Como o método científico se aplica às pesquisas sobre o novo coronavírus

Por Carolina Sotério

Muito mais próximo de uma forma de reduzir incertezas, o método científico se consagrou historicamente por impulsionar a construção de novos conhecimentos.

Imagem: Vecteezy.com

Observar, perguntar, formular uma hipótese, testar, analisar e concluir. Resumidamente, esses são alguns dos passos que norteiam o método científico. Em tempos de pandemia do novo coronavírus, a produção de um novo conhecimento vem à tona ao assistirmos de camarote o desenvolvimento de medicamentos ou vacinas promissoras. Não basta apenas acreditar em uma saída milagrosa. É preciso seguir passos pré-estabelecidos pela ciência para comprovar sua eficiência e segurança antes de apostar em uma cura.

As hipóteses

Cientistas de todo mundo trabalham juntos sobre uma pergunta de ordem mundial: como conter o novo coronavírus? As hipóteses – ideias que podem servir de resposta para essa questão – são várias: por meio de novos ou antigos medicamentos, vacinas e até mesmo medidas não farmacológicas, como o distanciamento social. Porém, para verificar essas possibilidades, é preciso testar. Nesse sentido, a experimentação ganha um lugar de destaque ao trazer evidências que corroborem ou descartem tais ideias. No entanto, com a expectativa de encontrar respostas rápidas, desinformações têm circulado pelas redes sociais sobre possíveis medicamentos para a covid-19. No cenário político, figuras públicas tomadoras de decisões têm reforçado essas atitudes por meio de apostas em certos tratamentos sem respaldo científico, como é o caso da discussão a respeito da cloroquina, medicamento antimalarial cujos estudos não têm sido promissores para o novo coronavírus. Embora estejamos vivenciando uma situação inédita, o posicionamento favorável a algumas das propostas sem evidências fundamentadas é impensável. “Não se trata de dizer ‘eu acho que…’, e sim de demonstrar, à luz do conhecimento científico, como se pode e se deve resolver os problemas”, diz Carlos Alberto Lombardi Filgueiras, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e notório por seus trabalhos sobre história da ciência.

A experimentação

Para se distanciar do “achismo”, a ciência se dedica a testar as hipóteses que levanta. Comprovar a eficácia de um tratamento requer um protocolo a ser seguido, a fim de garantir que se obtenha uma resposta válida. Esse protocolo, por sua vez, não se trata de algo que surgiu recentemente, mas que foi sendo elaborado a partir de uma série de episódios históricos. No século XVIII, o médico alemão Franz Mesmer dizia que o magnetismo poderia curar doenças, com destaque para um suposto efeito magnético de ordem “animal” que, em tese, seria oriundo dos seres vivos.

Para verificar essa ideia, o rei Luís XVI pediu que um experimento fosse conduzido por cientistas, entre eles o químico francês Antoine Lavoisier e Benjamin Franklin. Na ocasião, um dos testes envolveu magnetizar uma árvore e pedir que um jovem vendado a identificasse. Claramente, foi comprovado que não havia evidência científica que sustentasse a ideia, mas a metodologia, embora inicial, representou uma das origens do que conhecemos como teste cego.

Na testagem de medicamentos, por exemplo, o teste cego passou a ser utilizado para observar os efeitos de uma substância em diferentes pessoas. Esse tipo de testagem envolve um grupo de pacientes que recebe o fármaco com seu princípio ativo e outro que recebe um placebo, a fim de observar os efeitos. No entanto, para obter um resultado fidedigno, nenhuma das pessoas testadas sabe o que recebeu. Já no ensaio duplo cego nem mesmo os pesquisadores que conduzem os testes sabem quem está em qual grupo.

Essa etapa de procedimentos que envolve o teste em seres humanos é conhecida como ensaio clínico. Um dos primeiros ensaios desse tipo na história foi feito pelo estatístico e epidemiologista sir Austin Bradford Hill, na década de 1940, para analisar o efeito do antibiótico estreptomicina em pacientes com tuberculose, distribuídos aleatoriamente entre o grupo placebo e o que recebeu o medicamento.

Em momentos como o atual, essa fase é essencial para analisar as opções em potencial. “A realização de ensaios clínicos randomizados são indispensáveis para avaliar a eficácia e a segurança de qualquer medicamento, mesmo durante uma epidemia”, ressalta Ana Paula Hermann, professora do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Além disso, planejar a amostragem de pacientes nessas pesquisas é extremamente importante para minimizar erros. A parcela que participa dos testes de medicamentos precisa ser representativa, de forma que os resultados colhidos nessa simulação se apliquem à população-alvo da droga.

Com a ânsia de encontrar uma resposta efetiva para a covid-19, há uma pressão popular para que as etapas experimentais sejam aceleradas. Embora boa parte dos esforços teóricos possam receber colaborações globais para otimizar os estudos, outras etapas dependem de observar os efeitos dos mais diversos tratamentos ao longo do tempo. “Os caminhos de qualquer descoberta científica só podem ser encurtados pelo avanço na pesquisa”, diz Filgueiras.

As conclusões

À medida em que os estudos avançam, eliminam-se algumas possibilidades de tratamento e surgem apostas em alternativas. No entanto, é preciso ter em mente que a ciência é feita de conhecimentos que vão sendo aprimorados por outros novos. “O método científico não é um critério para a verdade, é exatamente o contrário disso. Se você quer buscar a certeza ou a verdade, abra uma igreja. A ciência e o método científico são uma forma de reduzir a incerteza e a dúvida”, diz Altay de Souza, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e produtor do Naruhodo podcast.

Essa forma de produzir um novo conhecimento não deve, portanto, ser encarada como algo puramente instrumental, mas sim como um processo mais próximo do analítico, que nos permite olhar para trás antes de dar passos adiante. “O método científico é a melhor forma que temos de construir conhecimento porque simplesmente ele nos mostra o processo gerador do conhecimento até o momento presente”, completa Altay.

Carolina Sotério é escritora, formada em química (USP), pós-graduanda na área de divulgação científica (USP) e aluna do curso de especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.

Colaboração: Camila Pissolito