade orgânica como a única norma possível.

Tendo isso em vista, não é de se estranhar que a temática ficcional literária ou cinematográfica sempre gire em torno dos mesmos medos e resistências do humano em relação às máquinas. Entretanto, a par do universo ficcional e de seus temores, existe um outro lado, o da pesquisa rigorosa que utiliza a criação de robôs como meios para uma melhor compreensão do funcionamento da inteligência humana, uma inteligência em que mente, corpo e ambiente se interpenetram de modo inseparável.

O Instituto Americano de Robótica define os robôs como manipuladores programáveis, multifuncionais, desenhados para mover partes materiais, ferramentas ou dispositivos especializados através de movimentos programados ou para a realização de uma variedade de tarefas.

Os tópicos de pesquisa da robótica em vários países centrais estão voltados para as seguintes direções: adaptação e aprendizagem em sistemas biológicos e artificiais, vida artificial, músculos artificiais, sistemas autônomos, biologia, bio-robótica, cognição, controle, cooperação, evolução, interfaces gráficas, humanóides, sistemas híbridos, sistemas de decisão inteligentes, interfaces homem-máquina, manipulação, metatrônica, micro-robótica, mobótica (robôs móveis), nano-robótica, redes neurais, reconhecimento de objetos, sensibilidade olfativa, tele-operação, manipulação guiada pelo tato e visão, localização e planejamento tridimensional, realidade virtual e visão.

Atualmente, as pesquisas de robótica situam-se no contexto mais amplo dos estudos realizados no campo das ciências cognitivas. Estas começaram a se desenvolver em meados do século XX. Até o final dos anos 1980, as concepções sobre o funcionamento da mente estavam calcadas no modelo computacional, quer dizer, o processamento computacional era tomado como modelo para a compreensão da inteligência humana. Esses estudos se desenvolveram sob o nome de inteligência artificial.

Dos anos 1990 para cá, várias outras tendências de pesquisa em ciência cognitiva foram unânimes nas críticas dirigidas ao reducionismo da inteligência artificial. Essas tendências são: a neurociência, a vida artificial e a nova robótica, também chamada de nova inteligência artificial ou inteligência artificial situada. Esta surgiu no final dos anos 80, a partir dos trabalhos de Rodney Brooks no Laboratório de Inteligência Artificial do MIT (Massachussetts Institute of Technology).

A inspiração na biologia é uma característica marcante da nova robótica. Para esta, não se deve começar, como era regra nas pesquisas de inteligência artificial, pela tentativa top-down de sintetizar sistemas artificiais com habilidades cognitivas avançadas como a dos seres humanos. Partindo do pressuposto de que cognição e representação são a mesma coisa, a inteligência artificial tradicional se preocupou com a simulação de atividades superiores (linguagens, raciocínio etc.), para chegar à simulação de atividades mais básicas. É esse movimento que é chamado de top-down.

Conforme os especialistas em robótica, entretanto, deve-se tomar como ponto de partida bottom-up (de baixo para cima) os processos responsáveis pelo comportamento de animais que exibem a simplicidade dos insetos para, então, ir galgando gradativamente a escala da complexidade. Isso significa romper com a idéia de que produzir comportamento inteligente implica manipular um conjunto de regras ou representações explícitas, pois a cognição não começa com a representação, mas sim com a interação do organismo com o meio ambiente. Por isso mesmo, percepção e locomoção são fatores fundamentais para a robótica.

A robótica é também chamada de inteligência artificial encarnada porque, para ela, os robôs estão situados no mundo. São uma forma de inteligência encarnada. Os robôs têm corpos e experimentam o mundo diretamente. Sua inteligência não precisa ser pré-programada, pois ela surge da interação com o meio ambiente.

A computação evolucionária, que se dedica a conceber modelos computacionais inspirados na evolução biológica, permite a experimentação com a co-evolução da estrutura e da programação de robôs. Embora a expressão “robótica evolucionária” se refira a trabalhos de robótica que se utilizam da computação evolucionária, em um sentido mais amplo, a expressão é utilizada para designar qualquer projeto de robôs inspirados em seres vivos.

A novidade mais recente na robótica encontra-se na combinação do conceito de autômato com a engenharia genética. Com o auxílio do computador, robôs “humanos” podem ser gerados com base em manipulação e transformação evolutiva do código genético, criando seres híbridos biotécnicos.

No Brasil, pesquisa e criação de robôs estão sendo desenvolvidas como uma das linhas de pesquisa do Projeto Cognitus, Novas Ferramentas Cognitivas para a Amazônia. Esse projeto faz parte da carteira de programas do Cenpes, Centro de Pesquisas da Petrobras. Coordenado por um geólogo, pesquisador do Cenpes, Fernando Pellon, e por um artista e pesquisador, Wagner Garcia, por meio de um esforço concentrado de elaboração conceitual e experimentação, Cognitus visa constituir um novo parâmetro de produção científica, reconstruindo os fundamentos gerais dessa atividade – em especial seus pressupostos filosóficos e metodológicos no processo de obtenção de conhecimento em conjunto com o investimento em pesquisas de ponta, tais como a robótica e nanotecnologia. Na robótica, já foram desenvolvidos os protótipos dos robôs Kwata e do robô híbrido ambiental, que irão monitorar em tempo real os ecossistemas complexos da floresta amazônica. Estão em desenvolvimento: Porakê - robô autônomo móvel, construído por analogia aos processos utilizados pelo peixe elétrico, com sistema de eletrolocalização para exploração e monitoramento ambiental; Igara - robô móvel e autônomo de teleimersão ambiental para interação em tempo real; Biobots - arquitetura integrada, combinando sensores de parâmetros bioquímicos (bio-sensores) e redes de sensores físico-químicos.

No campo emergente da bioarte, a arte robótica vem sendo desenvolvida por vários artistas engajados na exploração sensível e afetiva das simbioses entre o ser humano e as máquinas. Entretanto, esse campo já está tão povoado de obras que sua apresentação tem de ficar reservada para uma outra ocasião.

Lúcia Santaella é professora titular da PUC-SP e diretora do Cimid – Centro de Investigação em Mídias Digitais (PUC-SP).

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Atualizado em 10/10/2005

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