Comunicação de mudanças climáticas exige estratégias eficazes

Pesquisadores elaboram mensagens de forma a ajudar o público a se informar – e para que haja mobilização 

Por Juliana Vicentini

Embora as alterações climáticas sejam um fenômeno global, nem todas as pessoas entendem o que significa, suas implicações e ações de mitigação. A comunicação é uma maneira de preencher essa lacuna, pois envolve “educar, informar, alertar, persuadir, mobilizar e resolver este problema crítico. Em um nível mais profundo, esse tipo de comunicação é moldado por nossas diferentes experiências, modelos mentais e culturais, e valores e visões”, pontua o guia Communicating climate change. Não basta saber que o problema existe, é preciso agir, e para isso as pessoas precisam entender o fenômeno. Esse tipo de comunicação tem como propósito aumentar o entendimento público sobre a questão e incentivar atitudes concretas para reduzir seus impactos, sugere a ONU.

A comunicação climática é estratégica e se distingue das demais porque “enfatiza o aspecto da urgência de decisões para enfrentar o problema, considerando o potencial de seus efeitos vastamente respaldados por estudos científicos”, esclarece Eloisa Beling Loose, professora e pesquisadora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ela também se relaciona com outros tipos de comunicação, como a de risco e a pública. Sua interface com a de risco se dá em razão de que esta é utilizada “quando estamos pensando em como lidar com as ameaças que são intensificadas pelas mudanças climáticas, ou seja, em como podemos reconhecer, compreender e enfrentar os riscos antes de eles se tornarem desastres”, completa Eloisa, que também é coordenadora do Laboratório de Comunicação Climática (CNPq/UFRGS). Embora tenha semelhanças com a comunicação pública, seu diferencial se deve ao fato de que a comunicação ambiental “orienta suas estratégias e processos para uma efetiva e encorajadora ação diante do colapso climático, que afeta de forma desigual todos os territórios do planeta”, diz a pesquisadora.

Desafios para a comunic(ação) climática

As mudanças climáticas desdobram-se em  pautas desafiadoras para gerar entendimento e engajamento nas pessoas. Isso se deve ao fato de que ela é complexa, pois é multifatorial. Suas causas são invisíveis, ou seja, não produzem efeitos que podem ser visualizados rapidamente e seus impactos não são imediatos, eles aparecem após longos períodos de degradação ambiental. Além disso, há um distanciamento, pois a maior parte das pessoas vive em construções fechadas climatizadas, longe da variabilidade climática e a morosidade entre as ações de mitigação e resultados práticos, destaca Susanne Poser em seu artigo publicado na Wiley Interdisciplinary Reviews. “O fato de ser um assunto global também dificulta a mobilização de grupos, setores ou países isoladamente, pois a falta de responsabilidade ou cuidado com o bem coletivo desincentiva ações – por que eu farei mudanças que exigem esforços se os outros não estão fazendo?”, reflete a professora Eloisa.

Como resultado de uma combinação de fatores ambientais, sociais, econômicos e políticos, as mudanças climáticas devem ser comunicadas a partir de uma perspectiva que “precisa desafiar o modelo de desenvolvimento vigente, associado à causa da emergência climática, o que demanda mudar comportamentos e hábitos de uma sociedade inteira. Além disso, temos a dificuldade dos jargões científicos, da comunicação orientada para o futuro, atravessada por incertezas, da conexão local-global, e da intensa propagação de desinformação daqueles que querem manter tudo como está”, detalha a pesquisadora da UFRGS.

As maiores ameaças globais a curto prazo são a desinformação e a informação falsa e, a longo prazo, as mudanças climáticas, conforme alerta o Global Risks Report. A retórica e a desinformação sobre as mudanças climáticas, além do enfraquecimento deliberado da ciência, contribuíram para percepções equivocadas do consenso científico, incerteza, desconsideração de risco e urgência. Além disso, a polarização das opiniões partidárias contribuem para o atraso nas ações de mitigação e adaptação, especialmente, aponta o relatório do IPCC.

Uma dificuldade de engajar as pessoas “é por conta da própria noção de público, empobrecida, triste. Uma ideia de um público inerte, um público que seria um receptáculo de informações, e não uma potência viva, criativa, ativa. No caso das mudanças climáticas, há relação muito forte desse tema com as ciências, mas as pessoas que não são cientistas também têm produzido conhecimento a respeito. Há uma produção de conhecimento que acontece em diferentes lugares e que precisa ser reconhecida. E essas práticas que produzem conhecimento precisam entrar em relação. Precisamos inventar uma noção de público mais potente para conseguir efetivamente engajá-lo”, detalha Susana Oliveira Dias, pesquisadora do Labjor (Unicamp).

Estratégias para o público entrar no clima

A prática de uma comunicação climática exitosa depende de alguns fatores. “Não tem uma única resposta. A depender do público, de seu contexto e repertório, há formas mais ou menos efetivas de se elaborar a mensagem. Tornar as mudanças climáticas um assunto acessível e de interesse público é um primeiro passo para pensarmos em uma comunicação rumo à ação. Não podemos nos mobilizar por aquilo que desconhecemos”, explica Eloisa Loose.

Para aquelas pessoas que desejam se dedicar à comunicação das mudanças climáticas, é preciso considerar algumas estratégias para aproximar o público do tema. Susanne Poser propõe em sua pesquisa o “uso de metáforas, imagens e modelos mentais mais claros e simples, bem como um enquadramento convincente para estabelecer as bases para um processamento cognitivo mais apropriado”. Ela elenca que o público precisa receber sinais claros, suficientemente fortes e consistentes que apoiem as mudanças comportamentais sustentáveis no dia a dia. O engajamento pode ser fortalecido a partir do momento em que as mudanças climáticas sejam consideradas como prioritárias. “O clima não é apenas uma pauta de nicho, mas que pode ser articulada com práticas culturais, economia, saúde, política, a vida nas cidades, enfim, com todos os aspectos de nossas vidas”, reflete a pesquisadora da UFRGS.

A forma como as mudanças climáticas são cobertas pela mídia influencia a maneira com que as pessoas se relacionam com a questão. “A grande mídia tem tido uma certa pluralidade de abordagens, mas acho que há dois problemas importantes. O primeiro é a frequência com que a abordagem das mudanças climáticas recai em ênfases catastrofistas e que dão poucas possibilidades de vida. Isso gera inércia, incapacidade de poder se relacionar com esse tema, porque é tão assustador que não tem como criar relações com ele, a partir do que é divulgado. Outro aspecto é que essa abordagem tradicional prioriza pouco a invenção de relações entre as ciências e outros modos de produção de conhecimento. É fundamental colocar em relação as perspectivas dos cientistas com as dos povos originários, quilombolas, ribeirinhos e das populações em situação de vulnerabilidade, pontua Susana Dias de Oliveira, que também é editora da revista ClimaCom.

Os cientistas ocupam e continuarão ocupando uma posição importante como estudiosos, intérpretes e mensageiros das mudanças climáticas, sinaliza Susanne Poser em seu artigo. A pesquisadora completa que “para serem eficazes, cientistas e outros comunicadores devem se familiarizar mais com os estudos sobre comunicação. Torna-se evidente, então, que uma comunicação entre palestrantes altamente qualificados e um público não especialista, com interesses variados e motivações desiguais, requer esforço substancial para que essa troca leve a uma maior compreensão e a um engajamento construtivo”.

Para fortalecer a comunicação climática, a ONU propõe algumas diretrizes. A organização destaca que é preciso verificar as fontes de informação; considerar dados que são baseadas na ciência; priorizar conteúdos que foram publicados em artigos científicos revisados por pares; não compartilhar dados duvidosos e sem checagem de veracidade; criar narrativas que envolvam as pessoas na resolução do problema, para criar um senso de coletividade; explicar a crise climática – que é um tema denso – e, ao mesmo, transmitir mensagens de esperança e soluções.

Juliana Vicentini é doutora em ciências (ecologia aplicada) pela USP e especialista em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).