Editorial:

Fármacos e Medicamentos: Urgências
Carlos Vogt

Reportagens:
Genéricos são a linha de frente da política de medicamentos
Instrumentos de regulamentação dos genéricos
Descentralização na distribuição de medicamentos enfrenta falta de estrutura
Luta contra a Aids terá de buscar novas formas de financiamento
Aids nos países pobres: lições da experiência brasileira
Poder das
multinacionais inibe a indústria brasileira
Inovação e fomento à indústria estão entre os principais desafios
Fundação produz medicamentos de qualidade para a população carente
Falta de garantia faz Ministério acabar
com os similares
Investimento em pesquisa de fármacos
no Brasil ainda é pequeno
A questão das
patentes na política brasileira de fármacos
Conhecimento tradicional e direito à propriedade intelectual
Fitoterápiocos: o mito
do natural
Artigos:
Aproveitamento das inovações farmacêuticas no Brasil
Antônio Camargo

Fitoterápicos: alternativa para o Brasil
Lauro Barata

Cronofarmacologia e Melatonina - o hormônio que marca o escuro
Regina Pekelmann Markus
Farmacologia perde integração com a cultura
Ulisses Capozoli
Notícias e "notícias" na comunicação pública da saúde
Isaac Epstein
Inovação e Gestão em um Mundo Globalizado
Antônio Buainain
Sergio Paulino de Carvalho

Acesso aos antiretrovirais na América Central
Eloan Pinheiro
Fernanda Macedo
Cristina D'Almeida

Poema
Bibliografia
Créditos

Situação do Acesso aos medicamentos
antiretrovirais pelos pacientes HIV+ na América Central

Eloan dos Santos Pinheiro
Maria Fernanda Macedo
Cristina D'Almeida

Em 18 e 19 de junho de 2001 realizou-se, na cidade Antigua Guatemala - Guatemala, a "I Conferência de Acesso a Medicamentos Essenciais na América Central" com o objetivo de discutir as possíveis soluções para resolver o problema da falta de assistência médica e de provimento de medicamentos para os pacientes HIV+ nesses países. O evento foi organizado por três Organizações Não-Governamentais, Médicos Sem Fronteira (MSF), Acción International para la Salud (AIS) e Asociación Agua Buena.

Foram abordados temas como: as legislações nacionais para garantir tratamento aos pacientes de AIDS; o impacto das patentes nos preços dos medicamentos e as restrições por elas impostas à competitividade, inerente às regras que governam o livre mercado; a influência da produção e comercialização de genéricos na redução dos preços; a garantia da qualidade dos genéricos e outros assuntos de igual importância.

Desde o início dos trabalhos ficou evidente que um dos maiores problemas para se traçar políticas eficazes no enfrentamento de desafios dessa magnitude é a falta de informação. Dados estatísticos confiáveis sobre o número de casos, o perfil da transmissão da doença, os medicamentos que estão patenteados em cada país, as possíveis salvaguardas das leis nacionais de propriedade industrial, os preços praticados para o mesmo medicamento são informações praticamente inexistentes nos países da América Central. Sem o conhecimento do quadro é muito difícil estabelecer as estratégias corretas e as políticas adequadas.

O evento foi encerrado com duas mesas redondas e a organização de grupos de trabalho para discutir o desenvolvimento de estratégias, incluindo a discussão sobre as ações futuras. O Brasil foi convidado a enviar representantes para participar de ambas as mesas.

Uma das mesas redondas cuidou das propostas governamentais e multilaterais, cabendo ao representante do Ministério da Saúde brasileiro discorrer sobre o Programa Nacional DST/AIDS que garante acesso universal dos pacientes de AIDS ao tratamento. De fato, em relação a essa ação governamental, o Brasil é apontado como "modelo" a ser seguido pelos países em desenvolvimento. Foi mostrado, no evento, que os princípios básicos que norteiam o Programa são: (1) um Sistema Logístico de Medicamentos de AIDS, o qual estabelece não só a compra centralizada, pelo Ministério da Saúde, dos medicamentos, o que possibilita a negociação de melhores preços, como também o rígido controle da distribuição dos medicamentos pelas Secretarias Estaduais e Municipais, garantindo o estoque dos remédios centralizado nessas Secretarias e a disponibilidade do medicamento nos centros de tratamento; (2) O controle da evolução do tratamento, através de testes, dentre outros, de avaliação da carga viral e do estado clínico geral do paciente que serve de base para a escolha, pelo médico, do regime de tratamento mais adequado para cada indivíduo; (3) Campanhas de esclarecimento do público sobre as vias de transmissão da AIDS e as medidas preventivas, incluindo a distribuição de preservativos em épocas especiais, como durante o carnaval e (4) uma política de regulação de preços através de legislações específicas, como a Lei de Genéricos, e a diversificação de fornecedores, incluindo os laboratórios farmacêuticos oficiais. Foi, assim, mencionado no evento que esse conjunto é o motivo do sucesso de um programa que vem reduzindo significativamente não só os custos do tratamento por paciente, na medida em que são evitadas internações hospitalares constantes, mas principalmente a taxa de crescimento da transmissão da doença.

Na outra mesa redonda, foi feito um confronto entre as visões da indústria multinacional produtora do medicamento inovador e da indústria de genéricos, tanto do setor público quanto do setor privado. A composição da mesa foi a seguinte: um representante da empresa Merck, Sharp & Dohme (EUA), um representante da indústria de genéricos do setor público (Far-Manguinhos) e um representante da indústria de genéricos do setor privado (a empresa indiana CIPLA). A posição da indústria multinacional, que vem sendo veiculada monocordicamente, foi a de que é necessário recuperar os elevados investimentos envolvidos em P&D de novos medicamentos, tendo sido ressaltado que "só a grande indústria" aplica recursos na inovação e que a ausência dessa política certamente traria sérias conseqüências e inevitáveis atrasos na disponibilização de medicamentos substitutos para aqueles que já tenham resultado ou venham a resultar em aumento de resistência do vírus. A posição da indústria de genéricos do setor privado foi a de que o surgimento desse segmento vem provocando uma queda acentuada nos preços dos medicamentos, tendo sido ressaltado que a propalada baixa qualidade dos produtos genéricos não passa de uma campanha para desacreditar a concorrência saudável estabelecida pela oferta de produtos de origem diversificada.

Finalmente, a posição de Far-Manguinhos, representando a indústria de genéricos do setor público foi a de que a quebra da hegemonia da indústria farmacêutica multinacional, através da produção de genéricos, não foi "inventada" pelos países em desenvolvimento. Pelo contrário, declarações do próprio congresso norte americano afirmam que a introdução, desde 1984, de genéricos no mercado dos Estados Unidos tem resultado numa economia de milhões de dólares para o bolso dos contribuintes que, em muitas situações, financiam o desenvolvimento de novos medicamentos em universidades e instituições de pesquisa norte americanas. De fato, diversas políticas, sustentadas por leis específicas, de incentivos fiscais e de estímulo ao surgimento de produtores alternativos no mercado, como é o caso da Lei das Drogas Órfãs e da Lei Hatch-Waxmann (Lei de Genéricos) tem permitido o financiamento do desenvolvimento de novas moléculas e a colocação de medicamentos inovadores no mercado. E tudo isso financiado, pelo menos em parte, pelo contribuinte norte americano, sem que a indústria (que goza de incentivos fiscais decorrentes dessas leis) faça a devida dedução dos custos de P&D.

Far-Manguinhos também não se furtou a participar do grupo de trabalho que tratou do tema "Estímulo à competição. Promoção de medicamentos genéricos. Produção, registro, prescrição, distribuição e controle de qualidade", tendo sido aprovada, como proposta principal, a atuação dos países membros junto a organizações internacionais, como OPAS e OMS, para a certificação de centros capacitados a realizar testes de bioequivalência e fornecimento, por parte de tais organizações, de listas de produtores de genéricos e de produtos genéricos aos países em desenvolvimento.

Os resultados dessa primeira conferência podem ser medidos pelo interesse dos governos dos países da América Central em criar políticas e aperfeiçoar leis que permitam o acesso dos pacientes de AIDS aos medicamentos de que tanto precisam. É verdade que todas as soluções não estarão disponíveis num primeiro momento, mas o que é importante é que avanços vêm ocorrendo, já estando marcado o II Congresso Centroamericano de ITS (doenças sexualmente transmissíveis)/HIV/AIDS a se realizar em novembro próximo na Guatemala. Além disso, devido principalmente à atuação das organizações não-governamentais, como por exemplo MSF, AIS, AAB, dentre outras, o nível de informação vem crescendo significativamente naquele continente, o que permitirá aperfeiçoar as estratégias e políticas adotadas para enfrentar essa doença devastadora que é a AIDS.

 

 

Eloan dos Santos Pinheiro é Diretora Executiva de Far-Manguinhos
Maria Fernanda Macedo é Assessora de Propriedade Industrial da Diretoria de Far-Manguinhos
Cristina D'Almeida é Assessora de Propriedade Industrial da Diretoria de Far-Manguinhos

 

Atualizado em 10/10/2001

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