Energia e Desenvolvimento da Amazônia
   
 
Poema

Da pangéia à biologia molecular
Adalberto Luís Val

A biodiversidade e o novo milênio
Vera de Almeida e Val
Contrastes e confrontos
Ulisses Capozoli
As línguas indígenas na Amazônia
Panorama das línguas indígenas
Ayron Rodrigues
Lucy Seki e o indigenismo
As várias faces da Amazônia
Louis Forline
Euclides da Cunha
Isabel Guillen
Yanomami
Saúde dos Índios
Amazônia e o clima mundial
Manejo florestal
Niro Higuchi
Impactos ambientais
Cooperação internacional
Energia e desenvolvimento
Ozorio Fonseca
Interesse internacional
Programas científicos e sociais
Internacionalização à vista?
Indústria de off shore na selva
Marilene Corrêa da Silva
Peixes ornamentais

Produtos da Biodiversidade
Lauro Barata
Missão de pesquisas folclóricas

Radiodifusão para indígenas
Mamirauá
Vídeo nas aldeias
A música dos Urubu-Kaapor
 

Nos anos 60-70 o Brasil definiu seu modelo para geração de energia e a priorização da hidroeletricidade como principal fonte geradora, desencadeou a construção de várias barragens que deram ao país uma matriz com cerca de 91% de energia hidráulica.

Para a Amazônia, em razão do grande potencial representado pela maior rede hidrográfica do Planeta, foram projetados inúmeros reservatórios mas apenas cinco estão em operação, sendo um de grande porte (Tucuruí) e os demais de média e pequena capacidade geradora (Curuá-Una, Coaraci Nunes, Samuel e Balbina).

A geração centralizada de grandes blocos de energia aumentou as desigualdades sociais e econômicas na região pois a oferta seguiu o mesmo modelo da distribuição da renda isto é, foi direcionada apenas para uma parte da sociedade. Essa opção beneficiou o denominado "mercado capital", que inclui as mais importantes cidades amazônicas, e os projetos eletrointensivos localizados no interior mas com grande investimento de recursos. Esse conjunto composto pelos grandes consumidores têm hoje a questão energética resolvida ou pelo menos encaminhada no Plano Decenal 2000-2009 da Eletrobrás.

Para o "mercado concentrado" que inclui as sedes municipais e vilarejos de maior porte, a solução ficou por conta dos Estados que, por falta de um Plano melhor elaborado, optaram pelo uso de geradores movidos a derivados de petróleo. Para o "mercado disperso" onde viviam na época, cerca de 50% de amazônidas morando em comunidades isoladas, o modelo não tinha e continua hoje sem ter qualquer projeto ou solução.

Parte do "mercado concentrado" vai continuar com problemas muito graves pois a deficiência tem causas estruturais que não estão sendo totalmente solucionadas. No interior do Estado do Amazonas por exemplo, o sistema isolado de geração depende de unidades térmicas movidas a diesel ou óleo combustível cujo custo de aquisição é subsidiado em cerca de 60% pela Conta de Consumo de Combustível (CCC). Por causa das distâncias que podem significar o gasto de até 2 litros de combustível para cada litro transportado, a produção de energia nas 80 principais localidades do interior amazonense, têm um custo médio de R$230,00/MW, muito acima do poder aquisitivo dos consumidores da região. Esse valor médio contudo não reflete a realidade estadual pois ele esconde os números extremos que vão de R$40,00/MWh em Manaus, à R$827,61/MWh em Campinas, uma pequena cidade do interior do Estado.

Esses dados estão disponíveis em um trabalho feito pela Universidade do Amazonas, INPA e EMBRAPA que foi entregue à Câmara Setorial da Agroindústria da Superintendência da Zona Franca de Manaus. Esse documento traz um esboço de Proposta de um Programa para Reestruturação e Desenvolvimento do Setor Elétrico do Estado do Amazonas, e nele é possível destacar ainda o alerta para o acréscimo significativo desses custos quando terminar, em 2013, o subsídio da CCC.

O governo estadual tem sinalizado como solução para o "mercado concentrado", a substituição dos derivados de petróleo pelo gás natural que, mesmo sendo o menos poluente dos combustíveis fósseis, vai promover a emissão de grandes quantidades de gases do efeito estufa, especialmente de CO2. Essa solução, embora tenha aspectos favoráveis do ponto de vista político e econômico, não é a mais inteligente e criativa do ponto de vista ambiental tendo em vista as possibilidades reais do uso de Pequenas Centrais Hidrelétricas e da utilização, em grande escala, dos óleos vegetais.

O "mercado disperso" lamentavelmente, continua como um grande e difícil problema. As estimativas brasileiras atuais apontam a existência de 20 a 25 milhões de pessoas sem oferta de energia com 20% delas vivendo na Região Norte (que é diferente da Amazônia Legal) em cerca de 40.000 comunidades, das quais 7.500 no Estado do Amazonas. O Censo Agropecuário de 1995-1996 mostrou que apenas 39% dos estabelecimentos rurais do país, na época, tinham luz elétrica, mas essa média não era representativa, pois resultava de uma série de números de grande amplitude que iam dos 6% no Estado do Amazonas aos 93% do Distrito Federal ou aos 84% de Santa Catarina.

Uma questão importante ligada ao "mercado disperso" é o fato de as comunidades isoladas amazônicas praticarem uma economia significativamente baseada na troca de produtos da floresta por produtos industrializados. Sem economia monetarizada, não há como remunerar o fornecimento de bens e serviços, razão pela qual a energia nesses locais não pode ser entendida como insumo econômico mas como insumo social e portanto dever do Estado. Para equacionar esse problema o governo Federal deveria ter também um Plano objetivando a distribuição eqüitativa de energia como fundamento de justiça social. Pelas características dos locais a serem atendidos, esse Plano não pode se afastar do uso das fontes renováveis que, além de resolver de forma satisfatória a questão localizada, ainda tem a grande vantagem de utilizar os recursos naturais para melhorar a qualidade de vida das populações interioranas.

A região amazônica é rica em fontes naturais de energéticos tanto físicos como biológicos que podem atender tanto o "mercado concentrado" como o "mercado disperso". A energia solar é abundante durante todo o ano atingindo a média de 493 calorias/cm²/dia; há importantes jazidas de ventos na região litorânea do Amapá, Pará, Maranhão e provavelmente nas áreas montanhosas; muitos rios e igarapés da bacia de drenagem podem ser aproveitados em Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs); e todos os milhares de cursos de água possuem correnteza ou corredeiras que podem ser aproveitadas para geração de pequenas, mas suficientes, quantidades de energia, utilizando as denominadas rodas d'água.

O uso da biomassa no entanto é a solução de maior vigor. Essa alternativa inclui grande variedade de espécies vegetais que tanto podem ser usadas para geração de calor, como para produção de óleos a serem utilizados como combustível em motores fixos e móveis. Alguns levantamentos botânicos de campo e experimentos em escala de produção mostram que os óleos vegetais são abundantes e estão disponíveis, podendo ser extraídos até mesmo através de tecnologias simples. Além da incidência natural condensada de algumas oleaginosas nativas como o buriti (Mauritia fleuxosa), há ainda a possibilidade de recuperar áreas degradadas com cultivo do dendê (Elaesis guineensis) como atestam as experiências da EMBRAPA (Amazonas) e do Projeto Vila Boa Esperança (Pará).

O cultivo dessa palma africana tem elevado grau de eficiência e rentabilidade pois sua produção começa três anos após o plantio atingindo 5 toneladas de óleo por hectare. Além disso essa espécie produz 880 quilos de óleo para 120 quilos de farelo a um custo de US$250/ton, uma relação óleo:farelo muito melhor que a soja, a canola ou o girassol.

O aproveitamento de fontes alternativas de energia na Amazônia é um imperativo da racionalidade. Além de corrigir ou pelo menos melhorar a distorção inaceitável associada à distribuição de bens e serviços na região, essa iniciativa ainda poderia levar à essas comunidades interioranas, alguns direitos e benefícios básicos como água potável, conservação de alimentos vacinas e medicamentos, melhoria do nível de saúde, possibilidade de comunicação e principalmente, cidadania. Essa elevação do nível de vida decorrente da oferta de energia ainda pode gerar emprego, renda e disponibilizar para pessoas tão isoladas, os programas de educação à distância que são produzidos no Brasil pelo governo e pela iniciativa privada. E se esses direitos e benefícios ao "Homo sapiens amazonicus " não forem capazes de sensibilizar o "Homo economicus brasiliensis", resta ainda o argumento de que usar fontes renováveis diminui os gastos do país com a compra de petróleo no exterior.

É claro que o problema tem muitas variáveis e sua complexidade não pode ser inteiramente retratada e resolvida em um artigo de divulgação com este. A questão energética na Amazônia reforça a afirmativa de que todo grande problema tem sempre uma solução simples que não serve para absolutamente nada. Não quero, portanto, ser simplista ao sinalizar um caminho para um problema de tal magnitude mas penso que a privatização da telefonia balizou um encaminhamento a ser considerado. A obrigatoriedade das concessionárias de instalar telefones em pequenas comunidades deveria ser estendida às concessionárias de energia, proporcionando uma mistura de obrigações para beneficiar as pequenas comunidades usando fontes alternativas.

Além de gerar energia limpa, um programa voltado para as renováveis permitiria a agregação de valor aos produtos próximo aos sítios de coleta, a criação de empregos, a melhoria de renda, de qualidade de vida e ainda levaria educação à esses distantes e esquecidos brasileiros. E para aqueles que insistem em dizer que energia alternativa é cara, é bom lembrar que muito mais caro é investir na ignorância.

Ozorio Fonseca - Doutor em Ciências, Membro da Ordem Nacional do Mérito Científico, Ex-Diretor.

   
           
     

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Atualizado em 10/11/2000

   
     

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