Entrevistas
Para líder indígena
participação política ainda é
tímida
Uilton Tuxá
Projeto
levou conhecimento sobre direitos autorais a comunidades indígenas
Marlui Miranda
Inbrapi
quer usar propriedade intelectual para compensar exploração
histórica
Daniel Munduruku
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Inbrapi
quer usar propriedade intelectual para compensar exploração
histórica
Daniel
Munduruku é diretor presidente do Instituto Indígena
Brasileiro para Propriedade Intelectual, o Inbrapi, uma ONG
que surgiu efetivamente em fevereiro de 2003, mas que começou
a ser articulada em 2001, durante o Encontro de Pajés,
ocorrido em São Luís do Maranhão. Nessa
ocasião, reuniram-se lideranças espirituais
indígenas com o interesse comum de promover a articulação
dos povos indígenas brasileiros para discutir a questão
da propriedade intelectual, com o intuito de proteger os conhecimentos
tradicionais da biopirataria e da exploração
por terceiros.
Formado em filosofia e especialista em antropologia social pela
USP, Daniel Munduruku publicou diversos livros sobre pensamento
indígena, pelos quais foi premiado nacional e internacionalmente.
ComCiência
- O Inbrapi entende o conhecimento tradicional de uma forma
oposta ao pensamento ocidental compartimentalizado? Qual é
a relação que as comunidades indígenas
estabelecem com a terra e com a natureza?
Daniel
Munduruku - O Inbrapi defende o conhecimento sem
ruptura entre mente e corpo. Isso significa que há
uma diferenciação muito profunda entre ciência
indígena e ciência ocidental.
Nesse sentido, e segundo essa linha de raciocínio,
os povos indígenas têm uma relação
profunda com a natureza e o meio ambiente. Aí mora
o primeiro ponto de diferença: os indígenas
olham a natureza como um ser vivo interagindo com eles. Não
costumam encará-la como objeto a ser dominado, explorado,
vendido ou destruído. O segundo ponto é que
o saber indígena é coletivo, não pertence
a uma pessoa em particular, e sim a todos na comunidade.
A legislação construída sobre uma ótica
ocidental não consegue sequer entender as razões
e os motivos que regem os povos indígenas e sua ciência,
como poderiam contemplar este saber? Assim, nessa nossa defesa
do saber como o vemos, desejamos pelo menos que a lei siga
a lei maior que é a Constituição.
ComCiência
- É possível ampliar essa forma de pensar para
a relação com a terra e para solucionar os conflitos
em terras indígenas?
Munduruku - Eu diria que o conflito de terra é
fruto da ganância que o capitalismo implantou na sociedade.
Esta é uma realidade da qual não podemos fugir e
por isso temos que dialogar com a sociedade, no sentido de nos
fazermos entender em nossas demandas. Entendo que o humano deve
estar acima dos interesses individuais.
ComCiência
- O conhecimento tradicional está relacionado com o sagrado
para as comunidades indígenas, tanto é que a idéia
do surgimento do Inbrapi se deu durante o Encontro de Pajés
em 2001. É possível preservar essa visão
e essa relação com o conhecimento, numa época
em, que cada vez mais, conhecimento significa mercado, patentes
etc?
Munduruku - É preciso defender o direito de
as pessoas pensarem diferente. Temos que salvaguardar o direito
de dizer não a essa forma de conhecimento que detona
as formas de organização que nossos povos estão
mantendo há milênios. O Inbrapi é uma
organização que nasceu com essa missão
por acreditar que é possível conviver com a
sociedade nacional de forma harmônica e respeitosa.
ComCiência
- Como se caracteriza a luta pela proteção dos conhecimentos
tradicionais? Ela se relaciona com o recebimento de royalties
e patentes? Isso não reforça o sistema de patentes?
Munduruku - Conhecimento tradicional é um método.
Nossos povos vêm utilizando esse método há
milênios. Lembre-se que os povos do primeiro mundo utilizam
a mão-de-obra do terceiro mundo para enriquecerem cada
vez mais. Eles – os do primeiro mundo – são
os detentores do conhecimento científico e por isso são
remunerados usando o mecanismo de propriedade intelectual, enquanto
os do primeiro mundo são produtores desses produtos pensados
por eles. Os povos indígenas também são detentores
de uma ciência milenar riquíssima e desejada por
todos, e não querem fabricar produtos e, sim, viver desse
saber acumulado, quem sabe usando os mecanismos de propriedade
intelectual.
ComCiência
- Alguns movimentos sociais, como aqueles contra os alimentos
transgênicos e o movimento de software livre lutam por
uma flexibilização ou anulação
dos direitos autorais, enquanto o movimento indígena
luta pela repartição de benefícios incluída
em um sistema de patentes. A luta dos indígenas não
é contraditória com essas bandeiras?
Munduruku - Acho que esses movimentos têm que continuar
lutando por isso. É justo, e nós também defendemos
isso porque a sociedade ocidental já tem explorado muito
os pobres que ela criou. Agora, para os povos indígenas
ela nunca deu nada, nunca repartiu nada. É isso que queremos
forçar. Não há nada de contraditório
nisso. Acredito que é uma forma justa de compensar as inúmeras
degradações que fizeram com nossos povos.
ComCiência
- Qual é a sua avaliação sobre a postura
do governo brasileiro com relação à luta
pelos direitos aos benefícios do conhecimento tradicional?
Munduruku - Tirando o ministério do Meio Ambiente,
que tem procurado ouvir os detentores do conhecimento tradicional,
os outros ministérios têm tido uma posição
meio débil. Isso é preocupante, pois mostra
que o governo não está coeso.
ComCiência
- No caso de haver compensação financeira pelo
conhecimento tradicional, como será a administração
dos recursos?
Munduruku - Estamos pensando na constituição
de um fundo, mas o seu gerenciamento ainda é uma incógnita
que queremos resolver em breve. No caso de direitos autorais,
entendemos que o Inbrapi pode servir de escritório
de recebimento deles.
ComCiência
- Como o senhor vê a presença de pesquisadores
nas aldeias?
Munduruku - Não sou contra a ciência
ou a pesquisa. Sou contra aproveitadores, biopiratas e gente
de má fé. Se construirmos regras claras para
o acesso, certamente os pesquisadores serão bem vindos.
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