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Carlos Vogt

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Modelos desvendam crise da pesca no litoral sul de São Paulo

A pesca é uma atividade econômica importante para as cidades localizadas no estuário do litoral sul do estado de São Paulo. Em Iguape, Cananéia e Ilha Comprida, pelo menos 2.500 pessoas sobrevivem da pesca artesanal ou industrial. Entretanto, a falta de incentivos financeiros, de fiscalização, a pesca predatória e a degradação ambiental estão ameaçando o "ganha-pão" dos pescadores, principalmente dos artesanais. Diversas espécies de peixes, crustáceos e moluscos correm o risco de desaparecer das águas estuarinas, consideradas pela International Union for the Nature Conservation (IUCN) como um dos mais importantes e produtivos berçários da vida marinha do mundo.

Modelagem matemática estabelece a captura máxima sustentável para espécies do litoral sul, como o camarão-sete-barbas

Desde 1976, e há seis anos de forma sistemática, o Núcleo de Pesquisa de Cananéia, do Instituto de Pesca (IP), coleta dados da produção pesqueira do estuário. Através de modelos matemáticos, esses dados podem estimar, por exemplo, a captura máxima sustentável para cada espécie, possibilitando o seu manejo e a sua conseqüente conservação. Assim, são avaliados e comparados a dinâmica populacional de algumas espécies marinhas, a biomassa (quantidade de animais de uma espécie em uma determinada área) e o rendimento da pesca (a quantidade de animais pescados). Os resultados obtidos são, ainda, contrastados com a Captura por Unidade de Esforço (CPUE), que os cientistas definem como o esforço da atividade pesqueira sobre determinado recurso, calculada através da quantidade de pescado (em quilogramas) que cada pescador adquire por dia de trabalho.

Dentre as espécies ameaçadas estão aquelas que, em décadas anteriores, eram abundantes nas redes dos pescadores e, ainda hoje, figuram como os principais alvos da pesca. Em Cananéia, o camarão-sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri) e, em Iguape, a manjuba (Anchoviella lepidentostole) são as espécies mais comuns desembarcadas nos portos da região. O tempo de coleta sistemática de dados ainda é bastante curto para concluir com precisão o que ocorre com a vida no estuário. "Para inferir resultados precisos através da modelagem matemática é preciso levar em conta uma escala de tempo de, no mínimo, dez anos", explica o oceanógrafo Edison Barbieri. Apesar disso, já é possível verificar situações que são sinais de alerta da natureza.

A legislação do defeso para o camarão precisa ser reavaliada. Defeso atual sugere preocupação comercial e não ambiental

Tanto o camarão-sete-barbas quanto a manjuba apresentaram, nos últimos anos, declínios em suas populações e diminuição da biomassa. No ano passado, a tradição da captura do camarão-sete-barbas, em Cananéia, chegou a ser superada pela da corvina, espécie de peixe encontrada em todo o litoral do estado.

O pesquisador do IP, Jocemar Tomasino Mendonça, avisa que a legislação que determina o período de defeso (quando a pesca é proibida, na época da desova e quando indivíduos jovens estão na fase de crescimento) precisa ser revisado e reformulado no caso do camarão. Para ele, o que existe hoje é, na verdade, um "balaio do defeso", no qual estão incluídas diversas espécies de camarão, como o rosa, o ferrinho, o branco, o vermelho e o sete-barbas. O mesmo período de defeso é determinado para espécies que têm, por exemplo, épocas diferentes de reprodução. Além disso, esse defeso visa essencialmente à proteção do camarão-rosa (Farfatepenaeus brasiliensis e F. paulensis), de fevereiro a maio, época em que há o recrutamento (quando os camarões jovens começam a se juntar com os adultos). O defeso deveria ocorrer de outubro a dezembro, durante o período reprodutivo. Porém, isso não é feito porque justamente nesses meses há grande fluxo turístico no município. Diminuir a oferta de camarão no mercado prejudica a economia local. O defeso também poderia abranger os meses de recrutamento da espécie, quando há maior número de juvenis, o que acontece no primeiro trimestre do ano, em plena temporada de verão. "Se nada for feito para proteger o camarão-sete-barbas, a sua pesca será economicamente inviável. A legislação do defeso está baseada em dados comerciais e não técnicos", enfatiza Mendonça.

Manjuba

A pesca com a arte corrico contribui para diminuir a população de manjuba no rio Ribeira de Iguape

Em Iguape, o cálculo da biomassa e rendimento da pesca da manjuba através dos modelos matemáticos de Jones e de Thompson & Bell, entre os anos de 1997 e 2001, não traz resultados mais animadores. A biomassa sofreu redução acima de 15% e o rendimento, na safra 98/99, chegou a cair 39%. Segundo Mendonça, "a produtividade dessa espécie apenas aumentará caso haja uma redução de 70% no esforço de pesca". E isso não passa de sonho.

Esses valores apenas reforçam a idéia de que há exploração excessiva do recurso. Um fator que contribui para aumentar a sobrepesca é o emprego da arte de pesca denominada "corrico". Ela pode ser utilizada individualmente, ao contrário do que ocorre com a manjubeira, que precisa ser manejada por quatro pescadores. E muitas pessoas, mesmo com pouca habilidade, adquirem o corrico e recorrem à pesca da manjuba pela necessidade de sobrevivência. Assim, aumenta-se o esforço pesqueiro e compromete-se a espécie.

Os pesquisadores do IP alertam que a aplicação do defeso é uma alternativa que resulta em aumento de biomassa. No entanto, é preciso fazer um trabalho paralelo sobre a comercialização. A maior parte da produção ainda é vendida "in natura", mas agregar valor ao produto é uma saída econômica e ambientalmente eficiente. Na maioria das vezes, para obter lucro, o pescador tem que aumentar a produção e, dessa forma, aumentar o esforço da pesca sobre a manjuba.

Manejo adaptativo

A manjuba é uma espécie de peixe de vida curta, chegando a 3 anos e 4 meses, e com condições de se reproduzir apenas a partir de um ano. Assim, para garantir a sobrevivência da espécie, ela é bastante dependente do estoque de peixes que podem desovar e das condições ambientais. Por exemplo, quando há muita chuva, aumentando a vazão do rio Ribeira de Iguape, a incidência de manjuba aumenta no estuário. Isso por que ela é uma espécie anádroma, isto é, que precisa migrar para áreas de água doce para se reproduzir. Nesse caso, a manjuba migra do Oceano Atlântico para as águas do rio Ribeira.

Levando essas peculiaridades em consideração, o Instituto de Pesca sugere que se faça o manejo adaptativo da manjuba. Isso significa adotar práticas de manejo que considerem a relação entre o estoque em exploração e as variáveis ambientais que incidem sobre ele. O mais importante é que esse manejo considera que o rendimento máximo sustentável adquirido sob condições ambientais favoráveis não pode ser mantido sob condições desfavoráveis. No caso da manjuba, o que deve ser entendido como condição favorável é a alta pluviosidade. A quantidade de chuva condiciona a vazão, que condiciona a entrada da manjuba no rio e a sua reprodução.

Com esses argumentos, pode-se alertar o poder público e a sociedade sobre o desastre ambiental que pode ser provocado pela construção de barragens no rio Ribeira, o único rio de porte médio do estado de São Paulo que ainda não as possui em seu leito. Uma barragem impediria que se completasse o ciclo produtivo da manjuba.

Preservar o homem - Plano algum de conservação pode ser eficaz sem ordenamento e controle rígido do cumprimento de normas ambientais.

O defeso não funciona sem fiscalização. Um exemplo é o que acontece com o camarão-rosa. As estatísticas do IP demonstram que sua população continua diminuindo. Esse fato deve-se ao tamanho da frota pesqueira que captura esse camarão e às falhas na fiscalização.

Também com a manjuba verifica-se o descaso da lei e a falta de manejo da atividade pesqueira. Ao longo das últimas safras tem ocorrido a diminuição dos comprimentos médios da manjuba. Essa é uma conseqüência do atual sistema de pesca, que, provavelmente, recai sobre indivíduos em idade reprodutiva.

E não há fiscalização ou lei que resistam à miséria humana. É certo que a pesca de arrasto é criminosa e, em grande parte, praticada por barcos grandes em toda a costa brasileira, às vistas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Ela é permitida a 1,5 milhas da costa (exceção para o estado do Rio Grande do Sul que limita a 3 milhas), mas em todas as horas do dia ou da noite é possível avistar barcos arrastando a menos de 100 metros da praia. Na pesca de arrasto, os barcos industriais utilizam redes de malha fina capazes de capturar até mesmo tartarugas e golfinhos. As espécies com pouco valor comercial são rejeitadas. Para se ter uma idéia do tamanho desse crime ambiental, muitas vezes 70% do que é capturado é abandonado morto.

Muitos pescadores artesanais são impelidos a pescar de forma predatória, utilizando o arrasto ou exercendo a atividade em época de defeso, para garantir a sua sobrevivência. O oceanógrafo e pesquisador Jocemar Mendonça, que há seis anos estuda e acompanha a pesca no estuário, resume a situação do pescador artesanal. "Deveria haver um seguro para os pescadores durante o defeso do camarão. Ele (o seguro), na verdade, existe, mas é de 180 reais. Ninguém pode viver dignamente com apenas isso. Também deveria haver linhas de crédito para que o pescador artesanal de poucos recursos pudesse adquirir outras artes de pesca para mudar o seu alvo de captura durante o defeso de uma determinada espécie".

(SN)

 

Atualizado em 10/02/2002

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