Reportagens






 
Memória computacional é comparada com a memória humana

Há muito tempo se tenta comparar a memória humana à da máquina. A professora Vani Moreira Kenski, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), explica que essas comparações são antigas, e que existem exemplos disso em relação à máquina a vapor e ao relógio. Apesar das semelhanças entre esses dois tipos de memória - a humana e a da máquina - a pesquisadora destaca que a memória humana mostrou ser a mais complexa entre todas.

Porém, para entender mais sobre memória computacional é necessário antes entender as novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC) e a sociedade informacional, um tema bastante pesquisado na sociedade atual. É por essas novas tecnologias e seus avanços que são fornecidos mecanismos que possibilitam cada vez mais a ampliação do armazenamento da produção do conhecimento humano, mas é preciso ampliar também cada vez mais, o acesso de todas as pessoas ao material armazenado.

A preocupação de armazenar a produção dos cientistas data de pelo menos dois séculos. Por volta de 1789, no Iluminismo, alguns intelectuais lutaram pelos ideias de liberdade, fraternidade e igualdade, tinham também a idéia de compilar e democratização da informação, o que deu origem à enciclopédia.

Kenski usa o exemplo da enciclopédia para fazer uma comparação com a internet. Para ela, a rede viabiliza a idéia dos iluministas de maneira quase infinita, como a memória humana. Esta, por sua vez, é articulável e adaptável à memória computacional que é limitada pelo porte do computador.

"A memória da internet é o somatório de tudo o que as pessoas que têm acesso à tecnologia digital possam ou queiram disponibilizar nesse espaço", diz Kenski. Para quem tem acesso às novas tecnologias da informação e comunicação (NTIC), há uma grande vantagem em relação à enciclopédia e a qualquer outra publicação (livros, artigos, revistas) que é o acesso em tempo real às informações. A internet seria hoje o grande repositório de informações, científicas ou não, que permite que se reavive a memória sobre essas informações a qualquer momento.

Kenski comenta que, antes da internet, ao se fazer uma pesquisa, era fundamental a ida a bibliotecas. Outra vantagem que ela aponta é o tempo entre uma descoberta e sua publicação, que poderia levar meses e até anos e hoje, as universidades e alguns pesquisadores possuem páginas próprias na rede, nas quais podem disponibilizar os resultados de suas pesquisas. Além disso, o baixo custo da internet, facilitou a criação de um grande número de publicações, que seriam inviáveis no papel. A pesquisadora destaca duas características muito importantes da internet para a prática científica: primeiro, a rapidez e a facilidade do acesso à informação e, segundo, a comunicação, interação e articulação entre os pesquisadores.

Esses novos objetos técnicos que vêm sendo introduzidos na vida do homem, ao longo da história, vêm mudando intensamente o modo de vida das pessoas e é um importante ativo na prática científica atual, conforme explica Maria Cristina Hayashi, à frente de seu grupo de pesquisa do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Para esses pesquisadores um ponto a ser destacado é a facilidade e agilidade de publicação e disseminação do conhecimento produzido pela comunidade científica por meio de bancos digitais de teses e bibliotecas on line. Entre as publicações científicas que são disponibilizadas por meio de bibliotecas eletrônicas, eles destacam o SciELO (Fapesp/Bireme) e o portal de periódicos da Capes.

A prática de comparar a memória humana com alguma tecnologia vigente já é antiga. Em sua música de 1969, "Cérebro eletrônico", Gilberto Gil já procurou fazer uma comparação entre a memória humana e a memória do computador. Ele atribuía algumas funções a esses dois tipos de memórias ressaltando suas diferenças. Mas essa comparação vai além da arte.
Para Daniel Durante Pereira Alves, professor de Filosofia da Ciência e da Tecnologia do Instituto de Geociências da Unicamp, é difícil comparar as duas memórias porque elas são muito diferentes. "Em uma comparação podemos dizer que o cérebro humano é um super computador, no sentido que ele tem bilhões de neurônios e uma capacidade de processamento extremamente poderosa, mas trabalha de maneira diferente, os sinais são mais lentos", diz ele. "Podemos, por exemplo, fazer milhares de coisas ao mesmo tempo", completa.

De qualquer forma, ele acredita que comparar a memória humana com a computacional é importante para nos remeter ao aspecto da utilização que fazemos da tecnologia e como vivemos e convivemos com ela.

Para ele, há também um lado perverso desse excesso de capacidade de armazenamento da informação em meio digital e da grande confiança que é depositada à memória dos computadores. Ele acredita que, para que a vida na terra se transforme em um caos, não é preciso pensar em uma grande catástrofe natural ou uma epidemia mortal, basta que todos os computadores e suas respectivas memórias se apaguem, do dia para a noite, para que as contas bancárias, dados e conhecimentos armazenados e muitas outras coisas que estão gravadas apenas em meio digital, desapareçam.

"Precisamos refletir qual é o papel da tecnologia em nossas vidas", reforça Alves. Segundo ele, não adianta ter um computador com uma grande capacidade de armazenar informação se a memória humana, que é responsável por fazer as articulações das informações recebidas, não estiver devidamente estruturada para tal tarefa. "É evidente que ela tem maior capacidade que a memória humana, mas essa capacidade é vazia sem a interação da memória humana com a do computador", diz ele.


(AG)

 
Anterior Proxima
Atualizado em 10/03/2004
http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2003
SBPC/Labjor
Brasil