Mito e história

Por Carlos Vogt

O Brasil tem sido campeão negativo em várias frentes nacionais e internacionais, entre elas: a do desempenho lúgubre no número de mortes pela pandemia da Covid-19, perto de meio milhão de vítimas até junho de 2021; a do desemprego formal, acima de 14% da população ativa; a do retorno ao mapa mundial da fome, com 19 milhões de pessoas nele incluídas, boa parte delas fora dele há mais de duas décadas.

O país passa por uma crise sanitária, por uma crise social, por uma crise política, por uma crise cultural, por uma crise econômica, por uma crise ambiental, por uma crise ética e moral.

A situação do país é crítica, como é crítica a qualidade do governo central, sob todos os aspectos acima mencionados.

O negacionismo tomou conta dos corações e mentes de parte significativa da população, que apoia com devoção cega, ingênua e muitas vezes truculenta a bufonaria cruel de um dirigente errático no discurso, mas articulado nas intenções nefastas de conduzir o estado brasileiro para a exceção do golpismo totalitário.

Parte da lógica desse estado de “redenção cíclica” implica na precipitação da catástrofe para que, dos escombros da civilização, surja, conduzido pelo “mito”, o “novo” país, expurgado do conhecimento, da cultura, da civilização, da inteligência, restaurando, assim, uma idade de ouro da “pureza”, da “inocência”, do machismo, do belicismo, do fundamentalismo, da brutalidade, da ignorância, da vingança, da paz dos cemitérios.

Essa crise tem autoria e as impressões digitais dos autores estão adscritas em cada movimento, em cada gesto estudado, planejado, perpetrado e disfarçado sob o manto de recuos sinceramente hipócritas e sob a descontração bufa de uma carnavalização perversa.

A crise tem identidade e endereço.

Os oráculos, que escondem e revelam o mito de suas origens, disfarçam a profecia da catástrofe anunciada. É preciso arrancar-lhes do rosto a máscara de justiceiros de francaria!

O mapa da fome no mundo, que volta a incluir o Brasil, não é mítico, tampouco heróico. É triste e terrível, como terrível e triste é a desolação social, econômica, política, cultural e ambiental do país.