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Quebra do monopólio divide interesses empresariais e nacionalistas

Até agosto de 1997 a Petrobras detinha o monopólio na área de petróleo no Brasil. Com a quebra do monopólio, o mercado brasileiro abriu suas portas para o capital estrangeiro e cerca de 35 empresas já se instalaram no país. A Petrobras ainda é a maior empresa de petróleo do Brasil, porém, expressões como internacionalização, expansão dos negócios para outros setores e parcerias com empresas estrangeiras passaram a definir seus novos rumos.

As análises dos especialistas sobre as mudanças e os possíveis benefícios desse processo são bastante diversas e ora parecem focalizar interesses empresariais, compondo um cenário de sucesso, aumento de produção e faturamento no setor petrolífero brasileiro; ora ligados ao atendimento das demandas do povo brasileiro, apresentando dúvidas e críticas à abertura do mercado, sugerindo que as cores do nacionalismo, outrora tão vivas, podem estar desbotando no setor petrolífero. Mas seriam opostas estas visões? Defender os interesses da empresa significa negligenciar os interesses dos brasileiros e vice-versa? E as críticas à quebra do monopólio seriam análises nacionalistas românticas? Um dos maiores desafios para os atores sociais envolvidos nesse processo parece ser o diálogo entre opiniões diversas em busca de um equilíbrio entre essas duas óticas.

Mudança no papel do Estado
O fim do monopólio, determinado pela Lei do Petróleo em 6 de agosto 1997, instituiu não apenas um conjunto de mudanças de caráter técnico-administrativo, mas uma redefinição no papel do Estado. De produtor e provedor o Estado passa para regulador e fiscalizador. Para alguns especialistas esta é uma tendência natural do mercado internacional. Para outros envolve inúmeras escolhas de caráter político-social, atingindo diretamente o Estado de Bem-Estar Social.

Para atuar nesse novo papel foi criada a Agência Nacional do Petróleo (ANP), um órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, que passou a regular e fiscalizar a indústria de petróleo no Brasil. Uma das ocupações da ANP é promover licitações para a concessão de áreas ou blocos destinados à exploração de petróleo e de gás natural. Até o momento, quatro licitações (nos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002) foram realizadas, resultando na concessão de blocos exploratórios à Petrobras e a várias outras empresas internacionais (mais detalhes aqui).

Nesses quase cinco anos de atuação da ANP, a quebra do monopólio atingiu o setor de exploração e produção (chamado de upstream) que "foi privatizado e não tem mais participação pública", conta Saul Suslick do Centro de Estudos em Petróleo (Cepetro), da Unicamp. Na avaliação do pesquisador a condução da ANP nesse processo foi "muito boa". Mas, por outro lado, ele ressalta que não houve muito sucesso no setor de refino, distribuição e transporte (downstream). Para ele, este setor permanece praticamente inalterado, uma vez que existem apenas duas refinarias privadas e a Petrobras continua responsável por cerca de 95% das atividades.

João Rodrigues Neto, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) analisa o processo de concessão sob outra perspectiva: "Essas são concessões de transferência do patrimônio público para o patrimônio privado, e essa perda de patrimônio para empresas estrangeiras gera uma divisão das reservas nacionais, que antes eram da Petrobras, comprometendo o futuro da empresa que estava garantido".

Nova imagem da Petrobras
Em um cenário de abertura, a Petrobras "teria que se reinventar, mudar com os novos tempos", diz Jorge Camargo diretor da Área Internacional da empresa. Mudar a imagem da empresa envolveu a criação em 1999, de um novo plano estratégico baseado em três pilares: consolidar o que foi construído, reformando para competir; internacionalizar a empresa, comprando ativos no exterior; e explorar os setores de energia elétrica e gás. Estes dois últimos pilares entram em jogo na empresa após a quebra do monopólio.

Tendo em vista a abertura de mercado e a globalização econômica, para a Petrobras "não faz mais sentido se limitar às fronteiras domésticas, é preciso ir além dos mercados nacionais", diz Camargo, e ressalta que "a Petrobras mudou muito, perdeu o monopólio, mas ganhou em liberdade". Na perspectiva da Petrobras a internacionalização aparece como algo inevitável e necessário, em especial porque a entrada em mercados estrangeiros reduz a relação custo-capital da empresa, que é mais alto do que das empresas concorrentes devido, entre outras coisas, ao chamado risco-Brasil. Atualmente 5% da receita provêm de projetos internacionais. A meta é atingir 20%. Giuseppe Bacoccoli, pesquisador da Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia), da UFRJ, analisa que "internacionalizar é altamente válido para a "Petro" e altamente duvidoso para o "Bras", levando em consideração que os problemas nacionais não têm sido atendidos, como o desemprego". Para o pesquisador, a internacionalização somente é válida se "atende aos interesses nacionais" como, aliás, determina o primeiro objetivo da Lei de Petróleo.

Bacoccoli conta que no Brasil, existia uma companhia francesa e que um dia resolveu fechar e ir embora. Na época, o pesquisador questionou o porquê dessa decisão a um dos administradores da empresa, que prontamente respondeu: "porque François Mitterrand ganhou as eleições na França, e ele tem compromissos com a sociedade francesa. É muito dinheiro para gerar poucos empregos para os franceses". Na avaliação de Bacoccoli "a 'Petro' faz muito bem, mas a 'Bras' não", levando em consideração a existência de inúmeras bacias brasileiras, na Amazônia e estados do Nordeste, que não estão sendo exploradas, e a possibilidade de geração de empregos com investimentos no Brasil. Porém, Camargo, da Área Internacional da Petrobras, insiste que "a internacionalização não exclui os investimentos no Brasil, inclusive aumenta, além de gerar empregos dentro e fora do país".

Rodrigues Neto, da UFRN, ressalta que a internacionalização está ligada a uma política ampla de destruição dos monopólios estatais e formação de oligopólios por meio das fusões entre empresas e a compra de empresas em outros países. Essa política visa, na opinião do pesquisador, reduzir o número de empresas no mundo que atuam no setor petrolífero, tornando-as ainda mais fortes.

Outro ponto estratégico para a empresa, com a quebra do monopólio, é a atuação no setor elétrico e de gás. "Essa é uma tendência das empresas de petróleo que estão se configurando como empresas energéticas", comenta Suslick. A British Petroleum, por exemplo, mudou há algum tempo o seu slogan para "Beyond Petroleum" (além do petróleo). Em parte, essa tendência pode estar associada à ampla discussão em torno das conseqüências ambientais da dependência dos hidrocarbonetos (moléculas de hidrogênio e carbono, que compõe o petróleo). Mas, também porque a indústria do petróleo requer muitos investimentos. "Além disso as reservas têm de 30 a 40 anos e as empresas precisam estar preparadas para isso", explica Suslick (leia nesta edição artigo que trata do mito do fim do petróleo).

Quem foi beneficiado?
A ANP divulgou no site oficial da agência que as vantagens da quebra do monopólio são: para o país, a maior arrecadação fiscal e a diminuição das importações de petróleo; para os consumidores, a melhoria na qualidade dos derivados de petróleo e uma política de preços que reflete o comportamento do mercado internacional.

Apesar do que diz a ANP, há dúvidas sobre os benefícios obtidos pelos consumidores nos últimos cinco anos. Os preços dos combustíveis, derivados e gás estão altos, atingindo toda uma cadeia de preços de alimentos, medicamentos, e outros produtos. "O brasileiro está pagando mais caro pelos combustíveis e pelo gás, por exemplo, do que se paga nos Estados Unidos, apesar do aumento de produtividade que aproxima o país de uma possível autonomia no setor", chama a atenção Bacoccoli. "Em primeiro lugar, a abertura do setor tem que vir em benefício do povo brasileiro", defende o pesquisador, lembrando que na Noruega (terceiro maior exportador de petróleo do mundo), a legislação do setor petrolífero só tem um artigo que destaca exatamente este ponto.

Quanto à Petrobras, há a idéia de que a empresa foi beneficiada com a quebra do monopólio. Saul Suslick avalia que a saída do monopólio foi boa, em parte porque "antes se misturava uma empresa com um agente regulador", e destaca que hoje a Petrobras apresenta um saldo positivo de tecnologia, investimento em P&D, produção e exploração, faturamento e participação das universidades.

Na opinião de Rodrigues Neto, quem teve vantagens com a abertura de mercado foi o setor privado. Um das primeiras medidas tomadas após o fim do monopólio foi o alinhamento dos preços brasileiros com o mercado internacional. Essa medida beneficiou em grande parte as empresas privadas que foram estimuladas a entrar no mercado brasileiro. O pesquisador lança também dúvidas sobre os benefícios para a Petrobras que, na sua opinião, "tornou-se enfraquecida com a quebra do monopólio, pois perdeu autonomia tanto no mercado interno quanto externo e atualmente detém menos reservas e tem que competir com outras empresas".

Próximo governo: dúvidas e desafios
O Partido dos Trabalhadores (PT) divulgou durante a campanha, e após a vitória, que não vai permitir as influências das flutuações do dólar nos preços do petróleo, mas os especialistas advertem que se isso for feito faltará estímulo ao setor. Além de complicações com as companhias internacionais que já investiram milhões de dólares no Brasil, novos empreendimentos não serão estimulados se o país tiver preços controlados. O desafio do próximo governo é "amarrar essas duas pontas", diz Bacoccoli, ou seja, estimular a atividade com investimentos no setor e garantir preços baixos, sendo também importante criar um "atenuador" para os picos eventuais de alta do dólar.

Quanto a defender os interesses do consumidor parece não haver dúvidas. Mas investir em quê? Quais seriam as prioridades? Bacoccoli acredita que seria bom que o Brasil voltasse a construir estaleiros e defende que se pense mais 'Bras' do que 'Petro'. "Com a produção brasileira de estaleiros nós vamos continuar nos capacitando, serão gerados empregos, conhecimento e tecnologia nacional, o que seria fundamental porque nós estamos nos esquecendo de como se faz isso e assim estamos perdendo conhecimento".

Na cadeia de produção do "poço ao posto", o país domina tecnologia e o conhecimento necessário para a exploração de petróleo. Bacoccoli ressalta que a capacitação de profissionais foi um ganho importante durante o período do monopólio e questiona: "com quem ficará a capacitação agora, já que não há mais obrigação de ser vinculada à Petrobras? Vai passar para as universidades? E nós vamos ser capazes de formar com a competência que a Petrobras fez?

A inexperiência na área de regulação no Brasil também é, na opinião de Suslick, algo que precisa ser superado. Esse período de experiência criou "importantes momentos de aprendizagem, mas o Brasil precisa ter agentes reguladores capacitados que atuem de forma mais eficaz, inclusive na defesa do consumidor e do meio ambiente", ressalta.

(SD)

 
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Atualizado em 10/12/2002
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