Reportagens






 
Efeitos da biotecnologia nas economias agrícolas dos países menos desenvolvidos

María S. Tabieres,
Ricardo C. Andreu
e María V. Lima
Tradução: Sabine Righetti

É uma realidade que as novas tecnologias estão substituindo o velho paradigma industrialista e que na ciência econômica ainda não se tem conseguido dar uma explicação de conjunto ao fenômeno do salto que provoca a biotecnologia por meio da indústria de base inteligente. São tantas as incógnitas que os novos produtos desenvolvidos pela indústria genética formula, que acordamos com J. Rifkin1 que "as grandes viradas econômicas da história acontecem quando confluem uma série de forças tecnológicas e sociais e cria-se uma nova matriz operativa... Com os elementos que formam a matriz operativa do século da biotecnologia, cria-se a estrutura de uma era econômica nova".

Mais ainda, se observarmos essa matriz desde o fenômeno da biotecnologia, compreenderemos que a relação entre o velho paradigma e o novo, acentua-se na sua relação assimétrica, sem poder contar com dados determinantes que permitam medir a magnitude da mesma.

O ponto de partida do fenômeno que descrevemos tem um caminho já delimitado em trabalhos anteriores2 . Tentaremos resgatar esse caminho no presente. Deste modo, analisando especificamente as tecnologias aplicadas à agroindústria, conclui-se que a biotecnologia aplicada à agricultura poderia mudar essencialmente a produção agrícola no mundo.

Isso é assim porque nestes primeiros anos do século XXI, tem se produzido avanços impensáveis em matéria de inovação biotecnológica, observando como as empresas de bioengenharia marcam as pautas da segunda grande revolução tecnológica da história.

Nesta etapa de formação e organização das pioneiras em bioengenharia, empresas multinacionais como Novartis, Upjohn, Monsanto, Eli Lilly e Dow Química estão na frente em investimento e inovação em nível global. Junto a esses conglomerados florescem no ritmo do crescimento do investimento, novas empresas biotecnológicas que aceleram seu ingresso ao novo mercado dos produtos gênicos aplicáveis na agricultura, medicina e a todos os produtos originados de matéria orgânica.

Neste ponto, devemos insistir mais uma vez na problemática da transferência, no nível global, da tecnologia. Neste caso, da biotecnologia, já que em virtude dos novos métodos empregados em biologia molecular, hoje já podem ser combinados materiais genéticos das espécies vivas mudando o conceito de natureza assim como a relação entre a natureza e o homem.

Definitivamente, através da ciência biológica, tem se conseguido superar as restrições à produção agrícola que impõe a natureza.

Assim, através dos métodos biotecnológicos, conseguiu-se alterar o ciclo natural do crescimento das plantas, conseguiu-se que uma espécie de cultivo gere seus frutos várias vezes durante o período natural da planta, além de converter uma espécie arbórea resistente a determinadas pragas ou alterações climáticas. Também se pode conseguir que as árvores produzam mais celulose em menos tempo e pode-se acrescentar o rendimento e resistência a pragas das espécies vegetais, entre outras infinitas possibilidades de alterações genéticas. Ou seja, tem se desenvolvido uma indústria de base genética capaz de prover insumos à produção agrícola, totalmente revolucionária pelos efeitos que provoca e provocará na economia mundial.

Em síntese, podemos analisar o fenômeno da chamada revolução verde como o faz Norman Borlaug3, que afirma que nos encontramos nos umbrais de uma nova revolução agrícola capaz de solucionar o problema alimentar do planeta. Ou como o fazem aqueles que são contra essas formas de produção, tal é o caso do Greenpeace e outras ONGs que, em defesa do meio ambiente se opõem ao avanço desordenado das técnicas e indústrias biológicas, as que, aplicadas à produção agrícola entre outras, são consideradas agressivas à saúde humana e ao meio ambiente.

Mas a questão de maior controvérsia não é a discussão centrada na análise das vantagens e dúvidas que oferece a produção de alimentos à base de organismos geneticamente modificados (OGMs) mas sim a tendência à concentração e comercialização de capitais e tecnologias em mãos de empresas transnacionais que, carentes de todo limite, registram contra as fontes mais genuínas da distribuição de alimentos no nosso planeta, especialmente nos países de menor desenvolvimento de estruturas de produção agrícola.

A concentração genética se detecta a partir de que os produtores de sementes e suas empresas são quem conhecem as linhas parentais, origem das sementes híbridas. Estas, em sua primeira geração, têm maior rendimento, mas as gerações sucessivas produzem plantas de rendimentos desuniformes, razão pela qual os produtores se vêem obrigados a comprar sementes a cada ciclo de produção transportando uma maior porcentagem da renda aos produtores ou proprietários das patentes que permitem o manejo do material genético e seus cruzamentos.

Definitivamente, a propriedade do produto do conhecimento tem permitido que as grandes empresas, que são as portadoras do direito patentário, concentrem um enorme poder econômico, resultando que seja o nosso país, por suas características geográficas, um dos nichos mundiais de onde as grandes redes transnacionais têm conseguido benefícios sem gerar maiores investimentos.

A nível mundial, o êxito da hibridização comercial se deu em cultivos como o milho, o girassol e o sorgo, não tendo sido permitido ampliar para o arroz, o trigo e a soja, espécies que são a base alimentar de uma grande parcela da população mundial. Nestas variedades, os produtores pretendem continuar guardando as sementes, prática denunciada pelas grandes redes como violadora de seus direitos e causadora de atraso e risco de fornecimento de alimentos a vastas regiões do mundo, em especial aquelas de menor desenvolvimento.

W.A.Pengue4, afirma que "a segurança alimentar mundial, ou pelo menos das regiões de maior pobreza no mundo, não podem ser deixadas ao livre arbítrio e juízo do interesse privado". Em sua opinião, diferente é a situação nos países desenvolvidos onde o sistema de proteção por patentes funciona equilibradamente pelo fluxo da renda entre todos os autores da criação, a produção e a distribuição dos produtos genéticos. Enquanto a situação é diferente nos países de menor desenvolvimento, onde os detentores dos direitos de patentes dominam o processo de produção e de distribuição de sementes, assegurando a quem o detecta 32% da produção alimentar do mundo e 85% do mercado global da indústria dos agroquímicos.

Deste modo, se asseguram benefícios extraordinários como resultante dos sistemas de regalias estendidas ou a deficiente estrutura de controle jurídico sobre a titularidade da criação e manejo da tecnologia genética. Neste marco referencial comum à maioria dos países de menor desenvolvimento, as titulares das patentes têm conseguido criar um sistema de controle da produção e garantir o abastecimento. Como a tecnologia Terminator, por exemplo. Esta não tem sido observada como uma questão fundamental. No entanto, o objetivo perseguido, ou seja o controle final dos genes e a inviabilidade das sementes, segue em pleno desenvolvimento nos laboratórios das empresas biotecnológicas, que já patentearam os produtos obtidos com esse fim dos Estados Unidos (dados obtidos em l999).

Da conscientização do problema do controle genético das plantações com a tecnologia Terminator ou similares, por parte dos governos dos países de menor desenvolvimento, dependerá em grande medida a possibilidade de controlar a dependência alimentar dos grandes grupos transnacionais de produção de tecnologia agrotransgênica.

O caso da Argentina
A Argentina, como produtora de commodities alimentares, tem sido o primeiro país da América Latina a adotar insumos biotecnológicos para sua produção de cereais e pastagens. Assim, contamos aproximadamente com 10 milhões de hectares cultivadas de cereais com tecnologia transgênica. Do total da produção de cereais, 40% correspondem à soja e o setor está em expansão. Na produção de outros cereais como o milho, estima-se que para 2005, 50% da produção seja de origem transgênica.

Entre as vantagens que os produtores tiveram para se voltar à produção de cereais geneticamente modificados, devem se contar: o maior rendimento por hectare semeado (25% mais rendimento por hectare no caso da soja), a maior resistência a pragas e fatores climáticos, a adaptação de certos tipos de plantas de maior rendimento ao tipo de solo, maiores benefícios nos saldos exportáveis e menor inversão em insumos agroquímicos para erradicar pragas e outros fatores de depredação da área cultivada.

No entanto, no nosso país tem se detectado efetivas deficiências no controle efetivo do circuito comercial das sementes, além de uma oferta a preços de dumping no pacote tecnológico dos produtos destinados à semeação direta.

Não obstante, a diferença de preços em favor do produtor argentino em relação aos países de origem (EUA), as políticas fiscais e impositivas quase confiscatórias, a queda dos preços das commodities no mercado internacional e a desvalorização do peso argentino induzem os produtores agrícolas a guardar sementes para as campanhas seguintes, favorecendo assim o mercado de sementes não fiscalizadas e, com ele, o de um só tipo de produto, condicionando mais o país como monoprodutor de cereais geneticamente modificados.

Diante dessas condições adversas do mercado interno e externo e da impossibilidade de aceitar novas tecnologias de transferência, controle e expressão de genes, é muito provável que a produção argentina de cereais resulte em uma dependência do monopólio de sementes transgênicas que impeçam, através do domínio das patentes, qualquer forma de geração de produção local de OMGs.

Não obstante, convém destacar ainda que nosso país mantém certas características favoráveis no setor agrícola de base biotecnológica, que o destaca dos demais países da região. Em uma síntese forçada poderíamos dizer que:

Conta-se com recursos humanos qualificados para o manejo de biotecnologia, existem canais de transferência tecnológica desenvolvidos, além de reservas apreciáveis de biodiversidade biológica e experiência em desenvolvimentos integrados que devem se aprofundar. Além disso, deve-se destacar a transferência de patentes nacionais ao mercado internacional.

Convém também assinalar as condições desfavoráveis do mercado doméstico, que terão que ser levadas em conta, a tempo de planejar políticas para o setor. Algumas delas são:
Carência de políticas estratégicas de pesquisa básica, inexistência de uma concepção acertada sobre a questão biotecnológica aplicada aos alimentos na população e uma indústria de insumos biotecnológicos que se caracteriza por sua grande concentração e por ser de origem transnacional.

As condições desfavoráveis que se assinalam precedentemente são o resultado da falta de legislação e políticas econômicas adequadas à realidade dos mercados de cereais domésticos, e internacionais, como também a pressão exercida sobre os segmentos destes mercados pelas grandes redes de sementes OGMs, geradoras de conhecimentos da revolução verde.

Agrobiotecnologia no Mercosul
O Brasil e a Argentina têm transitado por caminhos opostos em matéria de regulamentação da produção agrícola e adoção dos OGMs aplicados às mesmas. O Brasil não havia liberado até o mês passado, a nível nacional, a soja transgênica. Em razão disto, os produtos agrícolas de ambos países no mercado internacional (não obstante as diferenças climáticas, quantificáveis e de tipos de produção) deveriam cotizar a preços diferenciados por ser o Brasil considerado país livre de OGM.

No Uruguai, o governo mantém uma política ambígua autorizando somente plantações experimentais de OGMs, não sendo liberado o cultivo de transgênicos a nível nacional. No Paraguai, as autorizações solicitadas por empresas da Argentina e dos EUA para introduzir sementes transgênicas não se resolveram porque, de acordo com os informes oficiais, "existem muitas dúvidas sobre os riscos ambientais e sociais desses cultivos."

Partindo dessas diferenças nas políticas centrais em matéria de produção agrícola, a posição dos grandes sócios do Mercosul se difere nas posições nos mercados internacionais relativas ao preço e qualidade de produtos.

No caso da soja por exemplo, se o Brasil mantiver sua condição de país OGM free, poderia cobrar um bônus no preço desse cereal, por sua condição de livre de modificações genéticas. Esta questão ainda não está resolvida devido à falta de acordos internacionais nessa matéria e a diferença de critérios entre os mercados da UE e os EUA em relação aos alimentos transgênicos.

Ante o quadro de situação descrito, permitam-nos aos autores concluir com uma reflexão abrangente do fenômeno de transformação que desde o econômico, o ético e o jurídico, traça a dificuldade dos cultivos transgênicos a níveis planetários e mais especificamente na região dos países do Mercosul.

Neste sentido, concordamos com Mansfield5 que este é um fenômeno comprovável, que nas economias dos países desenvolvidos, a introdução de tecnologia em todos os campos da produção gera uma elevada taxa de retorno social, que nas economias altamente desenvolvidas se aproxima dos 56%, como no caso dos EUA.

Enquanto isso, nos países de menor desenvolvimento, a questão central ainda não debatida em profundidade é a do retorno social produzido pela aplicação das técnicas biogenéticas como fator determinante da chamada revolução verde.

Sem conseguir porcentagens determinantes como as obtidas por Mansfield, estimamos que a falta de políticas conjuntas e alternativas em matéria de alimentos transgênicos, produza uma taxa social de retorno negativo na Argentina, comprovável através das remissões de royalties e da dependência que os processos de replantio geram na agricultura.

Os países industrializados que mediante a aplicação de transferência de biotecnologia aplicada à agricultura têm conseguido avanços com êxito e crescimento da indústria agroalimentícia, o tem feito através de uma equilibrada relação entre os centros de pesquisa públicos e grupos de empresas que têm investido em P&D, atendendo fundamentalmente a reservar seus direitos de patentes como elemento fundamental na hora de ganhar mercados e determinar preços.

Nos países do Mercosul, produtores extensivos de alimentos, deveriam determinar como prioridade de suas políticas conjuntas, uma definição em matéria de produção de alimentos transgênicos e uma política coordenada em matéria de patentes biotecnológicas adequada às necessidades de seus mercados regionais.

A realidade dos países de menor desenvolvimento, de economias de base agrícola, requer que o paradigma da indústria biotecnológica contemple objetivos de base ética, que permitam obter reservas alimentícias ao alcance dos países com altos índices de déficit alimentar. Por não ser assim, as predições malthusianas manterão sua vigência.

·(O presente trabalho, é parte do projeto de pesquisa: A transferência em biotecnologia, efeitos jurídicos e econômicos - Código J049- UNLP)

María Susana Tabieres é doutora em Ciências Jurídicas e Sociais e professora de Economia Política; Ricardo César Andreu é professor e pesquisador de Economia Política e María Victoria Lima é pesquisadora assistente do projeto A transferência em biotecnologia, aspectos econômicos e jurídicos. Ambos atuam na Universidade Nacional da Prata, na Argentina.

Referências bibliográficas:
1. Jeremy Rifkin, El século de la biotecnologia, Ed. Critica, 1999, pág. 25 y sgts.
2. Transferência de tecnologia nos emprendimentos inteligentes. Tabieres M. S., Andreu R.C. , di Crocce R. e outros. Fac. de Cs. Jurídicas e Sociais UNLP, 2OOO.
3. Borlaug, Norman ; Premio Nobel de la paz 1970 .
4. W.A.Pengue , Cultivos transgénicos en la Argentina,tendencias del mercado, medioambiente agricola e implicaciones para el futuro, Mar del Plata, Ibidem, 8-2000.
5. Mansfield E. Intellectual property rights and capital formation in the next decade.Ed by United Nations, 1990

 
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Atualizado em 10/10/2003
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