Pandemia de excessos: avalanche de informações, demandas e angústias

Por Karen Canto [Imagem: Dhaya Eddine Bentaleb/Unsplash]

Excesso de informações e de exigências impôs uma nova realidade cheia de aflições que pode trazer riscos à saúde mental.

Mal amanhece e os números da pandemia, as últimas notícias e as listas de afazeres servem como um despertador, não para o dia que começa, mas para a realidade que se instalou com a chegada da covid-19. Dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIbr) apontam um aumento expressivo no consumo de dados de internet no país desde março. O trabalho remoto e a educação domiciliar respondem por parte desse aumento, mas a avalanche de informações sobre a crise global também é responsável pelo consumo elevado de dados. O excesso de informação e de demandas são fatores de estresse, angústia e medo que podem levar ao desenvolvimento de transtornos mentais ou agravar quadros pré-existentes.

Epidemia de informação

Na era digital, o acesso à informação é fácil e rápido. Ter informações precisas sobre a covid-19 é útil e necessário para mitigar o espalhamento do vírus. No entanto, o bombardeio excessivo de informações pode causar ansiedade e dificuldade na tomada de decisões. Além da quantidade, a qualidade da informação que chega à população também inspira preocupação.

Logo após declarar a pandemia por covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chamou atenção para uma epidemia global de desinformação, que considerou um problema de saúde pública: “Não estamos lutando apenas contra uma epidemia, estamos lutando contra uma infodemia”, avaliou o diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus na Conferência de Segurança de Munique. A infodemia é um grande aumento no fluxo de informações sobre um determinado assunto. O fenômeno, potencializado pelas redes sociais, se alastra da mesma forma que um vírus. O problema é que junto com a informação precisa e qualificada, se espalha também uma enorme quantidade de desinformação e de fake news.

Leandro Tessler, professor do Departamento de Física Aplicada da Unicamp, está conduzindo um estudo sobre o espalhamento das fake news e desinformação no âmbito do novo coronavírus. Segundo o pesquisador, no início da pandemia surgiu a ideia de estabelecer uma linha direta para que as pessoas compartilhassem as fake news recebidas. Já são mais de 60 mil mensagens que agora estão sendo classificadas em grandes grupos. O mapeamento indica que é possível identificar diferentes motivações por trás delas.

Existem aquelas que, disfarçadas de boa intenção, espalham crendices e informações claramente falsas para curar a doença; e aquelas com cunho claramente político, que tentam convencer que o vírus não é tão grave ou de que se trata de um complô mundial.

Tessler alerta para a ameaça que as fake news relacionadas ao coronavírus representam: “Quando você acha que a Terra é plana, o azar é seu, o mundo continua girando, não tem problema. Mas quando você acredita que o vírus pode ser curado com receitas caseiras e que o isolamento social não é importante, coloca em risco a sua vida e a de outras pessoas”.

Num esforço para mitigar a infodemia, a OMS lançou a plataforma Rede de Informações da OMS para Epidemias com o objetivo de oferecer acesso à informação de qualidade e combater a desinformação. Uma das ações é estabelecer uma comunicação com mecanismos de busca e redes sociais para excluir mensagens falsas e promover informações precisas de fontes confiáveis, como os centros para controle e prevenção de doenças dos Estados Unidos e a própria OMS, entre outros. Entre as iniciativas brasileiras, a rede CoVida apresenta boletins, estudos matemáticos, análises de estudos científicos produzidos ao redor do mundo e orientações claras acerca da prevenção.

O excesso de demandas e exigências diárias

Adotado por muitas empresas como medida de distanciamento físico, o home office afetou a rotina de milhões de brasileiros sem que tivessem se planejado. De forma repentina, parte da população precisou conciliar trabalho remoto com organização doméstica e familiar, improvisar espaço físico para trabalho, estudo e lazer, supervisionar o homeschooling dos filhos, entre outras necessidades. O excesso de demandas e exigências converge em uma sobreposição de funções num período do dia que ordinariamente seria dedicado somente ao trabalho.

Esse acúmulo de funções tem sido vivenciado de forma muito distinta entre homens e mulheres, segundo Simone Paulon, coordenadora do programa de pós-graduação em psicologia social e institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A pesquisadora, que também coordena o projeto Clínica Feminista (para mulheres em situação de violência de gênero), explica que historicamente as mulheres são muito mais afetadas pela dupla ou tripla jornada de trabalho.

Ainda hoje existem diferenças abissais no tempo dedicado por homens e mulheres às atividades domésticas e cuidados com os filhos: “Às exigências usuais de uma cultura machista de mulheres multitarefas, somaram-se, para muitas de nós, novas demandas da organização ordinária do cotidiano em um contexto extraordinário. O que gera estresse emocional, exaustão e conflitos familiares que, se encarados como fracasso individual, podem produzir mais sofrimento”.

De acordo com dados do IBGE, antes da pandemia as mulheres já gastavam, em relação aos homens,  o dobro de horas semanais dedicadas ao trabalho doméstico e/ou cuidado com pessoas. Com a pandemia a tendência é que esse quadro se agrave. Um conceito que também vem se ampliando é o da carga mental, que recai sobre as mulheres e, em especial, sobre as mães: são as tarefas invisíveis, inerentes ao gerenciamento familiar que requerem muita energia emocional e levam ao cansaço físico e mental.

Os prejuízos à saúde mental

Professora adjunta do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Laíse Rezende de Andrade alerta que quadros de estresse, ansiedade e depressão já faziam parte da realidade de muitos brasileiros e terão desdobramentos consideráveis: “Alguns estudiosos têm comparado os efeitos da covid-19 àqueles de desastres naturais, terremotos, tsunamis ou ainda guerras e conflitos internacionais de massa”.

Além de um fator de estresse, a infodemia aumenta a sensação de fragilidade e impotência frente a um vírus novo, contagioso e letal para uma parcela importante da população. O excesso de demandas obriga a encarar diariamente a frustração de não atingir todas as metas, simplesmente porque isso tornou-se inviável com tantas exigências. O que também gera estresse e ansiedade.

A covid-19 já mudou a vida e o cotidiano das pessoas, porém os cenários futuros dependem de como a sociedade, as instituições e os líderes mundiais lidarão com os desafios pós pandemia, entre eles, a elevação acentuada nos casos de transtorno mental. Laíse, que também é pesquisadora na rede CoVida, conclui: “Além de todos os recursos empregados para combater a propagação do coronavírus, são necessárias estratégias globais adicionais para lidar com os problemas de saúde mental decorrentes da pandemia.”

Karen Canto é graduada e mestre em química pela UFRGS, doutora em ciências pela Unicamp, aluna do curso de especialização em jornalismo científico Labjor/Unicamp e bolsista Mídia Ciência (Fapesp).