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  Mudanças Climáticas
Energia e Mudanças Climáticas: barreiras e oportunidades para o Brasil

Gilberto De Martino Jannuzzi

O debate internacional desenvolvido especialmente durante os últimos dez anos estabeleceu importantes relações entre o consumo de energia fóssil e suas contribuições para acelerar processos de mudanças climáticas. É crescente a percepção entre cientistas e governantes de alguns países que o processo de decisão sobre desenvolvimento social, e política energética em particular, deve lidar com novas incertezas e riscos de alterações irreversíveis com conseqüências ambientais e econômicas de difícil predição.

As concentrações atmosféricas dos gases-estufa considerados no Protocolo de Quioto (especialmente o CO2) vem aumentando continuamente devido ao crescente uso de energia fóssil (petróleo, carvão, gás natural) e a mudanças no padrão de uso do solo (agricultura, urbanização, desmatamento). O uso de energia só é responsável por mais de dois terços das emissões de gases-estufa.

O consumo mundial de energia aumentou a uma taxa anual de 1,3% entre 1990 e 1998, mas se considerarmos somente os países em desenvolvimento suas taxas se situam entre 2,3 a 5,5 ao ano para o mesmo período. Mesmo com essas relativas altas taxas os países em desenvolvimento contribuem com cerca de 30% das emissões anuais comparado com mais de 50% dos países industrializados. Se contabilizarmos as emissões de modo cumulativo desde a Revolução Industrial, ou se fizermos considerações de emissões em termos percapita, por unidade de produto econômico (PIB), as contribuições dos países em desenvolvimento são ainda bem mais modestas.

No entanto, isso não significa que países em desenvolvimento não devam compartilhar de esforços para reformular sua estrutura de produção e consumo de energia e de realizar contribuições efetivas para controlar o crescimento de emissões de gases-estufa.

O assunto é complexo, os desafios enormes, mas vale a pena discutir algumas barreiras e mais especialmente, algumas oportunidades que uma transição energética para combustíveis renováveis e tecnologias mais limpas e eficientes podem oferecer a países em desenvolvimento.

Dentre os países em desenvolvimento, o Brasil, a China e a Índia são os principais países com relação a contribuições a emissões de gases estufa. O Brasil é um caso interessante de ser analisado, que tem vantagens comparativas para adotar uma estratégia de desenvolvimento sustentável. Vamos apresentar algumas características de nosso sistema energético e das perspectivas que o país possui.

A alta participação da energia hidráulica na matriz energética é um indicador positivo de nossa contribuição histórica para controle de emissões mas, ao mesmo tempo, nos coloca reféns das próprias mudanças climáticas, que acrescentam incertezas quanto a vazões de nossos rios e à crescente pressão sobre recursos hídricos para usos múltiplos da água. O regime de chuvas está mudando e temos que providenciar um melhor entendimento do comportamento das vazões de nossos rios que não respondem aos modelos de previsões utilizados durante décadas pelo setor elétrico. Em paralelo, é notório o crescimento de atividades agrícolas, industriais e de abastecimento da população que demandam maiores quantidades de água. A situação de crise de abastecimento de eletricidade, vivida durante o ano de 2001, mostrou claramente os limites do sistema hidroelétrico atual, da necessidade de melhor gestão desses recursos e de seu planejamento para diminuição de riscos.

Maior diversificação da matriz de geração de eletricidade está sendo buscada através de maior participação de centrais térmicas utilizando principalmente gás natural, que na verdade aumentarão as emissões nacionais de gases-estufa. No entanto, o país está também realizando esforços na direção da geração através de fontes renováveis.

O país conseguiu aprovar uma lei (Proinfa) estabelecendo um cronograma para a entrada de energia eólica, pequenas hidroelétricas e biomassa para geração de eletricidade. Os esforços demandados são grandes para que essa lei se concretize e que os objetivos de inserção das fontes renováveis no sistema energético de forma sustentável e competitiva, isto é, sem depender de contínuos subsídios governamentais. No entanto, o fato é que ainda não estão resolvidas questões fundamentais como preços dessas fontes, que agentes comprarão, e questões técnicas de operação e de planejamento de um sistema elétrico que foi projetado para receber grandes blocos de energia de hidroelétricas.

O caso da energia eólica é útil para ilustrar alguns desses problemas mencionados. O maior potencial eólico brasileiro está situado em áreas litorâneas do NE e já temos cerca de 4 GW de capacidade (1/3 de Itaipu) de projetos aprovados. A grande parte dos empreendimentos se localizam em pontos bastante fracos da rede de eletricidade do NE, locais onde não se previa a inserção de unidades geradoras de eletricidade e que podem comprometer a qualidade do fornecimento para toda a rede. A tecnologia de geração eólica já se encontra bastante desenvolvida e madura no mercado internacional, mas será necessário adaptá-las e, rapidamente, desenvolver procedimentos para poder prever o comportamento da geração eólica e inseri-la na operação do sistema interligado nacional. É desejável também que um programa energético se preocupe também em gerar bons empregos e desenvolver a indústria nacional.

No campo da biomassa, em que pese a experiência nacional com a implantação do maior programa de biomassa líquida do mundo: o Pró-álcool, que promove a substituição da gasolina, é necessário estabelecer outras iniciativas para substituir outros derivados de petróleo, como o diesel. Muitas das tecnologias para o uso energético da biomassa já são dominadas no país mas ainda não existe um mercado estável e, para isso, deve haver maior participação da indústria nacional. Existem ainda, é claro, oportunidades de avanços tecnológicos nessa área que podem colocar o país em condições de destaque e com possibilidades de exportar know-how.

Neste ano, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos elaborou uma proposta de Programa de Pesquisa e Desenvolvimento em Células a Combustível para o Ministério de Ciência e Tecnologia. Este estudo identifica possibilidades interessantes para o país investir nesse tipo de tecnologia, que poderá dar novos usos para o etanol, criar uma nova base industrial e aproveitar muito da competência técnica já instalada no país. Células a combustível são equipamentos capazes de converter a energia química de certos combustíveis em energia elétrica, sem a necessidade de combustão, com maior eficiência e menores emissões de poluentes que os equipamentos atuais. A utilização de células a combustível seria uma solução especialmente interessante para minimizar as emissões de gases-estufa em atividades de geração de eletricidade ou para transporte.

Ainda temos barreiras importantes para vencer. O acesso e eqüidade no consumo de energia é um problema nacional e global, indicando as disparidades econômicas que persistem. No país e no resto do mundo os subsídios oferecidos à energia fóssil são enormes. Importantes setores econômicos estão baseados em atividades de extração, produção e uso de carvão, petróleo e gás natural. Isso pode ser verificado nas oscilações de preços internacionais de petróleo e suas imediatas repercussões na economia mundial. O próprio embate político vivido em torno do Protocolo de Quioto reflete os interesses de grandes corporações e de países industriais, em particular o caso dos Estados Unidos.

Há que se reconhecer que nos últimos anos o país tem à disposição novos e significativos instrumentos que, potencialmente, favorecem a produção e uso mais sustentável de energia. Além do Proinfa, já citado, temos recursos para investir em pesquisa e desenvolvimento na área de energia. O Fundo Setorial de Petróleo CTPetro possui um orçamento anual de cerca de 150 milhões de reais. O Fundo Setorial de Energia CTEnerg possui cerca de 70 milhões de reais e igual montante é aplicado pelas concessionárias de eletricidade. Esta é uma oportunidade de investir na busca de soluções para promover maior diversificação da matriz energética brasileira, desenvolver e introduzir tecnologias limpas e eficientes que auxiliem e expandam os serviços de energia de maneira econômica e com menores impactos sociais.

Esses recursos, se bem coordenados, poderão alavancar e mobilizar outras iniciativas do setor privado que são fundamentais para que o país possa planejar sua transição energética na direção de combustíveis com menor conteúdo de carbono, maior eficiência energética e crescente participação de energia renovável.

Mais recentemente, o país regulamentou a Lei de Eficiência Energética que estabelece índices máximos de consumo de energia para equipamentos produzidos ou comercializados no país. Este é um importante instrumento para garantir aos consumidores brasileiros o acesso a tecnologias com menor consumo de energia e também para induzir um constante aprimoramento tecnológico dos produtos nacionais.

Estas são algumas das oportunidades presentes no país e que podem trazer uma grande contribuição para as desejadas reduções de emissões de gases-estufa. São poucos os países em desenvolvimento que possuem essas condições.

É necessário, no entanto, que o setor público possua uma alta capacidade de liderança e competência técnica para utilizar os instrumentos mencionados e coordenar atividades entre o setor produtivo, consumidores, governo e centros de pesquisa. Essa capacidade se traduzirá em uma percepção de estratégias de transição para uma economia menos intensiva em energia e para um novo sistema energético. Este sistema deverá promover a substituição de combustíveis com menor conteúdo de carbono, a contínua utilização de tecnologias mais eficientes, e crescente participação de fontes renováveis.

Gilberto de Martino Jannuzzi é professor da faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp

 
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Atualizado em 10/08/2002
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