A era da (des)informação

Por Tássia Biazon

A internet mudou a dinâmica da transmissão de informações, e mais facilmente fatos se misturam com meias-verdades e inverdades, já que é um ambiente em que qualquer pessoa tem capacidade de produzir, acessar ou difundir uma heterogeneidade de informações. O que, de um lado, oferece maior democratização do conhecimento, por outro, facilita a disseminação do equívoco.

Em março de 2017 a ONU divulgou uma declaração afirmando que as notícias falsas, a desinformação e a propaganda são uma ameaça global. E o problema, claro, não é novo. Basta lembrar o caso da Escola Base, quando, em março de 1994, uma escola particular da cidade de São Paulo ficou conhecida nacionalmente, por meio da imprensa, por uma denúncia de que seus proprietários e mais quatro funcionários teriam abusado sexualmente dos alunos. Só que tudo se tratava de um grave equívoco. Um dos muitos exemplos que mostram o quanto uma informação transmitida como fato pode gerar consequências desastrosas.

Atualmente, o problema mostra-se agravado devido ao imenso volume de informação circulante. Nunca foi tão fácil acessar a informação. Em contrapartida, nunca foi tão fácil se informar erroneamente. Como se fossem mensagens transmitidas durante a brincadeira do telefone sem fio, muitas vezes, as informações são equivocadas, manipuladas ou perdidas.

A internet mudou a dinâmica da transmissão de informações, e mais facilmente fatos se misturam com meias-verdades e inverdades, já que é um ambiente em que qualquer pessoa tem capacidade de produzir, acessar ou difundir uma heterogeneidade de informações. O que, de um lado, oferece maior democratização do conhecimento, por outro, facilita a disseminação do equívoco.

O jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP afirma: “A informação é menos abundante que a desinformação”. E ressalva: “A era digital não inventou as notícias falsas, assim como não inventou a desinformação. O livro Protocolos dos sábios do Sião, uma calúnia notória, uma infâmia a serviço do antissemitismo mais baixo, é muito anterior à invenção do computador e, não obstante, promoveu um estrago sem tamanhos. A era digital facilita o fluxo dos relatos, sejam eles bons ou maus. Só isso”.

Corroborando com a fala de Bucci, em entrevista à revista Carta Capital em janeiro de 2017, o jornalista Moisés Mendes diz: “A mentira na internet é a que sempre circulou na mesa de bar ou no churrasco de domingo, mas agora está potencializada por um meio”, afirmando que a verdade e a mentira contidas na web são as mesmas de uma conversa em qualquer lugar.

Essa potencialização fez com que o ano de 2016 fosse marcado por uma palavra: “pós-verdade”. O termo “se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.

Nem objetivo nem subjetivo
A preocupação em informar a população existe há séculos. A Acta diurna, o mais antigo “jornal” conhecido, composto de grandes placas brancas expostas em lugares públicos, surgiu em Roma cerca de 59 a.C, a pedido do político romano Júlio César, que ordenou a divulgação dos acontecimentos à população.

Até hoje permanece em cena a obra Um inimigo do povo, publicada em 1882 pelo dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906). A peça expõe o quanto a verdade custa a sobreviver em meio à corrupção dos grandes poderes, quando um médico de uma cidade balneária descobre que as águas no entorno do munícipio estão contaminadas e pretende revelar o fato no jornal da cidade, mas enfrenta a resistência das autoridades. A obra reflete sobre a prática jornalística, que deve ser sustentada pela ética, revelando a verdade acima de qualquer outro interesse.

O jornalismo, enquanto um conjunto de habilidades voltadas à captação de informações, e a imprensa, que compõe os meios de divulgação do trabalho jornalístico, modulam o chamado por alguns de “quarto poder”: a mídia, caracterizada por qualquer suporte que realize a difusão da informação, seja rádio, televisão, imprensa, internet etc.

Teoricamente, um fato deveria ser exposto com imparcialidade. Mas existe imparcialidade no discurso midiático? Uma série de fatores tem influência na narrativa jornalística. Por exemplo, ela envolve relações de poder entre jornalistas e fontes e realiza uma seleção dos acontecimentos, fatores que implicam em não haver um texto estritamente objetivo nem subjetivo, conforme explica em artigo Isabelle Anchieta de Melo, doutora em sociologia pela USP.

Assim como não se deva crer em uma objetividade jornalística – em que não haveria uma distinção entre a realidade e a notícia – também não há uma subjetividade, em que o indivíduo ou o corpo editorial selecione indiscriminadamente o que seria uma notícia. A objetividade no jornalismo se configuraria por uma narrativa equilibrada, que para Eugênio Bucci pode ser chamada de intersubjetividade.

Bucci afirma que não há uma comunicação humana estritamente objetiva. “No campo do jornalismo, especificamente do jornalismo político, só o que se pode pretender é uma intersubjetividade equilibrada e bem nivelada. Aliás, no jornalismo, a melhor objetividade é uma realização justa da intersubjetividade. A comunicação, afinal de contas, é por definição um elo intersubjetivo, próprio da linguagem. A comunicação objetiva, portanto, não é bem aquela que decorre do objeto, mas a que decorre de um entendimento entre sujeitos num discurso compartilhado e mediado por uma razão compartilhada, mesmo que essa razão incorpore e preveja divergências e dissidências”, diz.

“Poderíamos dizer mais ou menos o mesmo na política, embora a ação política não tenha compromisso com a verdade. O jornalismo professa um compromisso com a verdade e com a liberdade, enquanto a política, diferentemente, tem compromisso com o atingimento de fins, o que deixa entreaberta a possibilidade de falta episódica com a verdade (o que não é admissível na ética jornalística). Na política, entretanto, um suposto ideal de objetividade é ainda mais improvável que no jornalismo. O ideal da objetividade, no jornalismo, se reduz à fidelidade a um compromisso estrito com a verdade factual, aquela passível de ser verificada pelas habilidades médias dos seres humanos”, analisa o jornalista.

Mídias sociais, crise e a influência na opinião pública
O filósofo e professor da USP Pablo Ortellado afirma que a mídia é, sem dúvida, um componente da crise pela qual o país atravessa. E a atuação das mídias sociais como agente mobilizador tem se sobressaído. Conforme mostra o artigo “O poder da comunicação das redes sociais nos movimentos populares”, e a reportagem da BBC Brasil, “Brasileiros ‘descobrem’ mobilização em redes sociais durante protestos”, o Facebook foi crucial para a organização dos protestos que começaram em junho de 2013.

Ortellado faz um alerta, porém, para a questão da radicalização dos discursos. “A produção de notícias e análises de opinião está muito contaminada pela polarização, que não é apenas antagonismo partidário, mas intolerância a posições divergentes e uma abordagem beligerante de todos os assuntos políticos”. Para ele, “com o advento das novas mídias, novos atores como pequenos sites independentes e novas personalidades das redes sociais ganharam protagonismo no debate público, superando, em alguns casos, os meios de comunicação de massa tradicionais”.

“Era de se esperar que essas novas vozes trouxessem mais diversidade e pluralidade de pontos de vista, mas como a polarização é um fenômeno social difuso e enraizado na sociedade, a maior parte dessas novas vozes foram tragadas pelos dois vórtices e recrutadas para a guerra. Como os dois lados falam muito alto e de maneira coordenada, nos meios tradicionais e nos meios novos e alternativos, eles sufocam as tentativas esparsas e desarticuladas de veicular visões independentes. O resultado é que a guerra política é uma máquina que produz desinformação”, expõe Ortellado.

Buscando caminhos para a relevância da informação
Entre os dilemas e desafios da contemporaneidade, está o fato de que as informações são divulgadas e incorporadas ao repertório popular, sejam elas falsas ou verdadeiras. O artigo “Science vs conspiracy: collective narratives in the age of misinformation” (2015), cita que o Fórum Econômico Mundial listou a desinformação digital como um dos principais riscos para a sociedade moderna. E então é preciso questionar: o quanto você sabe sobre aquilo que diz? E o quanto você pensa sobre aquilo que lê? Paradoxalmente, na era da informação, o que mais há são pessoas desinformadas.

“Os novos meios eletrônicos trouxeram muitas vozes novas e interessantes que não tinham espaço nos grandes veículos de massa. No entanto, com a polarização política que tomou de vez o país, o debate plural foi sufocado por uma guerra de propaganda que repete jargões e narrativas pré-concebidas. Nesse cenário, é muito difícil se informar para formar juízo político”, avalia Ortellado. “Tudo deve ser lido a partir da posição em que se está nesta guerra, e as tentativas sobreviventes de se fazer um debate político com substância ou de se fazer jornalismo bem feito devem ser celebradas”, complementa.

Para Eugênio Bucci, a melhor maneira de se informar é buscar lastros de confiabilidade na origem das informações, dos relatos e das opiniões. “O cidadão deve se preocupar com a origem e com a assinatura dos discursos informativos e opinativos em que se baseia. Ele deve confiar nos títulos que já conhece – e deve desconfiar dos enunciados sem origem clara e chancelados por agentes sem vínculos orgânicos com instituições informativas confiáveis a seus olhos”.  

O livro Admirável mundo novo, escrito em 1932 pelo inglês Aldous Leonard Huxley, previa como seria a sociedade futura. Por exemplo, ele imaginava o uso da engenharia genética – cada vez mais, estudos científicos são baseados em técnicas de manipulação dos genes. Outra hipótese que Huxley abordou no livro foi a de que a verdade estaria imersa em um mar de irrelevância – situação em que a sociedade parece, de fato, cada vez mais mergulhada.

“Estamos num mundo inundado por informação e, justamente por isso, critérios de hierarquização são necessários. Há os velhos critérios da reputação e da seleção editorial, de um lado e os novos critérios dos algoritmos que regem os programas de computador. O problema, assim, não me parece tanto o excesso, mas a transparência e o controle da determinação do que é relevante. Como diz Noam Chomsky [linguista americano], a censura numa sociedade liberal-democrática não consiste em impedir alguma coisa de ser dita, mas de não dar destaque ao que é verdadeiramente importante”, finaliza Ortellado.

Tássia Oliveira Biazon é formada em Ciências Biológicas pela Unesp Botucatu, com dupla diplomação pela Universidade de Coimbra, Portugal. Possui pós-graduação em Jornalismo Científico pela Unicamp e desenvolve um projeto de divulgação científica do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), financiado pela bolsa Mídia Ciência da Fapesp, sob a orientação do Prof. Dr. Alexander Turra.