Luz artificial em excesso afeta o meio ambiente

Por Daniel Rangel e Marco Centurion

A poluição luminosa apaga os céus noturnos, prejudica o meio ambiente e pode contribuir para o aumento dos casos de depressão

O apagamento das luzes naturais das estrelas nas áreas urbanizadas é um dos efeitos da chamada poluição luminosa, fenômeno que impacta não apenas as observações astronômicas, mas também os ciclos biológicos. Uma revisão sistemática de pesquisadores do Departamento de Ciências Biomédicas, Metabólicas e Neurais da Universidade de Módena e Reggio Emília, na Itália, concluiu que “as evidências epidemiológicas produzidas até o momento parecem apoiar uma associação entre a luz artificial noturna e o risco de transtornos depressivos em seres humanos”.

A Associação Internacional dos Céus Escuros (International Dark Sky Association – IDA), criada nos Estados Unidos por médicos e astrônomos, desde 1988 busca chamar a atenção do público geral para os efeitos danosos da poluição luminosa, bem como restaurar o ambiente noturno natural. A IDA classifica a poluição luminosa de diferentes formas, compiladas em um trabalho de duas especialistas. Há casos em que as fontes de iluminação artificial aumentam muito o contraste entre áreas claras e escuras, causando desconforto visual e formando manchas no campo de visão, logo após olhar diretamente para uma lâmpada – é o chamado ofuscamento (glare). Já em casos de clareamento do céu noturno, onde parte da luz utilizada na iluminação urbana escapa para cima e cria uma espécie de névoa espessa que dificulta a observação do céu, denomina-se brilho artificial do céu (skyglow). Este efeito é ainda mais intensificado pela poluição do ar, uma vez que existem partículas suspensas espalhando ainda mais os feixes luminosos em diferentes direções para cima.

Há ainda a luz intrusa, ou seja, luz que incide em áreas que não deveria iluminar, entrando por brechas nas janelas e atrapalhando as noites de sono. Outros aspectos como luz utilizada em propagandas ou promoção de algum evento, como nos canhões do tipo skywalker, recebem classificação à parte, denominada luz esbanjada (light profligacy).

Devido a estes espalhamentos indesejados de luz, observações astronômicas mesmo em posse de equipamentos como binóculos ou telescópios de maior capacidade óptica, tornam-se um desafio. Uma escala que permite a classificação dos céus conforme o nível de poluição luminosa foi desenvolvida por John Bortle, um astrônomo amador estadunidense. A escala é numérica, iniciando no céu de tipo 1, a aquele extremamente escuro, com melhor qualidade de observação, permitindo observar uma imensidão de estrelas, até mesmo as de brilho mais tênue. Já os céus de tipo 9 são aqueles nos grandes centros urbanos, onde até famosas constelações como o Cruzeiro do Sul são dificilmente identificadas.

A construção de observatórios de pesquisa astronômica privilegia, justificadamente, regiões afastadas das grandes cidades e, dessa forma, ampliam a distância entre o público geral dos meios de pesquisa astronômica.

Biodiversidade em risco

Um grupo de pesquisadores publicou um trabalho na revista científica BioScience no qual discutem as principais causas da diminuição de vagalumes no planeta. Os autores consultaram especialistas de todas as regiões do globo e concluíram que, atrás apenas da perda de habitat, a poluição luminosa é um dos principais fatores que podem levar esses insetos brilhantes à extinção. Eles dependem da comunicação através de suas lanternas para encontrar parceiros reprodutivos – e em um ambiente com muita luz artificial essa comunicação é afetada negativamente. “A razão do desaparecimento é simples: o lampejo dos vagalumes é uma forma de atrair o parceiro para o acasalamento, mas a radiação por eles emitida é muito tênue”, explica Alessandro Barghini, autor de um livro sobre o tema e pesquisador da USP em projetos sobre os impactos dos hábitos de vida da sociedade sobre a saúde e o ambiente.

Na Terra, todas as formas de vida estão conectadas de alguma forma, e perturbações em uma espécie reverberam em outras. O pesquisador Franz Hölker estuda os impactos das luzes artificiais em sistemas biológicos no Instituto Leibniz de Ecologia de Água Doce e Pesca Interior da Alemanha, e explica que as atividades humanas estão afetando diretamente a biodiversidade do planeta e que muitas espécies correm risco de extinção “Os efeitos primários da luz noturna sobre a fisiologia e o comportamento das espécies podem se propagar para todos os níveis de organização ecológica, desde os indivíduos até os ecossistemas”, afirma.

Estratégias

O direcionamento da luz de cima para baixo e o reposicionamento de lâmpadas para pontos mais próximos ao piso contribuem para uma ambientação mais saudável em regiões urbanas. A temperatura de cor das lâmpadas também é outro componente da poluição luminosa, e a substituição para tonalidades mais amareladas mitiga os impactos nos ciclos naturais humanos e da vida animal, explica Silvia Carneiro, arquiteta integrante da revisão de normas sobre iluminação pública da ABNT e filiada à International Dark Sky Association – Brasil.

O direcionamento da iluminação pública para pontos eficazes contribui não somente para um espaço público seguro, mas permite que outras atividades sejam preservadas, conforme explicam os professores Jose Larcio Araujo e Enos Picazzio, em trabalho publicado. “Notou-se   que   toda   luz   mal   colocada   no   meio   ambiente vem a prejudicar os resultados das observações dos astrônomos pesquisadores. Além do que impede qualquer pessoa de observar o céu, um patrimônio da humanidade e fonte do saber de nossa história”, dizem.

A poluição luminosa está dentro do escopo da definição de poluição ambiental, pois altera física, química e biologicamente as condições naturais de determinados ambientes. Contudo, ainda é ignorada ou, em muitos casos, negligenciada como fator poluente. Pesquisadores ressaltam que um primeiro passo rumo à recuperação dos céus escuros está neste reconhecimento e conscientização de mais este efeito colateral do avanço urbano.

Daniel Rangel é formado e jornalismo e ciências, doutor em biotecnologia e monitoramento ambiental (UFSCar). Cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp.

Marco Centurion é físico (Ufscar) e cursa especialização em jornalismo científico e cultural (Labjor/Unicamp)