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Mercado de software cresce na periferia

O mercado relacionado à Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) é um dos que mais cresce em todo mundo - cerca de 10% ao ano - e, segundo estimativas, deverá movimentar, em 2008, cerca de US$ 900 bilhões. Além da importância econômica, o desenvolvimento desse setor passou, nos últimos anos, a ser considerado estratégico do ponto de vista da independência tecnológica e da inserção no mundo globalizado.

Dentro da área de TIC, a indústria de software é um dos segmentos que têm sido alvo da atenção, tanto de países desenvolvidos quanto dos em desenvolvimento, e representa de 1% a 2% do PIB dos países industrializados. Esse tipo de indústria, tradicionalmente relacionada ao conhecimento intensivo, estava, há algum tempo, concentrada em países centrais como Estados Unidos, Alemanha e Japão.

Hoje, porém, o que tem chamado a atenção de especialistas, é justamente o crescimento das indústrias de software em países que estão fora do eixo central. Irlanda, Índia e Israel - conhecidos como 3Is - vêm se destacando como grandes produtores de software. Os 3Is possuem uma produção basicamente voltada para a exportação, enquanto China e principalmente Brasil - dois grandes países periféricos de alto faturamento para as empresas de TIC - se destacam pela produção voltada ao mercado interno.

Segundo o relatório "Slicing the Knowledge-based economy in Brasil, China and Índia: A tale of 3 software industries", produzido por especialistas desses três países, o mercado de software movimentou, em 2001, na Índia, cerca de US$ 8,2 bilhões, sendo que US$ 6,22 bilhões foram obtidos com exportação. No Brasil, o mercado de software movimentou, no mesmo ano, US$ 7,7 bilhões, dos quais apenas US$ 100 milhões foram obtidos com exportação. O mesmo relatório mostra também o número de pessoas empregadas nesse setor nos três países. Na Índia são 350 mil, na China 186 mil e por último vem o Brasil com 158 mil pessoas trabalhando no mercado de software.

O destaque da Índia na exportação de software é atribuído, principalmente, à existência, no país, de mão-de-obra barata com formação técnica voltada para a produção de softwares de baixo custo. O Brasil, apesar de ser o sétimo mercado de software do mundo, com uma média de crescimento de 11% ao ano, exporta muito pouco. "A indústria de software nacional é madura e nossos produtos têm qualidade. Para exportar mais precisamos principalmente nos tornar conhecidos no exterior", afirma Luis Mario Fernandes, presidente da empresa Programmer's Informática.

A pequena participação da exportação no mercado de software brasileiro está vinculada também a uma postura relativamente cômoda das empresas, dada a existência de um forte mercado interno. "Muitas empresas acabam não enxergando que hoje o mercado é global e que precisamos estar preparados para competir dessa forma para sobreviver. Dentro do ActMinds [consórcio de empresas do qual a Programmer's Informática faz parte] temos uma filosofia: não importa se o mercado brasileiro é bom, porque estrategicamente é muito importante que nossas empresas atuem também no exterior", salienta o empresário.

As empresas nacionais têm se destacado na produção de softwares de maior complexidade e, portanto, com maior valor agregado. "No Brasil, a mão-de-obra é qualificada, temos muitos especialistas em arquitetura de sistemas e analistas que conhecem muito não apenas tecnologia mas também regras de negócios", afirma Fernandes. Os pontos fortes da indústria brasileira são as telecomunicações, governo eletrônico, segurança de rede, finanças e automação bancária. "No caso de soluções de informática para o mercado bancário somos considerados referência mundial", lembra Fernandes.

Além do aumento das exportações, outro desafio para o crescimento do mercado de software brasileiro é a diminuição da dependência de softwares desenvolvidos fora do país. O presidente do Instituto de Tecnologia de Informação (ITI), Sérgio Amadeu da Silveira, critica aquelas empresas que chamam a si mesmas de desenvolvedoras, mas que na verdade só oferecem manutenção, importando a tecnologia que vendem. "O raciocínio do mercado de software nacional está muito claro desde a década de 70. Existem 'desenvolvedores' que vendem suas soluções para empresas e oferecem serviços de manutenção, muitas vezes assinando contratos nos quais são desembolsados milhões pelos royalties dos produtos", afirma Amadeu . O desenvolvimento de ferramentas e aplicativos em software livre tem sido apontado como um dos caminhos possíveis para diminuir essa dependência.

Proprietário, livre ou aberto ?
O software é considerado livre quando pode ser executado, copiado, distribuído, estudado, ou mesmo, modificado e aperfeiçoado pelo usuário. Outro tipo semelhante de software é o de código aberto que permite que os usuários possam apenas ver o código-fonte (como uma receita de bolo) do sistema. Assim, todo software livre é também de código aberto, mas um software de código aberto não é necessariamente livre. Atualmente, o tipo de software que domina a maioria dos nichos de mercado é software proprietário, ou seja, um software que não pode ser redistribuído ou modificado sem permissão da empresa ou pessoa que o fez. É o tipo de software que empresas como a Microsoft comercializam por meio das chamadas licenças de uso, nas quais o que se vende é o direito de usar o produto para certos propósitos e por um tempo muitas vezes limitado.

Já as empresas que baseiam seus negócios no software livre buscam seus lucros de outra forma, na venda de serviços ou manutenção do produto ou ainda no desenvolvimento de novos softwares sob encomenda. Como o software livre pode ser copiado sem restrições, quando uma dessas empresas instala um sistema os lucros obtidos não são remetidos a nenhuma matriz internacional ou detentor de direitos.

As empresas que fazem da venda de software proprietário a sua principal fonte de lucro estão cada vez mais preocupadas com a mudança no modelo do mercado. Isso porque, apesar dos aplicativos de software livre ainda serem minoria, sua participação vêm aumentando e, em alguns nichos, chega a superar os proprietários. O Apache, um servidor de web livre, por exemplo, já domina mais de 70% do mercado mundial.

No Brasil, empresas de grande porte como Varig, Embrapa, Petrobras, Carrefour, Pão de Açúcar e Casas Bahia já utilizam software livre, assim como o governo federal (ver reportagem nesta edição). A Fundação Getúlio Vargas divulgou recentemente uma pesquisa mostrando que a utilização do sistema operacional livre GNU/LINUX no Brasil cresceu 50% entre 2001 e 2002. Outra pesquisa, do Instituto de Pequisa em Tecnologia (IDC), mostrou que o uso de servidores Linux nas empresas brasileiras chega a quase 42%.

"Apesar do conservadorismo, o que pude constatar na pesquisa é que a grande maioria das empresas já usa algum tipo de aplicativo com software livre, na maioria dos casos voltados à tecnologia de internet. Acho que a melhor estratégia para o mercado de software livre é essa mesmo, ir comendo pelas beiradas, dominando certos nichos de mercado", afirma o administrador Amir Mostafa, autor da dissertação "Adoção de Tecnologia: um estudo sobre o uso do software livre nas empresas", defendida na Faculdade de Economia e Administração da USP.

Para muitos especialistas essa participação tende a aumentar e só não é maior por causa de alguns fatores culturais e comportamentais ligados à adoção de novas tecnologias. "Quando iniciei minha pesquisa achava que as barreiras para adoção de software livre nas empresas estariam relacionadas a fatores objetivos como incompatibilidade de formato de arquivos, falta de suporte, dificuldade de se encontrar profissionais que trabalhem com software livre. Para minha surpresa pude constatar que a não utilização era condicionada, basicamente, pelo conservadorismo: usa-se software proprietário porque a rede dominante usa", explicou Mostafa.

Esse conservadorismo também é apontado por empresários que atuam no mercado como produtores de aplicativos de software livre."O que existe em relação ao software livre é uma barreira cultural. Acho que isso é uma coisa que acontece com as tecnologias em geral, mas acredito que é sempre possível romper essa barreira", afirmou César Brod, da Solis Cooperativa de Soluções Livres.

Uma segunda barreira à adoção do software livre seria o custo da troca, da migração para um outro sistema. Mesmo não sendo necessário comprar o software ou ter uma licença é preciso investir em treinamento e implementação. "É claro que a idéia do software livre parece muito bonita, mas na hora de apresentar isso para a empresa é preciso provar que o custo vai ser mais baixo e que a qualidade do software livre é superior", argumentou Brod.

Modelo de mercado
No que se refere a um modelo de mercado - ou como ganhar dinheiro com software livre - ainda não existe um modelo consolidado, embora grandes empresas como a IBM e a Novell já tenham colocado um pé firme nessa iniciativa. Os caminhos ainda estão sendo trilhados, como os índices de crescimento mostram, e novas alternativas estão surgindo. As dificuldades para se estabelecer um modelo que não seja baseado na propriedade ou compra de um produto, mas fundamentalmente na prestação de serviços ainda causam certo estranhamento. "É um modelo que ainda está em desenvolvimento, mas até as empresas de software proprietário estão vendo que em longo prazo o modelo antigo é insustentável", analisa César Brod.

Na opinião de Mostafa, o mercado de software livre, na verdade, não ocasiona nenhuma mudança profunda para a maioria das empresas. Para ele, qualquer um que preste suporte para informática pode ganhar dinheiro com software livre. "Se eu tenho uma empresa de software proprietário, vendo para o meu cliente o software e meus serviços de instalação. Com o software livre eu vendo apenas meu serviço, não vou obrigar meu cliente a comprar um software proprietário e gastar muito mais com licença. Com isso posso oferecer meus serviços a um preço muito menor, faço mais negócios e meu cliente fica mais contente", exemplifica.

Segundo Sérgio Amadeu, os negócios baseados em software livre já são feitos com tranqüilidade e com várias vantagens sobre o modelo de negócios tradicional. As principais vantagens são a não necessidade de pagamento de royalties e a liberdade da empresa contratante para, depois de pronto o trabalho ou mesmo durante o processo, poder escolher outra empresa caso não esteja satisfeita com os serviços prestados pela que contratou inicialmente. "A empresa pode mudar de prestador de serviço a qualquer hora porque o código é aberto. Ninguém detém o segredo do desenvolvimento. Então, o modelo de negócios do mundo do software livre é mais avançado, inteligente e democrático", aponta Amadeu (leia entrevista nesta edição).

Para Fernandes, a opção por negócios baseados em ferramentas livres é mais uma questão de demanda do mercado. "Trabalhamos tanto com ferramentas de software livre como de software proprietário. O que nos preocupa como empresa é atender a demanda de mercado".

(MT)

 
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Atualizado em 10/06/2004
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