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As pesquisas científicas nas unidades de conservação

Paula Felício Drummond de Castro

A vocação científica das Unidades de Conservação

A pesquisa científica sempre apareceu como um convite para a conservação ambiental. Em particular quando nos referimos à preservação de áreas naturais. Já em 1986, André Rebouças, quando explicitava seus desejos de criar Parques Nacionais no Brasil, frisava o inesgotável potencial científico dessas áreas. Nesse momento, imerso em uma atmosfera positivista. À medida que as áreas naturais protegidas iam se estabelecendo ao longo do século XX, a vocação científica dos parques e reservas tornou-se recorrente entre seus objetivos. Entretanto, a valorização do caráter científico dessas áreas foi uma herança de um ambientalismo dos anos 70 e 80 que foi buscar nas bases da ciência força para ser ouvido e legitimado. Um exemplo emblemático são as Estações Ecológicas, produto de uma engenhosa articulação de ambientalistas que, visando a expansão do número de áreas protegidas, se apoiaram na necessidade de delimitação de áreas cuja finalidade exclusiva fosse o desenvolvimento de pesquisa científica. A ciência participou com eficiência de argumentação e, em 1981, essa categoria foi criada. O cientificismo no movimento ambiental dos anos 70 e 80 não se restringiu somente ao que tange a preservação de áreas verdes, mas também buscou força em argumentos técnico-científicos para mobilizar a sociedade na polêmica em torno das usinas nucleares e sobre a poluição que ocorria em Cubatão (SP) naquele período.

A consolidação do caráter científico dessas áreas culminou com a estruturação do Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC), o principal instrumento de conservação ambiental eleito no Brasil que reúne e organiza o conjunto de Unidades de Conservação (UC) no Brasil. Trata dos objetivos, das diretrizes, das categorias, da criação e gestão das áreas que, por sua vez é fortemente embasado em estudos técnico-científicos. A materialização dos conhecimentos técnico-científicos das UCs é o Plano de Manejo, documento elaborado para a gestão e baseado nos objetivos gerais da área.

No âmbito das pesquisas científicas, a demanda pela conservação ambiental aparece reiteradas vezes como justificativa da importância do estudo.

De um lado temos as Unidades de Conservação, ávidas por pesquisas científicas, e do outro, os cientistas interessados em justificar à sociedade e sua agência fomentadora a importância de seus estudos. Posto este cenário há de se questionar o que ocorre na intersecção entre essas duas esferas.

As limitações das pesquisas nas Unidades de Conservação

As pesquisas realizadas nas Unidades de Conservação são submetidas ao órgão gestor da área, que é quem as autoriza e solicita ao pesquisador os resultados de sua pesquisa que, futuramente, deverá subsidiar as ações na área. Mas esse caminho não é tão linear, mas freqüentemente tortuoso. A seguir, alguns percalços do caminho.

  • Primeiramente, existe uma grande disparidade entre as várias unidades em relação à intensidade da atividade de pesquisa. Unidades mais estruturadas (alojamento, estradas, etc) e próximas aos centros urbanos tendem a ter mais pesquisas do que as de difícil acesso.
  • A predominância de pesquisas básicas em relação às aplicadas dificulta que a maioria das pesquisas seja incorporada diretamente no cotidiano da administração da unidade.
  • Por vezes há deficiência na capacidade técnica da unidade para acompanhar a pesquisa, seja pelo reduzido número de funcionários ou pela especificidade do assunto em si. Somado a isso, a equipe das UCs comumente fica imersa em assuntos burocráticos, de infra-estrutura, restando pouco tempo para se dedicar à leitura de pesquisas.
  • A ausência da transferência das informações geradas pelos pesquisadores para a unidade é recorrente. A relação do pesquisador com a unidade muitas vezes se encerra na fase da pesquisa de campo, não chegando à unidade o resultado final da pesquisa. Isso revela uma frágil comunicação entre pesquisador e instituição gestora da área. Os órgãos gestores via de regra não possuem mecanismos eficientes de acompanhamento das pesquisas que são realizadas nas UCs.
  • Falta de comprometimento geral por parte das universidades e centros de pesquisa em divulgar os resultados de suas pesquisas para a "sociedade extra-acadêmica". O formato final das pesquisas resulta geralmente em teses e artigos cuja redação é destinada para um público específico e restrito, limitando o alcance do público geral.
  • Grande parte da informação está dispersa ou inacessível. Os produtos estão em teses, relatórios técnicos, artigos científicos depositados em locais distantes das Unidades de Conservação ou de acesso restrito.

A utilização de toda a produção científica como subsídio e até norteamento para a gestão das UCs ainda é limitada, não se configurando uma rotina para a administração da unidade, circulando quase que exclusivamente na comunidade científica.

Essa falta de informações para o manejo das áreas tem sido colocada como uma ameaça ao manejo das áreas, o que leva a tomada de medidas fortuitas e sem critérios. A ausência de uma plano de manejo revela isso. Entretanto, essa ausência não se dá somente porque falta informação disponível, mas também porque a elaboração de um plano de manejo é cara, necessita de um corpo técnico especializado, e, sobretudo, de vontade política. Depois disso tudo reunido, cabe lembrar que a legislação exige que esse documento seja revisado a cada cinco anos.

A universidade é a principal realizadora de pesquisas nas UCs ao lado de um tímido aporte de investimento em pesquisa dos órgãos gestores. O que, por um lado, significa para o órgão gestor uma economia de recursos financeiros e humanos, por outro, significa uma conformidade à agenda de pesquisas das universidades, que não necessariamente coincide com as necessidades de gestão da UC.

As universidades, por sua vez, possuem um corpo de pesquisadores e uma capacidade de captação de recursos maior do que o órgão gestor, a este resta se incumbir mais incisivamente de catalisar as pesquisas às necessidades do Parque, papel que não cabe à universidade.

Pesquisar para conservar?

Então vem a pergunta: toda pesquisa no Parque tem que ser aplicada? Não, necessariamente. O pesquisador, quando está em campo, está trabalhando para a sua instituição, para o seu financiador, pela aprovação perante seus pares ou estudando o que mais lhe agrada e não para a gestão da UC. A pesquisa nas UCs estão hoje a reboque da agenda de quem a propuser, no caso, as universidade e centros de pesquisa. Isso reafirma o caráter de "laboratório vivo" dessas áreas e que essas UCs foram, em parte, criadas para suprir as necessidades da investigação científica. É a ciência para a gestão ou gestão para a ciência?

A gestão para ciência tem se mostrado mais eficiente do que o contrário. Ainda que a tramitação dos projetos nos órgãos gestores seja freqüentemente criticada pela sua morosidade, de maneira geral não há grandes impedimentos para o pesquisador realizar sua pesquisa nas áreas protegidas, desde que evidentemente esteja de acordo com a legislação vigente (acesso a recursos genéticos, espécies ameaçadas de extinção etc.). Já a ciência para a gestão enfrenta a falta de um planejamento das UCs em orientar as prioridades de pesquisa para a área, o que por fim a submete a agenda da universidade e centro de pesquisas que não têm seu foco necessariamente nas demandas da Unidade. Somado a isso existe uma dificuldade de tradução das questões científicas em técnicas e técnicas em questões científicas.

Na prática, esta relação de gestores e pesquisadores é muito mais imprevisível e se dá mais fluidamente pela relação pessoal e da vontade de cada pesquisador em se envolver com a área.

 
Paula Felício Drummond de Castro é bióloga, mestre em política científica e tecnológica pela Universidade de Campinas e atualmente trabalha no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (IEMA).

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Atualizado em 10/08/2005

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