Ilhas de calor exigem estratégias para o resfriamento dos grandes centros

Imagem: evening_tao/Freepik

Por Eduarda A. Moreira 

Planejamento urbano e arquitetura são peças-chave para a atenuação de altas temperaturas

O aumento nas médias de temperatura é cada vez mais perceptível e, em partes, pode ser explicado como um fenômeno global, consequência das mudanças climáticas. Chama a atenção, no entanto, o fato de que alguns locais são mais quentes do que outros, e que essa variação ocorre até mesmo dentro de uma mesma cidade. Áreas urbanas centrais geralmente apresentam temperaturas muito elevadas quando comparadas a ambientes rurais ou de mata, por exemplo, mesmo que estejam a poucos quilômetros de distância. Essa diferença é o que caracteriza as ilhas de calor, regiões superaquecidas em decorrência de fatores urbanísticos que representam um risco à saúde e à vida, principalmente de pessoas em condição de vulnerabilidade social.

“Este fenômeno é multifatorial e bastante complexo. O conceito geral é de um desequilíbrio energético entre o meio urbano e seu entorno, que geralmente acontece em dias claros, sem nuvens, e calmos, com pouco vento. O calor no período noturno também é uma característica marcante”, explica o pesquisador Robson Canuto, arquiteto e doutorando do Centro de Estudos sobre Urbanização para o Conhecimento e a Inovação (Ceuci) da Unicamp.

A redução da vegetação é apontada como um dos principais fatores para este superaquecimento. “Quando perdemos a vegetação também perdemos a regulação da temperatura. No Rio de Janeiro, por exemplo, a região da Floresta da Tijuca tem uma média de três graus Celsius abaixo das regiões centrais”, aponta Juliana Rodrigues Machado, arquiteta e doutoranda do Ceuci. A geometria das construções é outro ponto decisivo para a formação de ilhas de calor, já que o formato, a altura e a distribuição dos prédios pela cidade interferem no sombreamento e na ventilação. Marcela Noronha, arquiteta e pesquisadora de pós-doutorado associada ao Ceuci, explica que é muito difícil mudar a geometria de uma cidade que já está implantada, mas que quando novas áreas são ocupadas, é essencial pensar nessa geometria para favorecer a passagem de vento e a circulação de ar.

Outro fator que merece atenção são os materiais utilizados nas construções. O asfalto, principal pavimento usado no Brasil, quando exposto ao sol durante todo o dia, absorve grande quantidade de calor e o libera muito lentamente, mantendo a temperatura do ambiente mais alta mesmo após o anoitecer. No geral, materiais densos e de cores escuras apresentam este mesmo comportamento. O calor antropogênico, ou seja, produzido a partir das atividades humanas, também contribui significativamente para o superaquecimento do ambiente urbano. Equipamentos de refrigeração, aquecimento solar, ar-condicionado, além da alta circulação de veículos, estão entre os principais agravantes das ilhas de calor.

Soluções variadas

“Desde que o homem se estabeleceu no espaço em que formou a cidade existe essa diferença de temperatura entre os ambientes urbano e rural. O fenômeno do aquecimento urbano é observado desde o século 19”, pontua Canuto. Ainda assim, existem medidas eficientes de mitigação do calor excessivo dos grandes centros.

A ampliação de áreas verdes, com a criação de parques e praças, deve ser uma iniciativa dos governos, que também podem estimular o cidadão a manter ou aumentar seu jardim com políticas de incentivo, oferecendo desconto em impostos, por exemplo. Outra solução simples, que já vem sendo implementada em cidades como Los Angeles e Paris, é a cobertura de calçadas e pavimentos escuros com tinta cinza ou branca – cores que absorvem menos calor. Nos locais onde for possível, a retirada de pavimentos para exposição do solo permeável também é uma boa escolha pois, além de absorver as águas das chuvas, a grama retém menos calor do que calçamentos impermeáveis.

“Em termos de material, nem toda solução é no sentido de partir para algo super tecnológico. Muitas vezes a questão é voltar um pouco no tempo”, pondera Noronha. A pesquisadora acredita que soluções arquitetônicas inspiradas em materiais e construções do passado podem funcionar muito bem. Mudanças simples, como a utilização de tijolos de cerâmica em vez de blocos de concreto, podem oferecer um conforto térmico maior. O uso de elementos como “quebra-sol”, beirais e cobogós (elementos vazados) de cimento ou cerâmica também pode ser uma solução simples e viável para o aumento de sombreamento. “O principal é projetar para o clima onde estará o edifício, pensando em uma combinação de várias soluções, e não partir do princípio de que importar uma solução europeia, como a fachada de vidro, por exemplo, vai funcionar num país como no Brasil”, explica Noronha.

Para aprimorar a geometria de cidades já estabelecidas e com construções não muito altas, aumentar um pavimento pode ser uma boa opção, visando ao maior sombreamento. “Na Itália foi feita a variação de altura com a inserção de telhados verdes, produzindo o sombreamento de 50% das vias”, exemplifica Juliana. Ainda assim, o ideal, de acordo com Marcela Noronha, é que se faça um planejamento urbano prévio, de forma que as ruas principais e mais largas sejam paralelas à direção do vento, propiciando a circulação do ar e amenizando a temperatura.

“Vários aspectos envolvidos na formação de ilhas de calor podem ser controlados pelo planejamento urbano baseado em evidências científicas”, destaca Robson Canuto. O fato é que não existe uma receita pronta, que funcione para todos os lugares. É necessário buscar um equilíbrio entre estética, funcionalidade e redução de produção e absorção de calor, e, neste sentido, cada local terá um conjunto específico de soluções viáveis.

Eduarda A. Moreira é doutora em ciências (USP) e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp