O colorido das flores e a polinização

Por Maria Gabriela G. de Camargo, João Marcelo Robazzi B. V. Aguiar e Pedro Joaquim Bergamo

Como as flores usam as cores para se comunicar com seus polinizadores? Como diferentes polinizadores enxergam estas cores e selecionam as flores que irão visitar?

A relação entre a humanidade e as flores é bastante antiga e importante, tanto que elas são frequentemente encontradas em pinturas rupestres. Porém, o papel das flores em nosso planeta é anterior a nossa interação com elas. A existência das flores data do surgimento de um grupo de plantas, as Angiospermas, entre 280 milhões e 180 milhões de anos atrás, tendo como função primária mediar a reprodução dessas plantas. Essas estruturas são tão importantes que muitas vezes os biólogos referem-se a esse grupo como “plantas com flores”. Além disso, conhecemos mais de 300 mil espécies de Angiospermas, cada uma com seu tipo de flor. A diversidade de formas de flores (e seus arranjos, as inflorescências) é quase inesgotável. É só pensar em formas tão diferentes quanto um girassol imponente, uma espiga achatada como o copo de leite ou violetas, pequenas e delicadas.

Augusta longifolia. Crédito: Maria Gabriela Gutierrez Camargo

Além da diversidade de tamanhos e formas, as flores possuem uma enorme variedade de cores. Flores brancas, amarelas, rosas e lilases são as mais comuns na natureza, enquanto flores azuis, alaranjadas e vermelhas possuem menor ocorrência. Há também casos raros como flores de coloração negra, e, ainda, algumas plantas que possuem flores verdes, que podem se camuflar em meio às folhas. A coloração chamativa é um dos fatores responsáveis pelo nosso encantamento com as flores. No entanto, nas flores polinizadas por animais, as cores desempenham a importante função de atrair polinizadores, funcionando como um sinal na comunicação entre as plantas e esses animais. Portanto, apesar de apreciarmos a beleza das cores das flores, não somos nós o alvo desse sinal, mas sim, os polinizadores.

Lavoisiera campus-portuana. Crédito: Maria Gabriela Gutierrez Camargo

No processo de comunicação entre plantas e polinizadores, as flores que “chamam mais a atenção” tiveram certas vantagens no tempo evolutivo. Por exemplo, uma planta com flores de cores atrativas a seus polinizadores receberia mais visitas e, dessa maneira, teria um maior sucesso reprodutivo que uma flor pouco chamativa. Assim, as flores que “melhor se comunicam” com os seus polinizadores tendem a deixar mais descendentes. De fato, diferentes estudos têm demonstrado que as cores das flores evoluíram de forma a atrair polinizadores, sendo a diversidade atual de flores resultado, principalmente, da forma como esses polinizadores escolhem as flores que irão visitar. É importante ressaltar que as flores possuem outros sinais como o tamanho, a simetria e a fragrância, que também são importantes na comunicação entre as flores e seus polinizadores.

Lavoisiera imbricata. Crédito: Maria Gabriela Gutierrez Camargo

Uma questão que sempre intrigou os pesquisadores é se outros animais veem o mundo da mesma forma que os seres humanos. Hoje sabemos que uma flor atrativa para nós não necessariamente será atrativa para abelhas, borboletas ou beija-flores. Cada animal tem uma fisiologia de visão diferente e, portanto, enxerga as cores de modos distintos. O maior exemplo disso na polinização é que muitas flores refletem a luz ultravioleta, invisível para nós mas visível para muitos insetos e aves. Mesmo as flores polinizadas por animais noturnos, como mariposas e morcegos, possuem cores chamativas para esses animais e adaptadas à baixa luminosidade. Portanto, para compreendermos o papel das cores das flores na polinização é necessário sabermos como cada grupo de polinizadores percebe essas cores.

Ouratea spectabilis. Crédito: Maria Gabriela Gutierrez Camargo

Nos olhos de todos os animais existem células responsáveis pela captação de luz, os fotorreceptores. Os fotorreceptores funcionam como sensores de determinados “tipos de luz”, ou seja, diferentes comprimentos de onda que associamos a determinadas cores. A visão colorida dos humanos é tricromática, ou seja, possuímos três tipos de fotorreceptores. Nossos fotorreceptores são sensíveis aos comprimentos de onda correspondentes ao azul, ao verde e ao vermelho. Portanto, percebemos essas três cores e suas possíveis combinações. As abelhas também possuem visão tricromática, mas com fotorreceptores sensíveis ao ultravioleta, azul e verde. Apesar de perceberem a luz ultravioleta, as abelhas não são sensíveis ao vermelho. Uma flor vermelha não tem cor para abelhas, ou seja, é acromática, sendo pouco atrativa e dificilmente detectada em meio à vegetação. Já as aves, como os beija-flores, possuem visão tetracromática, com fotorreceptores sensíveis ao ultravioleta, azul, verde e vermelho. Imagine quantas cores diferentes um beija-flor consegue enxergar!

Passiflora sp. Crédito: Maria Gabriela Gutierrez Camargo

Desde o início do século XX, antes mesmo de descobrirmos os diferentes tipos de fotorreceptores em animais, já sabíamos que as abelhas eram capazes de enxergar cores. Isso graças a um experimento realizado pelo pesquisador alemão Karl von Frisch demonstrando que as abelhas conseguiam diferenciar papeis coloridos. Para realizar esse experimento, ele treinou as abelhas para associarem uma determinada cor com a presença de alimento utilizando flores artificiais. As abelhas aprenderam que aquela cor possuía alimento e, no meio de flores artificiais de outras cores, elas conseguiam identificar aquela com a cor certa para obter alimento. Outros experimentos com o treinamento de abelhas revelaram que elas também possuem cores preferidas, sendo o azul a principal delas. Mas por que então vemos as abelhas visitando flores de outras cores?

Vellozia nivea. Crédito: Maria Gabriela Gutierrez Camargo

Além de perceberem diferentes cores, as abelhas são capazes de associar os sinais florais com a presença de seus principais alimentos, como o pólen ou néctar. Essa capacidade de percepção e aprendizado permite que as abelhas avaliem, por tentativa e erro, quais flores são as mais vantajosas de serem visitadas. Assim, mesmo com a preferência pela cor azul, se uma flor amarela possui mais néctar, as abelhas associam a cor amarela à maior disponibilidade de alimento e passam a visitar aquelas flores com maior frequência. Outros polinizadores, como moscas e besouros, também possuem preferências por determinadas cores. Porém, nenhum experimento até hoje demonstrou preferência por cor em beija-flores.

Enquanto flores polinizadas por abelhas refletem, principalmente, comprimentos de ondas correspondentes ao ultravioleta e ao azul, existe uma tendência a flores polinizadas por beija-flores serem alaranjadas ou vermelhas. Mas se os beija-flores enxergam um amplo espectro de cores e não apresentam preferências por determinadas cores o que, então, explicaria tal padrão? Como as abelhas, e alguns outros insetos, não percebem o vermelho, flores vermelhas representam um canal de cor praticamente exclusivo para os beija-flores. Desse modo, ao visitarem flores vermelhas, os beija-flores encontram uma maior disponibilidade de néctar e evitam a competição por alimento com animais que não detectam bem essas flores. O padrão também é vantajoso para as plantas. Flores vermelhas favorecem a visita de beija-flores que geralmente são seus polinizadores mais efetivos. Além disso, essas flores evitam a visita dos que coletam néctar ou pólen sem promover a polinização, ou herbívoros que podem danificar as flores. Portanto, somente ao considerarmos as diferenças na forma como os polinizadores veem as cores que descobrimos que, apesar da função principal de atração dos polinizadores, as cores também podem evitar visitantes florais indesejados.

Além da cor predominante das flores, geralmente correspondente às pétalas, muitas flores apresentam mais de uma cor. Essas combinações de cores também são importantes na atração dos polinizadores e são mais frequentes em flores polinizadas por insetos, como abelhas e moscas, do que em flores polinizadas por beija-flores. Essas cores de “dentro da flor” são chamadas guias florais, são linhas, manchas ou pontos coloridos nas pétalas ou no centro da flor que aumentam o contraste das flores e indicam a localização do pólen ou néctar para os polinizadores. Muitas vezes essas combinações de cores não são tão chamativas para nós quanto para as abelhas. Por exemplo, algumas flores apresentam partes que absorvem e outras que refletem a luz ultravioleta. Essa combinação é bastante atrativa para as abelhas, mas invisível para nós, que enxergamos a flor como tendo uma única cor. Portanto, detalhes das flores que às vezes não percebemos também são importantes canais de comunicação entre as flores e seus polinizadores.

Assim como em outras formas de comunicação, as cores das flores são sinais que devem chegar a seus receptores. Abelhas, aves, moscas, borboletas ou humanos enxergam, interpretam e respondem de maneira distinta a esses sinais tão importantes produzidos pelas flores que são cores e combinações de cores. Portanto, mudar nosso ponto de vista é fundamental para entender a evolução das cores das flores e seu papel na polinização: é preciso tentar enxergá-las com os olhos dos polinizadores!

Maria Gabriela Gutierrez Camargo é ecóloga, doutora em biologia vegetal e pós-doutoranda no Laboratório de Fenologia na Unesp de Rio Claro. Tem como linha de pesquisa a fenologia de comunidades de plantas e interações entre plantas e animais. Desde o doutorado  investiga a diversidade de cores de flores e frutos em comunidades de plantas e o papel dessas cores na polinização e na dispersão de sementes por animais.

João Marcelo Robazzi B. V. Aguiar é biólogo, doutor em ecologia e em neurociências, pós doutorando no Laboratório de Insetos Sociais na USP de Ribeirão Preto. Atualmente estuda os aspectos cognitivos das abelhas que estão relacionados à escolha de flores no processo de polinização.

Pedro Joaquim Bergamo é biólogo, doutorando em ecologia no Laboratório de Biossistemática e Polinização da Unicamp. Estuda os processos que geram a diversidade das flores (incluindo suas cores) em ecossistemas naturais, bem como as implicações dessa diversidade na polinização.