Reportagens






Editorial:
O petróleo é nosso
Carlos Vogt
Reportagens:
Petróleo: fonte renovável de guerras
Países da Opep vivem constantes instabilidades
Quebra do monopólio divide interesses
Participação do petróleo na matriz energética brasileira
História do Petróleo no Brasil
Pesquisa petrolífera do Brasil na fronteira do conhecimento
Royalties de petróleo: sustentabilidade ou barganha política?
O petróleo e a agressão ao meio ambiente
Setor de petróleo recebe apoio de grandes programas
Mercado competitivo requer profissional mais capacitado
Bacia sedimentar do Amazonas é a terceira em produção de petróleo
As mil e uma utilidades de um líquido negro que vale ouro
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Mudança institucional e política industrial no setor petróleo
André Tosi Furtado
A base legal do novo setor de petróleo no Brasil
Natália A. M. Fernandes Vianna
Abertura e política de preços no setor de petróleo
Adriano Pires e Leonardo Campos Filho
Petróleo: por que os preços sobem (e descem)?
Adilson de Oliveira
O combustível automotivo no Brasil
Luiz Pontes
O fim do petróleo e outros mitos
Newton Müller Pereira
Conhecer as incertezas: o desafio da indústria do petróleo
Saul B. Suslick
A indústria petroquímica brasileira
Saul Gonçalves d'Ávila
CT-Petro: novo instrumento de política no setor petrolífero nacional
Adriana Gomes de Freitas
Poema:
Hercúleo
Carlos Vogt
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Créditos
 
O petróleo é nosso


Carlos Vogt


I


O petróleo sempre mobilizou politicamente a sociedade brasileira ao longo do século XX e assim continua a fazê-lo nesse começo de século.

Por muitas razões, entre elas a de seu alto valor estratégico para a economia dos países e para o desenvolvimento das nações.

O interessante é que passam-se os anos mas não se alteram muito as posturas dos grupos que entre si se opõem relativamente às formas de exploração e de produção do petróleo no país.

Desde 1947 a opinião pública brasileira foi confrontada com essa duplicidade de atitudes, intensificada pela campanha "o petróleo é nosso" que alguns chegam a considerar tão intensa e apaixonante, no século XX, quanto fora a da abolição da escravatura, no século XIX.

No cenário que se seguiu ao fim da 2ª Guerra Mundial, em que o liberalismo anglo-saxão vencedor repercutiu também no Brasil com a queda do Estado Novo e da ditadura Vargas, os assim chamados "entreguistas", com forte representação na grande imprensa e nas grandes organizações patronais propugnavam pela abertura total do país ao capital estrangeiro para a exploração do petróleo em terras brasileiras.

O argumento era o de que o país não tinha nem capital, nem técnica, tampouco tecnologia para as modernas prospecções que os países desenvolvidos dominavam inteiramente. Em resumo, o argumento era de que "o petróleo ia ficar debaixo da terra".

Contra eles, os "nacionalistas" que pregavam o monopólio estatal do petróleo, que acreditavam na capacidade de planejamento e de atuação eficaz do estado e que não admitiam outra alternativa que não fosse a da criação de uma empresa nacional para a exploração do então chamado "ouro negro".

II


Em 1953, quando Getúlio Vargas, em seu segundo governo, agora presidente eleito pelo voto, promulga, no dia 3 de outubro, a lei da criação da Petrobras, vários acontecimentos importantes marcaram a cena histórica desses princípios da segunda metade do século XX.

No dia 5 de março morria, em Moscou, aos 73 anos de idade, o ditador Joseph Stálin que durante 29 anos dirigira, com mão de ferro, os destinos da União Soviética, transformando-a, ao preço de muitas vidas, na grande potência rival dos EUA e no segundo grande ator do drama da guerra fria, cujo desenrolar se daria até 1989 com a queda do muro de Berlim.

No dia 19 de junho, como parte desse drama, são executados na cadeira elétrica, nos EUA, Julius e Ethel Rosemberg, acusados de terem passado para a URSS segredos da fabricação da bomba atômica.

No mês seguinte, no dia 27, depois de três anos de combates e de mais de 5 milhões de mortos, é assinado o armistício entre as Nações Unidas, China e Coréia do Norte para por fim à Guerra da Coréia. Tudo continuou como antes, do ponto de vista da divisão das duas Coréias pelo paralelo 38, mas o Japão começou aí a conhecer a retomada de seu desenvolvimento econômico já que foi um dos grandes fornecedores de material bélico para a guerra.

Estava em cena o plano de recuperação econômica do Japão, tão eficiente e estratégico, na Ásia, quanto o plano Marshall, adotado pelos EUA, através de uma lei de 1948, para a reconstrução da Europa devastada pela Guerra e como parte da diplomacia para conter o avanço da expansão soviética: raízes do novo liberalismo.

Também em 1953, no dia 15 de março, a primeira montadora de automóveis no Brasil, a Volkswagen, instala-se em um pequeno barracão no Ipiranga, na cidade de São Paulo, para montar, com peças de fabricação alemã e com mão-de-obra brasileira, carros da linha Volks e da linha Kombi.

Em 29 de abril, o filme O cangaceiro, de Lima Barreto, ganha a Palma de Ouro do Festival de Cannes e no dia 26 de junho fracassa a tentativa de golpe, depois bem sucedida, em 1958, do grupo de revolucionários cubanos liderados por Fidel Castro contra o governo do ditador Fulgêncio Batista.

Com a criação da Petrobras, em 3 de outubro de 1953, vencem os "nacionalistas" e triunfa a campanha de mobilização da opinião pública "O petróleo é nosso", que teve vários próceres na história republicana do século XX, no Brasil.

III


Monteiro Lobato morre em 1948, no mesmo ano em que a União Nacional dos Estudantes (UNE) cria a Comissão Estudantil de Defesa do Petróleo, surgindo, na seqüência, em decorrência do movimento de mobilização nacional em torno do tema, o lema consagrado de "O petróleo é nosso".

Ele próprio, Monteiro Lobato, como é sabido, teve um papel fundamental nessa consagração. Autor festejado, editor de sucesso, Lobato teve uma militância política e institucional tão intensa em sua vida quanto é grande e variada a sua obra literária. Dos livros infantis, cujo cenário de imaginação e de fantasia está no Sítio do Pica-Pau Amarelo, com seus personagens inesquecíveis e suas histórias memoráveis, aos contos regionais de gosto gótico e impressionista, passando pelas cartas e pelos textos de militância nacionalista, Monteiro Lobato mostra uma vocação política forte, apenas matizada pelo didatismo de suas intenções e, no mais das vezes, transfigurada em peça literária de alta qualidade.

Bate-se contra a ditadura de Artur Bernardes, contra a ditadura de Getúlio Vargas sendo um ativista ferrenho na defesa do voto secreto.

Quando em 1936 lança O escândalo do petróleo já vinha de anos a sua luta pelo petróleo e por sua exploração e produção nacionais.

Ele próprio, em 1931, criara a Companhia Petróleos do Brasil, que no seu lançamento teve metade das ações subscritas em 4 dias, conseguindo, enfim, que em 1936, a sonda de Alagoas, de sua empresa, depois de ser interditada por intervenção federal, fizesse jorrar, a 250 metros de profundidade no poço São João, de Riacho Doce, o primeiro jato de gás de petróleo.

Lobato escreve cartas a Getúlio, milita na imprensa, faz palestras e conferências, viaja aos EUA, conhece e aprende as novas técnicas e metodologias de exploração e de produção do petróleo, batalha pela exploração do ferro por empresas brasileiras, exige políticas de proteção, de investimento e de desenvolvimento para exploração das riquezas escondidas no solo, até que é preso em 1941, em São Paulo sob a acusação de querer, com seus escritos e o seu persistente ativismo, desmoralizar, o Conselho Nacional do Petróleo.

A sua atuação, a força de suas análises e opiniões, o respeito nacional e internacional de que gozam o homem e o autor acabam por inspirar tanto os partidos de esquerda como os movimentos sociais que viriam pôr na rua, no começo dos anos 1950, a grande campanha nacionalista de defesa do petróleo.

Monteiro Lobato continuava ativo e militante da causa do petróleo, mesmo depois de sua morte.

Hoje, o petróleo é nosso e a Petrobras também. Pela mesma militância histórica que levou à sua criação, não foi privatizada e, embora o monopólio da Petrobras, consagrado numa emenda, quando de sua criação, tenha sido um pouco flexibilizado, a empresa continua estatal, adquiriu a condição de transnacionalidade pelo alcance de suas operações e é detentora de tecnologias de exploração em águas profundas e em águas muito profundas que lhe são muito peculiares e de domínio muito específico.

Nesse sentido, a empresa não só produz petróleo mas produz também conhecimento tecnológico para exportação.

No caso do petróleo, o sentimento da população brasileira parece expressar-se num eterno e eloqüente arremedo dos versos do poeta Castro Alves: o petróleo é nosso - a Petrobras também -, como a praça é do povo e o céu é do condor.

 
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Atualizado em 10/12/2002
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