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Radiação cósmica pode interferir nas comunicações

Os modernos sistemas de comunicação, tais como TV a cabo e aparelhos celulares, que operaram por sinais de satélites, podem sofrer interferências no seu funcionamento, causadas por fenômenos provocados no espaço interplanetário. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e o Centro de Tecnologia Aeroespacial - CTA, têm sido procurados, para esclarecer quais podem ser as causas dessas interferências e quais as possíveis soluções para o problema. Duas dessas causas já são conhecidas: as radiações cósmicas liberadas em tempestades solares e o fenômeno das bolhas ionosféricas ou de plasma.

As radiações cósmicas ocorrem quando a atividade solar está no máximo, o que provoca as chamadas tempestades solares. Esse fenômeno é raro, ocorrendo em média a cada onze anos. Já o fenômeno das bolhas inonosféricas, acontece com o pôr do sol, no dia-a-dia, variando sazonalmente, ou seja, de acordo com a posição da Terra em relação ao movimento de translação referente ao Sol.

A Terra recebe radiação cósmica de diferentes energias, vindas do espaço interplanetário e galáctico, porém um tipo de radiação cósmica de baixa energia - elétrons, prótons e íons, com energia igual ou menor a 1 Gigaeletronvolt (GeV), chega do Sol pelas chamadas tempestades solares. Estas tempestades consistem em erupções na superfície solar que liberam matéria acumulada (as manchas solares) no campo magnético solar. A matéria liberada nessas tempestades é o plasma quente, que são prótons e elétrons e íons, que não formaram nenhum átomo neutro e constituem, basicamente, gás eletrificado.

Essas partículas liberadas, ao se aproximarem da Terra, sofrem influência do campo magnético terrestre(lado esquerdo da Figura 1) uma região grande que circunda a Terra, no qual o vento solar é acelerado. O campo magnético terrestre não se estende indefinidamente, mas é limitado a uma cavidade no interior do sistema solar chamada magnetosfera ou invólucro magnético.

Campo magnético da Terra formando a magnetosfera (modelo simulado). Fonte: INPE

O pesquisador da Divisão de Materiais do Instituto de Aeronáutica e Espaço do CTA, Inácio Malmonge Martin explica que essas partículas, de acordo com a energia de chegada, são aprisionadas nas linhas de campo magnético da Terra, fazendo três movimentos. O primeiro, de giro em torno da linha de campo magnético; o segundo, de vai e vem (bounce) entre os pólos e o terceiro, de deslocamento azimutal (que é o ângulo formado a partir de uma direção fixa no terreno) em torno da Terra. Essas condições entre velocidade ou energia de chegada e o valor do campo magnético encontrado, possibilita a essa radiação solar, com os três movimentos descritos, configurar os chamados cinturões de radiação da Terra.

Quando o Sol apresenta um número grande de erupções solares (solar flares), parte dessas radiações são ejetadas ao espaço (Coronal Mass Ejection - CME), atingindo a Terra. Os cinturões de radiação se enchem e transbordam, através de injeção de plasma para a magnetosfera terrestre, ionizando em demasia as regiões mais baixas da atmosfera como a ionosfera e mesosfera (camadas intermediárias da atmosfera). Essa ionização traz diversas conseqüências para a Terra principalmente nas telecomunicações e mudanças climáticas.

Os efeitos das tempestades solares nos modernos sistemas de telecomunicações, se dão pelas interferências nas ondas eletromagnéticas, podendo inclusive prejudicar materiais como circuitos integrados, computadores de bordo, satélites, foguetes e balões estratosféricos. A tempestade solar ocorrida em 1989, por exemplo, atingiu o Canadá deixando quase seis milhões de canadenses sem energia elétrica. Onze anos depois, em 2000, o satélite brasileiro Brasilsat sofreu interrupções em seu funcionamento devido a uma forte tempestade solar. O fluxo magnético vindo do sol pode provocar fortes ondas de descarga elétrica nos cabos de transmissão de força, causando curto-circuitos e queimando equipamentos. Foi o que aconteceu na província canadense de Quebec, quando as bobinas de uma estação transformadora se derreteram e pegaram fogo, provocando um blecaute na área.

Martin explica que o maior número de erupções ocorre quando o ciclo solar está no máximo (maior número de manchas solares). "Nessa ocasião o número de interferência nas telecomunicações aumenta porque um maior número de partículas de baixa energia do Sol consegue penetrar na magnetosfera". Por esse caminho as radiações atingem a baixa atmosfera terrestre e criam-se volumes de cargas elétricas isoladas que se descarregam no próprio meio causando grandes interferências eletromagnéticas.

Uma forma de prevenir-se contra essas explosões é através de recepção de mensagens enviadas pelo satélite Soho, que atua na posição intermediária entre a Terra e o Sol e detecta as explosões na superfície solar, avisando com uma hora de antecedência a chegada da tempestade cósmica à Terra. José Humberto Sobral, do INPE, explica que o Soho produz imagens ópticas a partir das quais se pode inferir a quantidade de matéria coronal ejetada (Coronal Mass Ejection-CME). O aviso, veiculado pela internet, permite que as distribuidoras de energia elétrica, por exemplo, evitem danos em suas redes, enquanto as operadoras de satélite podem se proteger, corrigindo cursos de satélites ou desligando seus equipamentos.

Bolhas ionosféricas interferem nas telecomunicações
As pesquisas referentes à ionosfera terrestre foram iniciadas pelo Inpe em 1963, mas o fenômeno relacionado às bolhas ionosféricas começou a ser estudado pela Divisão de Aeronomia (DAE) do Inpe em 1976. As bolhas ionosféricas são grandes regiões alinhadas ao campo magnético terrestre, nas quais a densidade do plasma é altamente reduzida em relação à densidade do plasma ambiente. Durante o dia, a ionosfera tem mais elétrons e íons livres circulando, devido à radiação solar, o que a torna mais densa. Ao anoitecer, começa um processo de combinação entre esses elementos (elétrons e íons) e a ionosfera começa a se elevar e a desaparecer, migrando para leste e formando as bolhas de plasma.

O pesquisador, José Humberto de Andrade Sobral, do Inpe, informa que nos últimos anos o Instituto tem sido contatado por empresas privadas e públicas que tiveram problemas de interrupção ou eventos de séria degradação de sinais nos seus sistemas de telecomunicação, devido a presença das bolhas ionosféricas. Os efeitos das bolhas sobre as telecomunicações e principalmente em sistemas de posicionamento (GPS - Global Positioning System) ocorrem com diversos graus de intensidade, dependendo de quanto o sistema está preparado para resolver o problema da interferência.

Alguns sistemas modernos de telecomunicações conseguem vencer completamente as interferências das bolhas ionosféricas. Já outros, estão sujeitos a sofrerem danos em suas transmissões (ondas eletromagnéticas). Algumas interferências podem ser observadas na tela da TV (através de pontos luminosos ou escuros espalhados por toda a tela) ou nas transmissões de rádio. Isso acontece, não pela má qualidade do aparelho, mas pela interferência nas transmissões por satélite das chamadas bolhas ionosféricas ou bolhas de plasma.

As bolhas causam cintilação de amplitude e de fase nas ondas de rádio, resultando na degradação do sinal e conseqüente perda de qualidade das telecomunicações tanto via ionosfera como por satélite, podendo até causar a completa interrupção nas telecomunicações por um período de quatro horas, conforme tem sido observado no território brasileiro.

O pesquisador explica que as bolhas ocorrem próximo à região tropical e, portanto, não ocorrem em países de primeiro mundo. "Elas ocorrem a uma altura de aproximadamente 250km e se estendem por centenas de quilômetros ao longo das linhas de campo magnético terrestre podendo atingir uma altura máxima superior a 1500km na região do equador", diz Sobral.

Ilustração do movimento das bolhas ionosféricas sobre a região brasileira. A metade mais clara do globo terrestre na ilustração representa o dia e a parte mais escura representa a noite. Observe que as bolhas se deslocam para leste, acompanhando o equador magnético terrestre. Elas se formam logo após o pôr do sol e aumentam de tamanho, à medida que se deslocam para leste, tomando dimensões transequatoriais. Elas ocorrem apenas no setor noturno. As extremidades das bolhas encontram-se em pontos geomagneticamente conjugados, os quais estão localizados em pontos aproximadamente simétricos em relação ao equador geomagnético. (Fonte: Inpe)

O pesquisador explica ainda que as bolhas, sobre o território brasileiro, apresentam características únicas em relação às outras partes do globo terrestre. "Conforme verificado por extensivas medidas ionosféricas efetuadas por satélites, as bolhas ionosféricas por razões ainda não bem compreendidas, ocorrem com mais freqüência sobre o território brasileiro, que em outros setores longitudinais da região tropical".

Os instrumentos que medem as bolhas ionosféricas no Brasil são os imagiadores ópticos. O DAE possui um aparelho desses operando em São João do Cariri-PB e em breve terá outro operando em Cachoeira Paulista-SP. Os sondadores ionosféricos são instrumentos conhecidos por ionossondas, cuja função é medir o perfil de densidade eletrônica da ionosfera e podem detectar a presença das bolhas. As bolhas ionosféricas interferem nas transmissões transionosféricas, ou seja, todas as transmissões cujo caminho passa pela ionosfera.

Para o pesquisador do Inpe, algumas medidas para se contornar as interferências causadas pelas bolhas ionosféricas podem ser a adoção de satélites com maiores potências de transmissão, além do aperfeiçoamento do processamento de dados na estação receptora das telecomunicações.

(AG)

 
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Atualizado em 10/05/2003
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