Unicamp sedia Seminário Pós-Verdade, promovido pelo Instituto de Estudos Avançados e pelo jornal Folha de S. Paulo

Pesquisadores e jornalistas discutem os conceitos de fakenews, e suas implicações nas eleições

Adilson Roberto Gonçalves

“Qual seria a verdade da pós-verdade, ou das falsas verdades?”, perguntou o filósofo e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Oswaldo Giacoia, em conferência de abertura do Seminário Pós Verdade.

O professor fez uma abordagem profunda sobre o tema, trazendo filósofos como Nietzsche e Foucault, à atualidade, defendendo-os de terem sido rotulados como os “arautos da pós-verdade”, e apresentou subsídios para entender o que acontece hoje, especialmente refletindo sobre os aforismos de Nietzsche.

“Fakenews são mentiras objetivas”, afirma ele, que também polemizou: “o impacto da informação é mais importante do que ela ser verdadeira ou falsa”. Com isso, segundo o filósofo, passamos a viver em uma “sociedade ou cultura pós-factual, sob a regência da opinião pública, com exploração de pseudo-fatos”. Giacoia lembrou do termo “fatos alternativos”, cunhado pelos assessores de Trump para explicar a publicação de um exagerado número de pessoas presentes em sua posse, conflitante com as imagens apresentadas.

Na sequência, foram constituídas as mesas de discussão, iniciando com a jornalista Paula Cesarino da Costa, ombudsman da Folha de S. Paulo, que ponderou que “se é falso, não é notícia”. Ela defende que o que vem sendo assim rotulado é uma “narrativa deliberada que fabrica a informação”. Citou estudo recente da revista Science, em que as notícias falsas veiculadas nas redes sociais se propagam 70% mais rápido que as verdadeiras. E não são robôs os responsáveis pela diferença, mas pessoas.

Especula-se também sobre o caráter monetário, pois a maior interação das notícias torna-as caça-cliques. O Instituto Reuteurs, segundo a ombudsman, divulgou resultados que mostram o consumidor de notícias cada vez mais desconfiado da veracidade da informação que lhe chega, sendo que apenas 23% confiam nas redes sociais e pouco mais da metade está preocupada com o que é real e o que é falso. Por fim, lembrou que “a negação da falsa notícia seria a própria afirmação da notícia”.

O professor da Escola de Comunicação e Artes da USP Eugenio Bucci discorreu sobre o significado ontológico de fatos e concluiu que, sem fatos, não há política; e também que o embate de ideias e opiniões é lastreado em fatos. O jornalista mostrou a preocupação com o que chamou de “modo de produção das notícias falsas que perpassa pelas plataformas sociais”, que possuem ainda maior velocidade e abrangência. Finalizou com uma mensagem convocatória, afirmando que “isso tudo é uma reação instintiva do jornalismo”.

Completando a mesa de discussão, Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, mostrou como o apelo aos sentimentos é responsável pelo sucesso da propagação de notícias falsas.

“Causos” e algoritmos

No segundo bloco do evento, o professor e sociólogo José de Souza Martins lembrou a forma como notícias falsas eram contadas como “causos” no passado, e que isso não é, portanto, algo novo. Os boatos efêmeros fazem parte da construção do humor, segundo ele, e o problema são as fakenews de longa duração. Outro ponto de preocupação é a influência religiosa, tanto nos meios de comunicação como na política. “Vivemos a despolitização da política e a politização da religião”, alerta o sociólogo. Lembrou um encontro com o linguista Noam Chomsky, que defendia a internet, local no qual cada um teria seu próprio jornal – o que, na opinião de Martins, não foi necessariamente uma conquista, haja vista o grande número de “vozes” que se tem hoje. Concluiu sua fala dizendo que “a mentira ou a desinformação podem não ser intencional ou maldosa”, em uma mensagem mais otimista da situação, e que se busca “a verdade mínima e robusta”.

Uma visão um pouco distinta dos demais participantes foi apresentada pela advogada Taís Gasparian. Do ponto de vista jurídico, a falta de definição do que é notícia falsa é um empecilho para o estabelecimento de normas e condutas. Taís alertou que os projetos com essa temática em tramitação no Congresso Nacional podem resultar em censura. Exemplificou que um deles propõe a remoção de notícias que fossem consideradas incompletas – para os jornalistas, toda notícia é incompleta, já que vai sendo construída alimentando-se da evolução dos fatos.

A advogada defende que exista um “espectro entre o falso e o nocivo”, sendo da opinião que não se devem apagar as fakenews, em função do registro e resgate histórico. Sua tese de que veículos tradicionais não podem ser responsabilizados pelas fakenews foi contradita pela jornalista Laura Capriglione, que falou na sequência, aplaudida pela audiência.

Laura Capriglione trabalhou no jornal Notícias Populares em um momento de efervescência política, início da redemocratização do país, e o jornal era censurado pelo tipo de notícia que publicava. A jornalista tem passagem também pela Folha de S. Paulo, Veja e O Globo. Suas palavras foram de lembrança da história do jornalismo nas últimas décadas. Ela acredita que esse momento, de múltiplas vozes com direito à expressão, além dos veículos tradicionais, seja uma nova primavera do jornalismo – ainda que, como um negócio, esteja em situação complicada.

No último bloco, Marcelo Soares, jornalista especializado em análise de dados, apresentou instigantes resultados sobre algoritmos. Ele apontou que provocar reações de ódio leva a muito mais compartilhamentos e interações do que as notícias que são classificadas como agradáveis. No caso específico do YouTube, Soares apontou como os algoritmos sugerem uma sequência de vídeos, levando em conta as emoções. E, ironicamente, disse ele, “o convicto torna-se um chato: o primeiro não muda de opinião, o segundo não muda de assunto”.

Virgílio Augusto Almeida, professor da UFMG, monitora o fluxo de redes sociais por meio de robôs. Ele destacou o fato de o Whatsapp no Brasil ser vastamente usado, sendo um programa que possui criptografia específica, não podendo ser monitorado como as demais redes sociais.

O professor Carlos Vogt, Presidente do Conselho Científico e Cultural do IdEA, encerrou o evento, e enalteceu a parceria com a Folha de S. Paulo para este que será o primeiro de uma série de seminários.