Uma única teoria que explica (quase toda) a matéria do universo

Por Mariana Hafiz

O modelo padrão da física de partículas reúne todos os conhecimentos adquiridos até o momento sobre como se dá a nossa realidade, mas ainda faltam respostas.

Certas perguntas movem a humanidade há séculos na busca de entender melhor a realidade. Por que quando movemos nossas mãos pelo ar elas o atravessam, mas quando tentamos fazê-la atravessar a outra mão acabamos batendo palma? Como é possível que vapor, água e gelo sejam essencialmente a mesma coisa, quando parecem ter propriedades completamente diferentes? O que é fogo e o que o faz brilhar?

De início, as respostas começaram a vir de ideias simples, como os quatros elementos (água, terra, fogo e ar) e, com o tempo, se tornaram mais complexas, usando os elementos da tabela periódica para falar sobre matéria e as regras que a governam. Hoje, matéria ainda é a resposta, mas tudo pode ser explicado em termos de partículas.

Tudo que vemos é formado por moléculas, ou seja, grupos de átomos presos uns aos outros por ação de forças eletrostáticas. A princípio, considerava-se que esses átomos eram a menor coisa já descoberta e que não podiam ser divididos, mas há cerca de 100 anos físicos descobriram que o trabalho não estava completo; viu-se que apesar das moléculas serem a menor unidade de um composto químico e átomos serem a menor unidade de qualquer elemento, esses átomos não eram a menor unidade de matéria. Eles são, na verdade, formados por objetos ainda menores: têm núcleos compostos de prótons (partículas com carga positiva) e nêutrons (partículas sem carga), e ao redor desse núcleo flutuam elétrons (partículas com carga negativa).

Isso permitiu simplificar a sistematização dos blocos de construção da realidade, pois em vez de usar centenas de elementos químicos para explicar do que o universo é feito, era possível fazê-lo com três partículas. A partir de 1930, quando os primeiros aceleradores de partículas foram construídos, os estudos avançaram e possibilitaram a descoberta de centenas de outras partículas subatômicas.

Com o tempo, os diferentes tipos de partículas foram agrupados em famílias de acordo com suas propriedades e funções; os prótons e nêutrons, por exemplo, fazem parte da família dos bárions, ou seja, da família de partículas que compõem o núcleo dos átomos. Já os elétrons fazem parte de uma outra família, a dos léptons, referente às partículas formadoras da camada exterior do átomo; são elas: elétron (e), múon (), tau () e os três tipos neutrinos correspondentes a cada um: neutrino elétron, neutrino múon e neutrino tau.

O modelo padrão é formado por 12 partículas de matéria (quarks e léptons), guiadas por três forças que são causadas a partir da troca de quatro partículas (fóton para a força eletromagnética, glúon para a força forte e os bósons W e Z para a força fraca), mais o Higgs bóson, que dá a massa dessas partículas. Imagem: Creative Services Department/Fermilab.

Em meados de 1960, novamente com auxílio dos aceleradores, físicos descobriram que era possível aumentar o zoom, e que os familiares prótons e nêutrons eram formados por objetos ainda menores, os quarks, dos quais hoje sabe-se que existem seis tipos: up (u), down (d), charm (c), strange (s), top (t) e bottom (b).

Quarks e léptons formam o conjunto das partículas elementares, aquelas que compõem toda a matéria do universo. Juntos, são os blocos de construção da realidade, sendo que up (u) e down (d) são os tipos de quarks que encontramos dentro dos prótons e nêutrons e, quando se juntam com elétrons (e), formam os átomos. As demais partículas foram vistas somente dentro dos aceleradores e não existem livremente no universo, mas sabe-se, por exemplo, que o quark strange (s) esteve presente no Big Bang.

Como essas partículas são descobertas?

Os aceleradores de partículas exerceram papel definitivo em todos esses avanços, como continuam fazendo até hoje em descobertas importantes como a do Higgs bóson e nos estudos de neutrinos. No entanto, para tentar entender as interações dentro dos núcleos atômicos e quais partículas os formam, uma das maiores dificuldades é gerar a grande quantidade de energia necessária para que esses fenômenos ocorram, tarefa que cabe aos aceleradores.

Túneis do Large Hadron Collider (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo localizado no complexo do Cern em Genebra, na Suíça. Dentro do seu anel de 27 quilômetros aconteceram os experimentos que resultaram em descobertas chave para a física de partículas, como a do Higgs bóson. Imagem: Maximilien Brice / Cern.

A física Marina Raboni, mestranda do Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), em Campinas, explica que a lógica dos aceleradores é a de colidir uma partícula com outra, provocando um impacto forte o suficiente para que elas se quebrem, e ver quais pedaços surgem desse choque. “Não é em qualquer colisão que você consegue ver isso, tem que ter bastante energia e acontecer em um lugar muito pequeno”, diz. Ela ainda conta que o termo “acelerar” vem do fato de que, para que a quantidade necessária de energia seja dada é preciso literalmente dar mais velocidade a essas partículas.

“Lembrando das aulas de física do colegial, temos a equação e = mv², ou seja, quanto maior a velocidade, maior a energia. Com velocidades mais próximas à velocidade da luz, essa equação muda, mas a ideia continua sendo a mesma: quanto mais você aumenta a velocidade, mais energia você está dando, e com mais energia você quebra mais a partícula e pode ver mais coisas”, afirma ela.

O modelo padrão da física de partículas

Utilizando esses aceleradores, os desenvolvimentos na física de partículas avançaram de forma significativa entre 1940 e 1960, possibilitando a explicação desde a existência e funcionamento dos átomos até de como as estrelas evoluem. Todo esse conhecimento está atualmente compilado em uma única teoria, chamada modelo padrão.

Dentro deste modelo, os bárions, léptons e quarks se referem à família de partículas que carregam matéria e, apesar de sua importância para o entendimento geral do universo, há outro aspecto relevante que a teoria considera: as forças nucleares e a família de partículas que as carregam, os bósons. Sem que essas forças fossem “carregadas” de um lado para outro dentro do núcleo atômico pelos vários tipos de bósons, as partículas estariam suspensas e flutuando dentro do núcleo, sem interagirem umas com as outras; se algo não juntasse quarks e léptons não existiriam átomos e, consequentemente, matéria.

Conforme o século XX foi se desenvolvendo, entendeu-se que todas essas partículas interagiam entre si através da ação de quatro forças conhecidas: eletromagnetismo, força fraca, força forte e gravidade. Porém, no modelo padrão apenas as três primeiras são contempladas, pois a força da gravidade tem influência tão mínima na escala quântica que é muitas vezes desconsiderada.

Desta forma, uma vez que a gravidade parecia não influenciar no núcleo atômico, viu-se necessário explicar de outra forma como o núcleo se mantinha coeso o suficiente para garantir a existência dos átomos. Em 1947, um grupo de físicos da Inglaterra conseguiu comprovar cientificamente como isso poderia ocorrer e nesse grupo estava um jovem pesquisador brasileiro, César Lattes, que desempenhou papel importante na descoberta, chegando perto de receber um prêmio Nobel por ela. Tratava-se da descoberta de um novo tipo de partículas, os mésons pi, que seriam responsáveis por, assim como o fóton, carregar força entre prótons e nêutrons, já que, sem esse novo componente, não haveria como explicar a atração entre as partículas nucleares (duas cargas positivas tendem a se repelir).

O modelo padrão contempla, então, três forças que garantem a coesão do núcleo atômico e que variam em questões de alcance. A força forte, como o próprio nome diz, é a mais forte de todas e é transmitida por glúons (g); a força eletromagnética é transmitida por fótons () e a força fraca, também conforme o nome, é a mais fraca das três (mas ainda é muitos bilhões de vezes mais forte que a gravidade) e é transmitida pelos bósons W e Z. Hoje, o modelo padrão prevê a existência do gráviton, partícula transportadora da força da gravidade, mas essa ainda não foi descoberta.

Em 2012, o modelo padrão foi aumentado de forma significativa. Após décadas desde que foi proposto em teoria, pesquisadores do Large Hadron Collider (LHC), na Suíça, descobriram uma partícula consistente com o que havia sido descrito como o Higgs bóson. Assim como todos os campos têm suas partículas correspondentes, o Higgs bóson é a partícula transportadora do campo de Higgs, que permeia todo o universo e explica a origem da massa das partículas: quanto mais uma partícula interage com o campo de Higgs, maior sua massa.

No entanto, apesar de complexo e abrangente, o modelo padrão está incompleto e é incapaz de explicar algumas das descobertas feitas pelos estudos atuais da física de partículas. É o caso dos neutrinos, pois, como afirma Bruno Gelli, pesquisador de pós-doutorado no grupo de léptons da Unicamp, “os neutrinos são a prova mais concreta que temos de que o modelo padrão está errado”. Ele se refere ao fato de que o modelo prevê que os neutrinos não tenham massa, mas experimentos recentes provaram o contrário; apesar de mínima, foi observado que têm alguma massa, apesar de ainda não se saber o valor. O modelo padrão também não consegue explicar por que a gravidade é tão mais fraca que as outras três forças ou por que existe mais matéria que antimatéria no universo, quando a teoria diz que ambas deveriam ter sido produzidas em quantidades idênticas.

Trata-se, então, da melhor teoria atual para explicar de onde vem a matéria do mundo e como ela é organizada em termos de partículas e forças, mas ainda há muitas perguntas a serem respondidas. Neste sentido, um novo acelerador e um detector de partículas estão sendo construídos para ajudar na busca de uma imagem mais clara do funcionamento do universo, o High-Luminosity Large Hadron Collider (LH-LHC, espécie de atualização do LHC) e o Deep Underground Neutrino Experiment (Dune), ambos com operação prevista para 2026.

Mariana Hafiz é jornalista formada pela Unesp Bauru e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp. Trabalhou com divulgação científica de astronomia em espaços não formais.