Governança universitária

Por Ricardo Gómez Giraldo

Após mais de duas décadas da criação do sistema colombiano de garantia da qualidade da educação superior, vale a pena refletir sobre a natureza da governança das universidades colombianas, um dos doze fatores que são avaliados para credenciar ou não as instituições como “de alta qualidade”. Conferência apresentada na Universidade Javeriana de Cali, em outubro de 2015.

O sistema colombiano de garantia da qualidade da educação superior chegou a um estado próximo à maturidade e seu impacto nas instituições é mais do que notório. Sou testemunha de que quando as universidades de todos os portes, tipos e localizações possíveis decidem se autoavaliar para se submeter a um novo processo de credenciamento, apenas por esse simples fato, iniciam um processo de crescimento, com consequências positivas e óbvias para os alunos, professores e a sociedade em geral. O sistema representa um impacto inestimável para a nação como um todo.

Dito isso, devo advertir que não estou aqui para falar, por exemplo, sobre a formalidade dos fatores de acreditação institucional, não estou aqui para apontar o fator z, nem sobre a característica y; em vez disso, apresentarei algumas reflexões gerais sobre a governança universitária. Vou falar sobre algumas condições que estão por trás da governança universitária.

Sinto que meu papel nesta reunião é gerar inquietudes; não pretendo suscitar certezas. Também não estou aqui para ser politicamente correto, como devem ser os reitores em exercício; vou falar com a liberdade de quem tem independência.

O objeto de reflexão não poderia ser mais interessante: a governança de uma entidade milenar que é confrontada com uma sociedade mutante no início do século XXI no meio de um país que criou um sistema de ensino superior com suas peculiaridades: poucas universidades públicas, em comparação com o resto da América Latina, e um significativo peso relativo de universidades fundadas e administradas por comunidades religiosas e universidades de família no meio das quais também há universidades sem proprietários nem interesses particulares.

É também uma questão intrigante, porque na realidade a direção e a governança universitária não são fáceis de gerenciar e muito menos de uniformizar. A universidade não é uma empresa, mas seus diretores devem ter habilidades de gestão; não é uma instituição governamental, mas a habilidade política dos reitores e de sua equipe é uma condição essencial de sobrevivência; ela é uma entidade de conhecimento, mas os excessos academicistas na gestão universitária podem colocá-la em risco ou simplesmente estagná-la em discussões fúteis ou excessos de participação acadêmica, aparentemente democrática, mas muitas vezes improdutiva ou paralisante.

A governança universitária é um dispositivo formado pelos elementos adotados para atingir os objetivos do projeto educativo institucional. O dispositivo é liderado pelos diretores universitários que incluem pelo menos os fundadores, o reitor ou reitora, a câmara geral ou o conselho superior, o conselho acadêmico e os decanos, incluindo estruturas, políticas, normas, processos e práticas de gestão.

A governança universitária é, portanto, uma técnica de poder, um conjunto de práticas e procedimentos para atingir os objetivos estratégicos da instituição. No entanto, devemos esclarecer que não existe nenhuma técnica de poder abstrata ou no vácuo: haverá sempre um telos, um propósito final por parte daqueles que detêm o poder.

Talvez para os professores universitários (e acredito que a maioria dos aqui presentes o são), uma boa governança universitária é aquela que os deixa tranquilos, não os incomoda, uma governança imperceptível. Alguém pode discordar disso? Quando a administração da universidade, e nesse termo também incluo os funcionários, a burocracia, as discussões sobre dezenas de diversas comissões, entrega ao professor todo o necessário para sua docência e pesquisa (salário, autonomia, lousa, giz, computador, microscópio, pipeta, livro) de maneira geral, o professor pode se sentir satisfeito.

Para o governo do país, uma boa gestão universitária talvez seja aquela que multiplique em “n” vezes o número de alunos matriculados, o que demonstraria a eficácia das políticas públicas.

Para o estudante e seus pais, talvez uma boa governança universitária seja aquela que oferece a melhor qualidade possível de educação (com o menor custo, diga-se de passagem, mas sabemos que muitos pagariam qualquer valor, contanto que isso garanta dar a seus filhos o que eles consideram ser o melhor). Qualidade, para eles, é o que permite que o graduado consiga um bom emprego e boas perspectivas na carreira, ou que pelo menos possa construir uma carreira consistente com suas aspirações e capacidades.

Para um conselho superior, talvez uma boa governança universitária (na qual o reitor está intimamente ligado e da qual faz parte, é claro) é aquela que permite a maior evolução da instituição, em termos de criação de carreiras, desenvolvimento de pesquisas, patentes e aumento de prestígio, sendo que é preciso compreender que evolução significa mudança, a qual geralmente é lenta (como desejava Karl Popper) e que a mudança real na maioria das vezes mexe com interesses consolidados, benefícios adquiridos e, portanto, pode gerar choques ou mesmo protestos, ainda mais se for radical ou desestabilizadora. Além disso, infelizmente, sabemos de casos nos quais, para a direção superior da gestão universitária, o status quo é funcional para os seus interesses, o que deve ser entendido não só em termos financeiros.

A governança universitária não é uma questão simples. Após dois anos exercendo o cargo de reitor (peço desculpas pela auto-referência presente e pelas futuras), a reação de um dos membros externos do conselho superior da Universidade de Caldas, em meio a uma de suas sessões ordinárias, ou seja, em meio a um debate denso e complexo, quando eu não consegui responder a uma de suas perguntas, ou apenas a respondi de maneira sincera, ou seja, não politicamente correta, foi dizer: “Senhor reitor, o senhor quer dizer que não manda nesta universidade? Então, quem está no comando aqui?” Alguns de nós rimos por dentro, outros não disfarçaram; de maneira geral, essa frase resume um sentimento de qualquer reitor universitário, quer dizer, pelo menos o de uma universidade pública na Colômbia.

Dizem que em Harvard (acho que foi Derek Bo, um de seus antigos reitores, quem disse), o reitor da universidade, uma das melhores do mundo, na realidade não governa, mas é quase uma figura decorativa. Que a universidade funciona quase como uma federação de faculdades em que os diretores são escolhidos por mérito acadêmico, mas dificilmente pode-se dizer que existe uma unidade de controle.

Mais cedo, ouvi de Jorge Eduardo Hurtado, uma espécie de gênio que foi também um dos melhores vice-reitores de sede da Universidade Nacional de Manizales, que a academia não se comporta como gado, que se pastoreia, é maleável e permite que todos sejam conduzidos em uma só direção, não importando tratar-se de uma trilha longa ou de um grande pasto; os acadêmicos, pelo contrário, comportam-se como gatos em debandada, onde cada um toma uma direção e velocidade.

Voltando à minha experiência como reitor: uma vez tivemos a sorte de entrar em contato com um pedagogo de uma universidade na Alemanha. Ele já se relacionava com algumas universidades colombianas, sendo que, por razões acadêmicas e apreço mútuo, decidimos elaborar e assinar um acordo específico de cooperação entre nossas universidades. Para fazer isso foi necessário que um dos nossos professores fizesse mestrado e doutorado lá e que eu fizesse uma visita à universidade. Fiz a visita, que incluiu uma conversa com a reitora à época, em um mês de agosto, quando me prometeram que em setembro o acordo que eu tinha levado assinado seria ratificado pelo seu senado acadêmico. Passaram-se seis anos e a ratificação nunca foi conseguida porque imediatamente após a minha visita, o senado entrou na fase de seleção do reitor e aconteceram mudanças políticas nas diretrizes da universidade alemã. Acontece nas melhores famílias!

Em qualquer universidade, por exemplo, vocês acreditam que uma discussão curricular ou uma discussão sobre o modelo de avaliação dos professores é feita no mesmo ritmo ou apresenta resultados semelhantes na faculdade de engenharia e na faculdade de ciências sociais? Minha resposta é não. Cada faculdade, mesmo cada departamento é um submundo, com uma visão diferente do mundo, com diferentes valores e prioridades.

Esta introdução serve para expor o núcleo do problema: se uma universidade consegue forjar uma identidade perante o mundo, uma identidade de alta qualidade e, no caso colombiano, as universidades são credenciadas como tal, o que fez com que cada uma delas tivesse uma determinada identidade e prestígio? O que nos faz crer que são boas universidades? Será que isso se deve ao fato de que são bem gerenciadas?

Muitos de nós concordamos que a vida ideal de qualquer universidade é aquela em que a difusão e a crítica do conhecimento não são impostas através da autoridade, mas sim o fruto da ciência rigorosa e da arte e criação, do debate, da reflexão e da observação da realidade, e, portanto, as mudanças internas da instituição não devem ser realizadas por decreto, mas por convicção, por decisão dos próprios cientistas, dos acadêmicos (ou pelo menos por uma parte deles) e não apenas por imposição dos diretores. O diálogo, por assim dizer, maduro, feito sob critérios e parâmetros saudáveis, entre os diretores e uma comunidade acadêmica crítica e independente, é uma condição necessária da boa gestão e de uma boa universidade.

No entanto, e não é contraditório dizer isso, eu concordo que as universidades, depois de decorridos mais de quinze anos do século XXI, devem ter a capacidade de mudar algo, talvez mais do que imaginamos, de seu ethos, de sua maneira de ser, suas práticas, se quiserem sobreviver ao presente século com consistência e respeito; e talvez deveriam fazê-lo apesar da capacidade de mudança da mentalidade universitária, não só na Colômbia, como no mundo inteiro.

Basta mencionar, como lembrou Tim Urban, que “somente no pequeno espaço de tempo que transcorreu entre 1995 e 2007, o mundo inteiro testemunhou a explosão da internet, a internalização do Google, Facebook e afins na consciência pública, o nascimento das redes sociais e a introdução [massificação, diria] dos celulares que logo se tornaram telefones inteligentes”[1].

O mesmo Urban, citando a lei de Kurzweil dos “rendimentos acelerados”, adverte que “no ano 2000, a taxa de progresso [tecnológico] foi cinco vezes maior do que a taxa média de progresso ao longo do século XX [e] no século XXI, o progresso será mil vezes maior do que a média do século XX”. Realmente, eu me pergunto: Será que alguém acredita que essas mudanças tecnológicas, que a longo prazo são profundas mudanças sociais, as mudanças que coincidiram com apenas os dez anos da transição entre os séculos, e as mudanças totais do século XXI, deixarão intactas as universidades do modo como as conhecemos nos dias de hoje?

Um interessante estudo sobre as melhores universidades do mundo chegou a uma conclusão sobre quais são as condições da excelência acadêmica. Refiro-me ao trabalho de Jamil Salmi e o que ele chamou de desafio da criação das universidades de classe mundial[2]. Segundo o autor, as universidades que realmente se destacam globalmente têm todos os três elementos-chave: o primeiro, alta concentração de talentos (alunos, professores e pesquisadores de excelência); o segundo, recursos abundantes, tanto de orçamento público como de pesquisa, e os provenientes das mensalidades [quando é o caso]; o terceiro, uma universidade de classe mundial possui uma “governança favorável”, que inclui normas, liberdade acadêmica, visão estratégica, liderança de equipe e cultura da excelência.

Mais que anedótico, é ilustrativo lembrar que na apresentação do seu livro que realizou em Bogotá em 2010, Salmi contou aos presentes que para sua filha foi fácil conseguir que uma universidade dinamarquesa reconhecesse os estudos que fez em Bogotá. No entanto, foi quase impossível para ela fazer a transferência e reconhecimento das matérias entre duas universidades dessa cidade.

Em vista do que foi exposto até aqui, resumirei os três aspectos que devem ser considerados na governança universitária:

Primeiro: os valores, as mentalidades, as maneiras de ver o mundo, não só dos diretores das universidades, mas, como mencionei anteriormente, toda a comunidade universitária. Segundo: o entorno e a legislação. O ambiente político, geográfico e cultural influencia tanto quanto as leis propriamente ditas, as normas positivas, da forma como estão redigidas e regem uma instituição. Terceiro: a liderança. O caráter, as ambições, os temores das autoridades máximas responsáveis da universidade, especialmente o reitor, da maioria do conselho superior, os líderes dos professores e os vice-reitores e o corpo de diretores. A seguir, falarei um pouco sobre cada um deles.

A mentalidade
Com base na minha experiência, sugiro que existe um aspecto fundamental, talvez capital, na gestão da universidade, na realidade, o que mais importa, uma coisa que supera as normas e, quase sempre, as vontades dos diretores: refiro-me à mentalidade tanto da comunidade acadêmica como a do reitor, os fundadores, os proprietários ou os membros do conselho superior. Quando digo mentalidade estou me referindo a um termo nutrido pela psicologia social (com Peter L. Berger, Thomas Luckman e Norbert Elias no topo da lista); os historiadores da cultura (Jacques Legoff, Peter Burke e Marc Bloch) e, claro, as neurociências (onde José Luis Días e Juan Carlos Caicedo com suas contribuições para a compreensão do conceito da consciência e Roger Bartra com o do exo-cérebro são os que iluminam essa ideia).

Partindo deles e de outros, assumo que a mentalidade são os modelos mentais ou visões gerais do mundo, compartilhados culturalmente pelos membros de um mesmo grupo, como as crenças, intenções e interesses, bem como os valores e atitudes.

A mentalidade da comunidade acadêmica é essencial porque mantém um diálogo permanente com a mentalidade das diretrizes da instituição. E, como nos ensina a neurociência contemporânea, a consciência individual e, naturalmente, a consciência coletiva, é o vínculo natural e espontâneo entre o observador e o observado. Uma universidade fundada com base na cópia do modelo americano de universidade não é igual a uma universidade fundada com base no parâmetro da caridade (cristão) ou a uma universidade concebida segundo os parâmetros de um fundador único. Também não é igual, por exemplo, uma universidade criada inicialmente sob a ótica das carreiras da saúde (fundada por médicos) e uma que nasceu precipuamente para o desenvolvimento da engenharia. Também não se pode comparar uma universidade com 40% ou 50% dos professores com doutorado cuja grande maioria foi obtida nos melhores centros de pesquisa do mundo com uma universidade com poucos doutores. Existem exemplos de todas essas situações na Colômbia.

Em termos ideais, uma boa comunidade acadêmica deve ser uma comunidade de seres autônomos e críticos, o que significa que pesquisadores e professores deveriam ser pessoas de julgamento independente, que obviamente não aceitem tudo, mas que, além dessa capacidade, também tenham a capacidade da autocrítica. A teoria diz que a academia procura a independência, a livre circulação de ideias, o diálogo franco etc. etc.

No entanto, de acordo com uma avaliação realizada por um grupo de psicólogos que trabalham a partir da teoria dos sistemas de pensamento desenvolvido por Clare W. Graves e sua equipe, descobriu-se que uma quantidade não desprezível de professores em uma universidade colombiana tem uma atitude defensiva, reativa, quase tribal, contra o que vem de fora e contra as novidades. Talvez não estejamos falando da desconfiança normal da ciência contra o poder, mas daquela que poderia se degenerar em atitudes excessivamente reativas, ou mesmo reacionárias, sendo que os professores gostariam de parecer livres-pensadores. O espaço da vida universitária, do qual praticamente nenhum docente de carreira sai, a não ser por vontade própria, é um espaço que gera pouca autocrítica e está propenso à manutenção do status quo. Conheço universidades que, por exemplo, já há mais de quinze anos, com cinco, seis tentativas de reforma do sistema de avaliação dos professores, ainda não conseguiram fazer mudança alguma, basicamente devido à atitude dos líderes docentes.

Por outro lado, as atitudes construtivas das comunidades acadêmicas são notórias em muitas universidades tanto públicas quanto particulares, e isso se reflete na qualidade e no progresso. O reconhecimento da sociedade – deixando de lado o marketing – mostra maturidade acadêmica e pessoal de seus diretores e comunidades.

O entorno e a legislação
Acredito que, ao falar de entorno, é preciso incluir dois elementos. O primeiro, a institucionalidade mais próxima à universidade: Quem a fundou? Para que foi fundada? A resposta a essas perguntas diz tudo sobre a mentalidade dos fundadores e gestores. Depois de criada, qual é a relação dos fundadores com a instituição criada?

O segundo aspecto a ser analisado inclui a sociedade local, a política nacional e suas interações com a universidade. Vou começar por esse ponto: em sociedades profundamente inovadoras e cujo capitalismo é marcado pela destruição criativa anunciada por Schumpeter, a relação entre a universidade e a comunidade é evidenciada cada vez mais em patentes, empreendimentos, capital de risco, professores-empresários etc. Os melhores exemplos estão nos Estados Unidos. Conheci, por exemplo, um ex-professor da Universidade da Califórnia em San Diego que fundou uma empresa no setor de telecomunicações que já tinha obtido mais de 11 mil patentes e licenciamentos. Em Austin, o IC2 é um centro de inovação, onde os pesquisadores da Universidade do Texas são empresários do ramo da biotecnologia, principalmente. Na Universidade de Purdue, em seu laboratório de nanotecnologia, um dos maiores do mundo, um estudante de doutorado não aspirava ser pesquisador após obter seu título, mas fazer um MBA para logo se tornar empresário. A profunda relação cultural ciência-desenvolvimento tecnológico-capitalismo baseado na inovação ininterrupta marca as universidades mais prestigiadas no mundo contemporâneo.

Por outro lado, venho de uma região agrária, cafeeira, também com certo nível de industrialização, onde foi fundada uma universidade pública entre as décadas de 1940 e 1950, bem no meio da contra-reforma conservadora do século XX. Sete décadas depois de fundada, tempo durante o qual também foram criadas dezenas de cursos de graduação, pós-graduação e até doutorados e ocorreu o nascimento e desenvolvimento de outras universidades públicas e particulares na cidade, podemos dizer que a maneira de ser caldense foi muito influenciada (com mais espírito libertário, contraditório com todo tipo de autoridades, igualdade entre os sexos etc.) pela existência da Universidade de Caldas, a maior da região. Devemos também dizer que muitas das limitações e da prosperidade da instituição se devem aos valores sociais regionais que influenciaram sua alma e a maneira de ser: refiro-me, por exemplo, a certo provincianismo do qual a falta da língua inglesa é apenas um dos sintomas, além do dogmatismo da maioria do seu povo, o qual atenta contra a construção coletiva com base na crítica e na autocrítica.

Aliás, lembro-me que um amigo me fez notar que Jorge Enrique Robledo[3], a alma e a coragem de Moir (enfatizo: movimento obreiro, independente e revolucionário; movimento que ocupa quase sempre a cadeira estudantil no conselho superior da Universidade de Caldas) e os mais notáveis líderes conservadores de Caldas (por aqui são chamados grecoquimbayas e até notáveis) como Fernando Londoño, pai de Fernando Londoño Hoyos[4], coincidem em um ponto: seu dogmatismo, o pensamento e comunicação com a crença de que somente eles têm razão, que suas palavras,  são “verdades inconcussas”.

O que quero dizer com tudo isso é que as universidades dão à sociedade o que ela é capaz de pedir; assim, orientam-se para o que as sociedades locais são, raramente ultrapassando a dinâmica da região onde se estabelecem. Uma boa governança universitária em Chocó ou Guajira não é igual à de Medellín, Cali ou Barranquilla. Nem sequer são iguais as condições externas impostas à governança universitária das instituições em Pereira e Manizales ou Cartagena e Barranquilla, por exemplo, sociedades que ficam muito perto tanto física como culturalmente, mas que nem por isso são idênticas como se poderia pensar.

A colaboração ou apatia da sociedade civil, o respeito ou ingerência por parte de políticos locais na universidade (não somente públicas com também particulares), são diferentes em cada região e, portanto, produzem resultados diferentes.

Quando falo em legislação, refiro-me às normas escritas de uma nação e às regras implícitas e explícitas dos fundadores de uma universidade. Sabemos que na Colômbia o principal parâmetro para diferenciar as universidades é o fato de se tratar de uma universidade pública ou particular. É provável que as universidades públicas tenham um pouco mais de autonomia acadêmica; porém elas estão marcadas pelas rígidas normas da contratação pública; as exasperantes auditorias da Controladoria Pública (que duram até oito meses todos os anos e que geralmente não tratam das estratégias, mas apenas dos detalhes das despesas operacionais); além dos exercícios fiscais anuais, entre outros.

Além disso, é necessário observar que, como a legislação colombiana permite que os governos nacional e regional participem dos conselhos superiores das universidades públicas, a governança universitária é profundamente influenciada pelo estilo e convicções das autoridades públicas. Em outras palavras: a gestão de um reitor e a relevância e importância dos debates e reformas que o conselho superior faz quando o governador em exercício entende quais são os mais altos interesses do conhecimento e das artes, não é a mesma que quando ele acredita que a universidade pública de seu estado é como qualquer outra autarquia. Em termos nacionais, eu diria que é notória a diferença entre a governança universitária nos diferentes mandatos presidenciais: pensemos, por exemplo, nas diferenças entre Pastrana, Uribe e Santos.

No que diz respeito à política interna das universidades públicas, o professor Jaime Jaramillo já tinha abordado parte do cerne da questão em 1963, quando criticou o que chamou de “feudalismo das faculdades” cuja “soberania… constitui o maior obstáculo” para reformas. Porém, ele levantou uma questão mais característica e perniciosa para as universidades públicas da América Latina: “Seria hipocrisia… negar que a intervenção dos estudantes nos países latino-americanos, tanto na vida política como na direção da universidade, tem conseguido, [graças a seus excessos], criar uma atmosfera de medo e desconfiança que está contaminando a atmosfera moral da instituição (…) É provável que, em alguns setores do professorado e da direção universitária, tenha se chegado à conclusão implícita tácita de que sua estabilidade depende da benevolência estudantil e em tais circunstâncias é necessário não agir ou agir com muita cautela. “O medo de parecer reacionário ou pouco progressista está produzindo uma atitude passiva…” E ainda: “Que os políticos e os apóstolos da redenção social pensem que é obrigação da juventude estudantil se tornar uma força política beligerante tem sua explicação e sua lógica”. “Que pensem isso e que estimulem as pessoas que têm em suas mãos a direção educacional, é algo que só pode começar a produzir resultados catastróficos”[5]

As universidades particulares, graças também às normas nacionais, são fundações ou sociedades sem fins lucrativos. Mas isso é só o início: entre elas temos universidades religiosas ou confessionais, com uma relação estreita entre a comunidade que a fundou e que dá o carisma à universidade que rege; mas também temos universidades familiares com os riscos e limitações inerentes que isso implica (ver o caso deplorável da Universidade de San Martín[6]), embora existam exceções interessantes à regra; temos também as que são verdadeiras fundações ou corporações focadas no bem comum; por último, existem algumas que disfarçam de bem comum as intenções principalmente financeiras de seus proprietários. Chama a atenção a existência de universidades particulares nas quais a autoridade plena e única exclusiva é quase unipessoal, tendo, obviamente, o conselho superior e outros; não estou exagerando quando digo que existem reitores que decidem até quais flores plantar no campus e também quando podá-las.

Eu não creio que uma universidade deva ser desqualificada por pertencer a uma comunidade religiosa; na verdade, a formação universitária chegou à Colômbia pelas mãos da Igreja, sendo que nos dias de hoje algumas das melhores universidades do país vêm dessa linhagem. Pelo contrário, acredito que devemos diferenciar entre as comunidades religiosas proprietárias de universidades, quais delas já compreenderam a necessidade de sua total autonomia acadêmica e administrativa e quais ainda não conseguiram liberar a instituição universitária do regime monástico. No país temos ambos os tipos, sendo que as diferenças entre eles são notórias.

A liderança
Apresentado este panorama, podemos abordar o ponto da liderança, elemento que não podemos ignorar se quisermos falar de governança universitária. Uma boa maneira de resumir minha abordagem neste ponto é citar um tweet de Luis H. Aristizabal: “Causa mais danos a falta de caráter do que a falta de inteligência”.

Acredito que a governança universitária da Colômbia, em especial no setor público, exige obviamente caráter, até mesmo coragem, para avançar nas reformas necessárias para conseguir uma instituição que carrega um legado universal pesado e milenar, um legado jurídico-administrativo que a burocratiza, uma tensão com a influência clientelista externa, o que a coloca em risco de corromper-se, e, por último, uma influência política. Já sabemos que na política colombiana, em mais de uma ocasião, infelizmente, são usadas todas as formas de luta, nas quais a corrupção e a violência estão presentes, além de subterfúgios e os egoísmos próprios dos políticos internos das universidades. Dito isso, nem é preciso salientar que é notória e invejável a diferença entre a governança das universidades públicas e particulares e que talvez em grande parte por isso, em longo prazo, as mais sérias das universidades particulares poderiam superar com sobra as universidades públicas.

Mas as universidades particulares também exigem líderes com fibra e decisão; qualquer universidade é um submundo e tem traços de personalidade, se me permitem a expressão; a boa governança das universidades particulares deve preservar a instituição contra a influência da falta de foco, da personalidade, dos interesses e egos de seus fundadores e proprietários. Não podemos negar que as abordagens doutrinárias, os propósitos financeiros, a endogenia (que é muito forte em grande parte das universidades particulares além das públicas; uma questão que merece um estudo sério) e o conforto do status quo são ameaças ou pontos fracos de muitas dessas instituições. E é por esse motivo que precisam de reitores e líderes não apenas com visão, mas com capacidade para superar as suas limitações mais próximas.

Ouvi recentemente um reitor de uma instituição particular (das melhores) dizer uma frase reveladora sobre a política no interior das universidades: “O que nos mata é o equilibrismo; devemos tomar decisões, escolher, sendo que escolher sempre significa abrir mão de algo”. Sei de casos de reitores dedicados a distribuir o poder entre faculdades e decanos, com consequências desastrosas para o desenvolvimento da entidade, para que, em troca, os deixem em paz em sua figura de autoridade máxima.

Por outro lado, e para finalizar, exponho uma crítica à contradição do poder nas instituições antigas e conservadoras. Estou me referindo à reflexão que fez Juan Esteban Constaín em sua coluna no El Tiempo de 13 de fevereiro de 2013, quando Bento XVI renunciou ao seu papado: “Talvez por isso o Papa renunciou em latim, sem falar nas conspirações: porque seu caso captura um dos dramas mais antigos da história: o dilema entre a sabedoria e o poder. O drama da incapacidade que possuem os verdadeiros filósofos de ser políticos bem-sucedidos. Platão disse com amargura em sua Carta VII, além de Boécio na sua Consolação da filosofia: Nada mais triste para um sábio que ter que governar. Em uma sociedade onde todos cobiçam o poder e o agarram como polvos, que fique seu exemplo. O herdeiro da monarquia mais antiga do mundo que renunciou para poder ir ler em paz”.

Em última análise, a governança universitária eficaz depende em grande parte da combinação afortunada de uma comunidade acadêmica e de fundadores e líderes que sejam maduros e autocríticos, que tenha consciência da natureza universitária e ao mesmo tempo seja capaz de aplicar sua própria mudança, que também significa ser capaz de agitar suas próprias estruturas; de um entorno imediato e uma legislação que facilitem  o funcionamento de uma instituição de divulgação e geração de conhecimento per se, que não confunda a universidade com outras instituições, nem com os interesses das pessoas, não importando se são seus fundadores ou proprietários. Somado a isso, a liderança com caráter faz com que as universidades cresçam em tamanho e credibilidade.

Ricardo Gómez Giraldo foi reitor da Universidade de Caldas (Colômbia) entre 2007 e 2013, autor do livro Diários de campo: pesquisa e inovação nas universidades dos EUA (2010). É advogado, mestre em estudos internacionais da Universidade de Leeds (Inglaterra) eoutorando em estudos sociais da Universidade Externado da Colômbia, com o projeto de pesquisa intitulado “A mentalidade das elites colombianas em matéria de ciência e educação – 1982-2015”. Esta versão (ligeiramente reduzida) do artigo foi traduzida para o português por Amin Simaika.

[1] Extraído de http://waitbutwhy.com/2015/01/artificial-intelligence-revolution-1.html

[2] Banco Mundial, Mayo Ediciones. 2009.

[3] Jorge Enrique Robledo é uma dessas figuras centrais da esquerda colombiana dos últimos vinte anos; brilhante professor universitário e senador. Sua plataforma política é o Moir.

[4] Londoño foi o arquétipo do aristocrata de Caldas do século XX. Também foi prefeito de Manizales na época da celebração do seu centenário de fundação em 1950. Seu filho foi ministro do Interior de Alvaro Uribe Vélez, todos exímios conservadores.

[5] Jaramillo Uribe, Jaime. Observações do relatório Atcon sobre as universidades latino-americanas. Em “Da sociologia à história”. Compilação e prólogo por Gonzalo Cataño. Ediciones Uniandes. 1994

[6] Universidade particular, propriedade de uma família que ficou rica ostensivamente às custas da gestão de sua universidade. Sofreu uma intervenção do Ministério da Educação em 2014.