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BNDES contribui para modernização tecnológica na agropecuária e agroindústria

Paulo Faveret Filho e Sergio de Paula

Na década de 90, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES ficou mais conhecido do grande público brasileiro pela sua atuação como agente mandatário do governo federal do Programa Nacional de Privatizações. Por este motivo, muitas de suas ações, no financiamento ao desenvolvimento da economia brasileira, passaram desapercebidos.

Um desses casos, que pretendemos abordar neste artigo, é o financiamento ao agronegócio pelo BNDES e as implicações desse aporte de recursos na difusão de tecnologias modernas e inovadoras que estão dando suporte ao crescimento continuado do setor e à consolidação da liderança competitiva dos produtos brasileiros no mercado interno e internacional.

Características dos financiamentos
A missão do BNDES é promover o desenvolvimento nacional e a geração de empregos, priorizando os investimentos em infra-estrutura, em insumos básicos, exportações, tecnologia nacional e o fomento às pequenas e médias empresas nacionais.

Para dar conta de sua missão o banco apóia projetos de implantação, ampliação e modernização de empresas, financiando os seus investimentos fixos, seja em obras civis e instalações, seja para aquisição de máquinas e equipamentos.

Os recursos usados para tal são, em sua maior parte, provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador, que exige do BNDES uma remuneração mínima equivalente à Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP. Esta é a razão pela qual o banco repassa esse custo aos seus financiamentos, acrescidos da sua taxa de remuneração e de seus agentes financeiros, expressa no spread do projeto, que varia de acordo com o porte da empresa tomadora e a região em que se localiza o projeto.

As máquinas e equipamentos incluídos nos projetos ou financiados isoladamente são pré-cadastradas na Finame (Financiadora de Máquinas e Equipamentos - subsidiária do BNDES) que, para isso, exige um nível mínimo de nacionalização de 70%.

Essa modalidade de financiamento é operada por bancos públicos e privados (mais de 160 agentes), que analisam a proposta do tomador e, aprovando, repassam os recursos diretamente ao fabricante.

Projetos agropecuários que envolvem outros investimentos fixos, além de aquisição de máquinas e equipamentos, só recebem apoio do BNDES se trouxerem em seu bojo a aplicação de modernas tecnologias de plantio, colheita, pós-colheita e manejo.

Volume de recursos
Os desembolsos totais do BNDES para a agroindústria têm sido crescentes desde 1990, como pode ser observado no gráfico 1. As oscilações coincidem com os períodos de maior ou menor atividade da economia, bem como com os ciclos de modernização e maturação dos investimentos nas variadas cadeias e segmentos do setor (ver tabela 1).

A cadeia de carnes destaca-se como principal cliente do BNDES no setor agropecuário. Não porque tenha condições privilegiadas de acesso aos recursos do banco mas porque foi a cadeia que mostrou maior dinamismo em toda a década de 90, mudando padrões tecnológicos de criação, manejo e industrialização. Tamanha pujança levou seus segmentos à liderança mundial do setor, seja em aves e bovinos como também em suínos e na carcinicultura (camarão), necessitando, portanto, de recursos para os investimentos destinados à mudança de paradigma em seus vários elos.

A cadeia produtiva da cana-de-açúcar, que também passou por uma reestruturação profunda e modernização na década de 90, foi a segunda maior demandante de recursos do BNDES no período.

Muito embora as principais cadeias produtivas agropecuárias demandantes de recursos do BNDES sejam tradicionalmente dominadas por grandes empresas e grandes produtores, a quantidade de contratos firmados no ano de 2002 (que não foge à regra dos anos anteriores), demonstra que tanto em quantidade como em valor médio, os financiamentos são acessados por um bom número de médios e até pequenos produtores, conforme pode ser inferido a partir dos dados apresentados na tabela 2.

A principal razão disto é a capilaridade conseguida pelo sistema de repasse de recursos utilizados pelo BNDES, que se utiliza da rede bancária (seus agentes financeiros), que tende a estar mais próximo do empresário/produtor, muito embora os processos de financiamento sofram das dificuldades próprias de acesso ao crédito.

Outro fator importante nesse aspecto é que a maior quantidade de financiamentos destina-se à aquisição de máquinas e equipamentos, muitas vezes com interveniência dos seus fabricantes, quando, na maioria das vezes, para a compra de cada equipamento é feito um financiamento.

Tabela 2
Agroindústria - Número de Operações e Valor Médio dos Desembolsos
2002 N.o de operações Valor Médio R$ mil
Agropecuária 95.191 53
Alimentos 2.481 959
Bebidas 539 522
Fumo 8 385
Total 98.219 78

 

Implicações tecnológicas
O crescimento dos desembolsos do BNDES para o setor agropecuário acompanha o desenvolvimento e a modernização das várias cadeias que acessam os recursos oferecidos pelo Banco. A partir da série apresentada na tabela 1 pode-se observar a aderência do aumento dos recursos desembolsados pelo BNDES com os ciclos de desenvolvimento e, algumas vezes, de mudança de paradigmas tecnológicos das cadeias produtivas.

I) Carnes

Bovinos e suínos
Até o início dos anos 90 o BNDES não financiava a pecuária de corte. No início da década, com o desenvolvimento de técnicas de plantio de pasto, melhorias genéticas e de manejo e com a introdução da criação de novilhos precoces, a atividade passou a ser financiada, desde que incorporasse essa modernização tecnológica. Assim, já em 1991 o desembolso para o setor teve aumento de quase 70%.

Na metade da década, com a crise de solvência de toda uma geração de frigoríficos, surgiram novos participantes no mercado, em substituição aos antigos. A perspectiva de exportação de carne bovina, principalmente para o mercado europeu, somada à reestruturação empresarial levou o segmento de frigoríficos a uma transformação que incluiu o redimensionamento de plantas, maior automatização de linhas de abate e aumento da atividade de desossa, assim como criação de linhas de embalagem tanto de preparados de carne como de carne resfriada em cortes especiais.

Paralelamente, a maior demanda por animais jovens, com carne padrão exportação, também produziu uma mudança no paradigma tecnológico da pecuária bovina. Cresceu a utilização de técnicas de inseminação artificial e transferência de embriões - para melhoria genética do rebanho e diminuição do tempo de cria e recria dos animais; utilização de cercas elétricas e pastos cultivados - intensificação do uso da terra; e aumento do confinamento de animais.

Coincidentemente o patamar dos desembolsos para o setor passou a ser oito vezes maior do que o verificado no início da década.

Frango
O significativo aumento do consumo de carne de frango ocorrido após o Plano Real, assim como as perspectivas abertas pela crescente exportação do setor avícola, induziram as empresas do setor a fazer investimentos em suas plantas industriais não só de aumento de capacidade como também de diversificação.

Assim, as plantas básicas da primeira metade da década tinham metade da capacidade de abate das atuais. A oferta de tecnologia adequada permitiu a evisceração das aves de forma automática, aumentando a velocidade de processamento. O aumento da oferta de carne também obrigou as empresas a desenvolverem tecnologias que permitissem a oferta de produtos diferenciados a partir da carne de frango, surgindo, então, toda a linha de processados.

Na produção primária, equipamentos de climatização das granjas foram desenvolvidos, aumentou o uso de equipamentos para fornecimento automático de ração e a indústria desenvolveu fórmulas adequadas de balanceamento das rações, adequando-as às fases de crescimento das aves. Este conjunto de tecnologias teve por conseqüência a diminuição da mortalidade dos animais e o aumento da conversão de alimentos em carne, resultando, por fim, num significativo aumento da produtividade do setor.

Boa parte das indústrias implantou granjas especializadas em animais reprodutores, aumentando os investimentos em melhoria genética.

O período de 1996 a 1999 foi o de maior difusão desses processos no setor e o acesso aos recursos do BNDES também foi maior nesse período.

Carcinicultura
Após longo período de erros e acertos, principalmente na década de 70 e 80, o segmento de criação de camarões conseguiu adaptar a tecnologia de criação da espécie P. Vannamei às condições do nordeste brasileiro e introduzir técnicas de manejo inovadoras no setor que levaram a carcinicultura brasileira a galgar patamares cada vez maiores de produtividade, a ponto de liderar a produtividade mundial no ano de 2002.

Outro gargalo do setor foi a insuficiência de laboratórios para produção de pós-larvas e camarões juvenis, problema resolvido com implantação de laboratório em grandes projetos e o aparecimento de novos laboratórios na região Nordeste, todos eles financiados pelo BNDES.

II) Café

Durante a década de 90 a cultura do café passou por três importantes eventos de mudança dos paradigmas tecnológicos:
- no início da década, a descoberta das boas condições de plantio no cerrado mineiro, adaptando a cultura à colheita mecanizada e à irrigação por pivot central. Adicionalmente, as condições climáticas do cerrado produziram melhores condições de aproveitamento do café tipo especial;
- após a geada de 1994 muitos cafezais sofreram severos danos e na sua recuperação foram usadas técnicas de recepa (poda radical) e de plantio de novas mudas nos espaços entre plantas, difundindo a técnica de adensamento dos cafezais que já vinha sendo experimentada nos novos cafezais do cerrado;
- o chamado café especial diferencia-se do café comum basicamente pelos tratos dados ao grão após a colheita. O aumento desse mercado gerou investimentos na produção que se traduziu em melhorias dos terreiros de secagem, equipamentos de despolpamento e máquinas de beneficiamento.

Na tabela 1 pode-se observar que os financiamentos do BNDES à cadeia do café tiveram significativos aumentos a partir de 1995, coincidindo com a época em que as novas técnicas de plantio e pós-colheita tiveram sua difusão acelerada. Em 2002 as máquinas de beneficiamento de café passaram a ser financiadas através do Programa de Modernização da Frota Agrícola - Moderfrota, operado pelo BNDES.

III) Leite

A abertura comercial realizada a partir de 1990 e a retirada do tabelamento de preços do leite provocaram uma crise profunda no setor de laticínios e na produção leiteira brasileira.
Além disso, a disseminação da embalagem longa vida, com validade próxima a seis meses, atenuou a crise de abastecimento da entressafra e minimizou problemas de estocagem da abundância de produção na safra.

A indústria de laticínios foi obrigada a reformular suas linhas de produção, construir novas unidades, principalmente para produção de leite em pó e derivados lácteos, ampliou o mix de produtos e investiu, também, em processos logísticos de captação do leite, aumentando a coleta a granel.

Na produção houve melhorias genéticas, com aumento dos procedimentos de inseminação artificial, seleção de matrizes, melhorias de tecnologias de manejo, alimentação, disseminação de cercas elétricas, ordenha mecanizada e, o último movimento, aquisição de tanques de resfriamento.

O BNDES participou de todos esses processos tanto da modernização da indústria de laticínios como da produção leiteira, estes através do Propasto - que financia as melhorias de condições de manejo - e do Proleite - que financia tanques de resfriamento.

IV) Outras cadeias

O aumento da produção de frutas nos pólos de fruticultura de Janaúba-MG, Petrolina-Juazeiro-PE/BA, Vale do Açu-CE, Neópolis-SE, além da produção de maçã em Santa Catarina, uva na serra gaúcha e mamão no Espírito Santo, utilizam modernas tecnologias de irrigação, com equipamentos financiados pelo BNDES.

A disseminação do plantio direto de grãos foi acelerada a partir do momento em que a indústria de implementos agrícolas lançou no mercado máquinas apropriadas, com financiamento através da linha do Finame Agrícola.

A quantidade de tecnologia embarcada em tratores e colheitadeiras de fabricação nacional aumenta na proporção da disponibilidade de financiamento e o salto é visível nos três últimos anos, em virtude do aumento do desembolso do BNDES através do Moderfrota.

A modernização das usinas de açúcar e das plantações de cana utilizou recursos do BNDES. Até a mudança do padrão tecnológico das padarias, do tradicional forno a lenha para os fornos elétricos e a gás, pôde ser percebida através dos desembolsos do BNDES (ver BNDES 50 anos).

Conclusão
Os casos descritos tratam de várias formas e propósitos no desenvolvimento e incorporação de novas tecnologias. Tecnologias de processo foram adotadas para promover saltos de qualidade e produtividade em determinados setores, enquanto produtos foram desenvolvidos a partir da incorporação de novas tecnologias.

Embora as empresas agroindustriais, em sua maior parte, tenham realizado uma modernização defensiva (para manter a competitividade), incorporando em suas linhas de produção máquinas e equipamentos mais eficazes, a demanda por maior eficiência, exercida sobre os outros elos da cadeia, gerou, nestes, inovações tecnológicas nos processos, máquinas, equipamentos, produtos e insumos.

Inovações que, a princípio, chegariam ao mercado com altos preços, posto que carregam os custos de pesquisa e desenvolvimento, mas que, pela sua difusão, puderam ser produzidas ou aplicadas em escala, diminuindo os preços e tornando-as acessíveis a um maior número de empresas.

Escala de produção é o fator que permite afirmar que existe uma estreita ligação entre a disponibilidade de crédito de longo prazo e o desenvolvimento tecnológico. A incorporação de novas tecnologias é facilitada pela existência de recursos que possibilitem às empresas incorporá-las com menor sacrifício.

Se por um lado a escala permite diluir os custos de P&D, por parte do produtor das inovações, por outro o pagamento a longo prazo do financiamento induz o comprador à incorporação em seu processo produtivo de equipamentos com maior tecnologia embarcada, a fim de maximizar o resultado de sua modernização, construindo um novo círculo virtuoso.

O crédito de longo prazo é, portanto, fator fundamental para a difusão de novas tecnologias e importante indutor da pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos. Muito embora seja pequena a atuação do BNDES no financiamento direto à pesquisa tecnológica básica ou aplicada, os exemplos dados neste artigo nos permitem afirmar que o banco é dos mais importantes indutores do desenvolvimento tecnológico brasileiro.

Paulo Faveret Filho e Sergio de Paula são pesquisadores do BNDES

 
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Atualizado em 10/10/2003
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