Neutrinos fazem pesquisa brasileira apoiada pela Fapesp brilhar no exterior

Por Luciane Borrmann e Maria Clara Ferreira Guimarães

A agência de fomento incentiva pesquisadores brasileiros a participar de grandes desafios internacionais como o Deep Underground Neutrino Experiment (Dune), nos Estados Unidos, que soma 31 países e 164 instituições. O Brasil se destacou no projeto com o Arapuca, o mais eficiente detector de luz do mundo.

A Fapesp, com o objetivo de criar oportunidades para cientistas em São Paulo, investiu R$ 12 milhões em pesquisas relacionadas à física de neutrinos nos últimos 5 anos. Neste período o valor total contratado apoiou 63 auxílios à pesquisa e bolsas. Se computar os últimos 20 anos, foram 199 auxílios, que permitiram aos pesquisadores o envolvimento em descobertas científicas sobre os neutrinos e teorias e propriedades da física moderna.

O valor generoso destinado às pesquisas com neutrinos, segundo a Fapesp, se justifica por se tratar de uma ciência que inclui importantes desafios que auxiliarão o avanço do conhecimento sobre as partículas elementares que constituem a matéria. Atualmente, compreende-se apenas 4% da energia e da matéria do universo, e entender as propriedades e o comportamento dos neutrinos auxiliará na formulação de teorias de base que apresentam um modelo mais completo da física.

A participação do Brasil no projeto internacional Dune, experimento para descobrir novas propriedades dos neutrinos, já rendeu uma invenção de sucesso e de reconhecimento mundial: o mais eficiente detector de luz do mundo, o Arapuca. Ettore Segreto, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp, inventor do Arapuca, teve apoio da Fapesp e é o coordenador da pesquisa em detectores do Dune, sediado no Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory), Estados Unidos.

Interação e reconhecimento internacional

O interesse da Fapesp em apoiar a pesquisa, segundo seu diretor científico, Carlos Henrique de Brito Cruz, é descobrir e entender fenômenos novos. “Ao fazer isso, além do avanço intelectual, obtêm-se possibilidades para aplicações e desenvolvimento de tecnologias que podem levar a impactos econômicos, como criação de empregos e avanço de competitividade para empresas em São Paulo. Além disso, interagir e trabalhar com alguns dos melhores cientistas do mundo, vindos de vários países, nos ajuda a aprender sobre a organização da ciência e cria oportunidades para os excelentes estudantes e pós-doutores que trabalham no estado”.

“A ideia é investir o dinheiro da Fapesp aqui no Brasil, em São Paulo”, avalia Segreto, que demonstrou o sistema em protótipos e agora está construindo o experimento nos Estados Unidos. Ele salienta que todas as peças do Arapuca serão construídas no estado de São Paulo, onde há empresas com excelente qualidade de produção e que se beneficiarão com a visibilidade mundial pela participação no projeto. Filtros ópticos, por exemplo, uma das partes mais importantes do detector, são construídos em São Carlos.

Não se sabe ainda o alcance dos resultados das pesquisas sobre neutrinos, mas as tecnologias desenvolvidas e aplicadas aos detectores poderão servir também a outros setores, como a medicina. Pesquisadores italianos estudam o uso do invento Arapuca combinado aos detectores de gases nobres liquefeitos no aprimoramento de tomografias avançadas (positron emission tomography – PET).

Dune é o primeiro experimento de mega-science internacional dos Estados Unidos, e o Brasil está em posição de destaque nesse projeto. Pesquisadores apontam ser um momento histórico da física, em que não é mais possível fazer ciência isoladamente. Pela primeira vez projetos competidores (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire – Cern e Fermilab) se unem, o que não seria possível sem uma colaboração coletiva, geral e internacional.

O sucesso do detector Arapuca fez com que o Fermilab se interessasse pelas ideias de cientistas brasileiros. Outros pesquisadores do Instituto de Física da Unicamp começam agora a se envolver em outra área do mesmo experimento, que é a criogenia. O experimento será construído no Laboratório de Léptons na Unicamp e permitirá diversas pesquisas inovadoras no Brasil.

De acordo com o  professor Ettore Segreto, o destaque brasileiro nessa área da ciência e a relevância internacional foram possíveis por dois fatores determinantes: a liberdade de pesquisa e a estrutura prévia. Próximo à Unicamp há, desde 1997, um acelerador de partículas, que, inclusive, foi o que permitiu a vinda da sua pesquisa para o Brasil. Os primeiros testes acerca dos neutrinos aconteceram no ativador de partículas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Há ainda na região o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e outros centros de pesquisa, que atraem pesquisadores de ponta e promovem desenvolvimento tecnológico, inovação, além de investimentos direcionados para atender a demanda de material, logística e empregos.

Investigar e tentar responder questões abertas sobre o universo através de novas teorias da física é o desafio que faz parte da cultura. É por isso que, ressalva Segreto, a pesquisa de base tem de ser defendida. É significativo para o Brasil participar em um dos experimentos mais importante do mundo, como o Dune, na construção de uma parte relevante do detector, e ter liderança a ponto de participar de decisões, sendo mencionado e reconhecido pela comunidade científica internacional.

Luciane Borrmann é jornalista e cursa especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.

Maria Clara Ferreira Guimarães é formada em linguística e cursa especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.