Ciro Gomes: ‘Temos de banir a crença mistificadora de que o espontaneísmo do mercado vai gerar desenvolvimento’

Por Paulo Markun, 22 de maio de 2020

Carlos Vogt: Ciro Gomes é natural de Pindamonhangaba… Claro, dispensa apresentação, faço-a para cumprimento, obviamente, do protocolo…

Formado em Direito pela Universidade Federal do Ceará, foi professor da Universidade do Vale do Acaraú, em São Paulo, em 1980 e 1982; da Universidade de Fortaleza, Unifor, entre 85 e 87, lecionando disciplinas como Direito Tributário e Direito Constitucional. Atuou também como pesquisador visitante na Harvard Law School, em 1995 e 1996. Ocupou já cargos importantes na vida política do país; cargos de Governador do Ceará, de 91 a 94; Ministro da Fazenda, em 1994; da Integração Nacional, 2003 a 2006; Deputado Federal, 2007 a 2011; tendo disputado a Presidência da República nas campanhas de 1998. 2002 e 2018, quando ficou em terceiro lugar pelo Partido Democrático Trabalhista, o PDT. é autor de livros na área de economia, política: “No País Dos conflitos”, de 1994; “O Próximo Passo: Uma alternativa prática ao neoliberalismo”, 1995; e “Um Desafio Chamado Brasil”, 2002. Sempre registro que conheci Ciro Gomes quando governador do Ceará, eu então Reitor da Universidade de Campinas, e tínhamos recém implantado nas universidades estaduais paulistas o regime da autonomia de gestão financeira; Ciro nos convidou para apresentarmos isso ao Ceará, para o sistema das universidades estaduais. Foi o que fizemos e tivemos alguns encontros que certamente, que evidentemente resultaram em medidas importantes do ponto de vista da gestão universitária no estado do Ceará.

Ciro Gomes, que prazer! Bem-vindo.

Paulo Markun: Muito bem. Ciro, queria começar com uma pergunta dessa para diante. A força do presente, do drama que nós estamos vivendo no mundo e no Brasil, é tamanha que certamente essa conversa vai resvalar pela situação do presente momento, da crise que nós vivemos no Brasil. Mas, a minha pergunta é a seguinte, em que medida você imagina que esta pandemia, assim e tão logo ela seja controlada, vai mexer nas regras políticas que permitem que muitos países hoje sejam governados por [falha na transmissão] eu não diria que não têm não é nem qualificação, não têm condições de exercer isso – e a prova é esta pandemia? Há uma clara, na minha avaliação, separação entre a grande parte da sociedade e os poderes constituídos, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo mais ainda. Você acha que vai haver algum impacto e qual impacto você acha que possa haver na política mais geral, depois que a gente superar esse tsunami?

Ciro Gomes:  Olha Markun, deixa eu só – breve que seja – fazer um agradecimento a você pela oportunidade de estar nesse nível de discussão, que é o que nós precisamos fazer, refletir, porque as coisas não são simples; se nós todos pensarmos, se nós todos usarmos a máxima da nossa inteligência, ainda assim há dificuldade de saúde pública em casamento com a dificuldade da destruição da nossa economia e da revolução de paradigmas internacionais, tudo isso pede muita humildade intelectual e muito debate, muita inteligência e pluralismo. Eu fico feliz de poder participar, tanto mais se tô na extraordinária companhia do professor Carlos Vogt que eu conheço de longa data; ele foi modesto na ajuda dele à nós no Ceará, não se circunscreveu só em copiar, com o assessoramento dele, a extraordinária tarefa que deu às universidades de São Paulo, especialmente a Unicamp, respeitabilidade mundial, não só no Brasil, mas a que todo o sistema de tecnologia que foi criado por mim, foi criado sempre com o aconselhamento do professor Carlos Vogt, de maneira que é uma honra e um privilégio mais uma vez participar de uma mesa com ele presente.

Markun, eu nesse momento estou com um livro na editora. Esse livro ele tem um título que é ‘Projeto Nacional’ e um subtítulo que eu considerei absolutamente imperativo de colocar ‘O Dever da Esperança’. Então, o título do livro é esse. E nele eu basicamente tento um exame muito frio, muito gelado das coisas brasileiras, embora seja para mim uma paixão da qual eu não consigo me afastar. E eu digo um pouco, uma frase em linha com a sua pergunta; a melhor forma de a gente condicionar o futuro, ou seja, de ter esperança, é tomá-lo nas mãos agora é construí-lo. E é com isso que eu lhe respondo: o argumento crítico, em relação a toda essa situação que nós temos no mundo, a pandemia agravou pesadamente. Então, para aqueles que põe em discussão a relevância estratégica de uma autonomia técnico-científica na ação ou na ação, na medida que o Brasil precisa agora fazer contrabando de máscaras da China por um governador de estado do Ceará ou Maranhão, com a transportadora da Etiópia, vindo por países que os americanos não têm influência para sequestrar essas coisas, mostram de forma absolutamente caricatural e trágica a extensão da imprudência – para ficar numa palavra moderada –  que foi o Brasil se deixar desindustrializar.

Então, a ideia de ter um complexo industrial da saúde com alguma capacidade autônoma, vai esclarecendo coisas óbvias que num passado muito recente – e ainda estão em poder oficial no Brasil – administram uma ideia de economia em que a divisão internacional do trabalho é uma fatalidade. Como se isso fosse real. Isso nunca foi verdadeiro. Mas, agora fica evidente que não é uma fatalidade. Enquanto o Brasil se desindustrializou, da década de 1980 para cá, a China se super industrializou. Então, isso são elementos. Mas, ancestralmente, quer dizer, toda a premissa da perversão neoliberal ela vem em parte por dois fatores que são mais complexos e que a gente precisa ter humildade para entender que só a pandemia não vai resolver; vai dar argumento para resolver, mas é preciso estabelecer, especialmente no campo progressista, entre os intelectuais, não precisam ser progressistas, mas entre os intelectuais que têm método, entre os artistas, entre essas antenas da sociedade humana é preciso que a gente estabeleça um debate com algumas metodologias e nos despindo de premissas, ódios, paixões e afetos. Isso tanto mais grave do que no mundo é no Brasil, por tudo que aconteceu recentemente no nosso país e os traumas que nós estamos passando.

O que eu quero dizer? No fundo, o que tá acontecendo é consequência de uma mudança do ambiente onde a humanidade busca ser feliz. Então, até 20, 30, 40 anos no máximo, 30 anos e olha lá, até ali o Thatcherismo e tal, nós tínhamos que buscar felicidade num ambiente subjetivo, espiritual. Eu repito sempre que nós não estamos falando de religião, mas ser feliz era uma bastância subjetiva que você achava na compaixão, na alteridade, na ideologia política, no amor romântico, na poesia, na estética. No fim, isso é a nossa geração; eu tenho 62 anos de idade e a gente tinha um ambiente físico terrível, muito hostil, e aquela geração – eu sou um pouquinho depois -, a geração que fez 68 se considerava potente, e isso dava felicidade.

Hoje, a humanidade, e isso explode pesadamente e especialmente nas gerações mais jovens, foi induzida a crer e está acreditando que ser feliz é quanto de uma expectativa de consumo, dramaticamente excitada.

E isso tudo é um grande debate, tentar re-espiritualizar a humanidade, começando pelas nossas crianças aprenderem a fazer três perguntas diante de um ato de consumo, que não é só o “quanto custa?” que nos vulnera tudo isso. Mas, depois do “quanto custa?” perguntar quem aproveita comunitariamente o meu ato de consumo, para que eu possa tomar uma decisão até de comprar uma coisa mais cara um pouco ou mais mal-ajambrada, desde que aquilo tenha a finalidade de gerar emprego para o meu comunitário, para o meu companheiro de comunidade.

A outra pergunta é se meu ato de consumo é fraterno com a natureza, na origem e no rejeito. Por que não adianta transformar o ambientalismo em uma pauta identitária, como uma parte da nossa esquerda sem projeto – isso não é maldade, é simplesmente o fim da práxis revolucionária – pegou uma pessoa que tem compaixão, que tem solidariedade humana e ela não tendo mais o manual do revolucionário progressista, ela agora se refugia nessas agendas.  Nós precisamos introduzir no ato de consumo – ele mesmo – a pergunta se o meu ato de consumo é amistoso com a natureza. Isso não é tão difícil de fazer nas novas gerações que já estão se predispondo a isso. Bom, esse é um lado muito complexo do assunto.

Mas, superficialmente, nós precisamos debater, na minha opinião, projeto nacional. Por quê? Porque a globalização tem um lado que é histórico, desde que o ser humano…. Se eu estiver falando demais, você me interrompa. Não sei se a lógica do programa permite essas digressões mais longas.

Paulo Markun: Acho que permite sim. Já interrompo, já, já. Mas, siga.

Ciro Gomes: Tá. então, veja, desde que o Pithecanthropus erectus se pôs bípede [falha na transmissão] necessidade de caça ou de colheita. Portanto, [falha na transmissão] de que a humanidade vai evoluir para se unificar. [falha na transmissão] vamos respeitar o John Lennon e sonhar com uma humanidade sem fronteiras.

Daqui até lá você tem assimetrias competitivas dramáticas: o perfil do capital, o nível de maturidade tecnológica e as escalas com que se apresentam para competir as mega-aglomerações globais. Isso, num país como o nosso, é mortal. Então, nós temos que achar o caminho de celebrar o projeto nacional, que significa o seguinte: banir de uma vez por todas a crença religiosa, mistificadora de que o espontaneísmo individual do mercado vai resolver problema de desenvolvimento – isso nunca aconteceu na história da humanidade – e introduzir o planejamento. Que país nós queremos ser a partir do aqui e agora? Que riscos e oportunidades nós temos? Eu tô propondo, o Brasil – nesse livro eu tô fazendo uma especulação mais pragmática -, o Brasil poderia, sem dúvida, depois de refletir muito eu vou afirmar aqui, ser uma Espanha do ponto de vista dos indicadores sociais e econômicos, em 30 anos.

E aí eu pego indicadores exemplares, por exemplo, a Espanha tem 40 de cada 100 garotos de 18 a 25 anos matriculados no ensino superior; o Brasil tem 18; Cuba tem 50 e tantos. A gente pode perfeitamente calcular, num prazo de 30 anos, o que nós precisamos fazer para sair de 30 para 50, para 40 garotos de 18 a 25 anos na universidade; botar isso no papel, sobre esse prazo, avaliação, orçamentar isso, dizer de onde que vem o dinheiro, avaliação, controle, mecanismos de avaliação de metas, etc. E assim todos os setores, mas especialmente renda per capita e Índice de Desenvolvimento Humano, que é o IDH. Isso está à mão de a gente fazer e essa pandemia reforçou muito o nosso argumento. Agora, vai cair do céu? Não vai cair do céu. Por quê? Porque aquelas duas forças, a crença no Laissez-faire como aquele que vai me dar felicidade pela livre competição e a financeirização poderosa da economia que coopta as estruturas dirigentes, isso não vai deixar de existir porque… Veja, o Reino Unido está dirigido por um reaça e se lascou na pandemia; os americanos estão dirigidos por um ultra reaça e se lascou [falha na transmissão] segundo lugar do mundo em matéria de contaminação. Isso não vai ser removido com tanta simplicidade para nós que não impomos os limites [falha na transmissão]      

Paulo Markun: Pois é. O que preocupa é que, na verdade, as últimas pesquisas disponíveis e que são imprecisas até por conta das dificuldades que a pandemia proporciona de fazer pesquisa no meio da rua, já que não tem gente no meio da rua, né ela tem um viés que é telefônico, etc, mas elas demonstram que aquela massa que um intelectual definiu como característica do ornitorrinco brasileiro, ou seja, aqueles vendedores de cerveja em lata de alumínio  ou de refrigerante em lata de alumínio num isopor, na porta de um estádio de futebol, na esquina. [falha na transmissão] quer dizer, a parcela da população brasileira que tem que ganhar a vida sem um emprego formal, sem estrutura, sem condições, sem educação, com essa enorme desigualdade [falha na transmissão]  Como é que  [falha na transmissão] de que o projeto nacional  [falha na transmissão]  dentro da proposta que você oferece?

Ciro Gomes: Ideia, exemplo e militância é o que eu [falha na transmissão] todos que muito angustiadamente consultam a minha angústia, porque eu sou um operador disso. A minha pretensão é virar esse jogo. Portanto, contra todas as evidências eu creio que uma boa ideia, e essa boa ideia tem que ser uma ideia que aprenda com a dinâmica popular, não pode ser despotismo esclarecido… Sabe, enquanto, por exemplo, uma certa esquerda, da melhor qualidade, da melhor virtude – por favor não me entendam mal – achar que defender aquilo que nós entendemos despoticamente, porque temos 50 anos de leitura, temos 28, 30 anos de educação continuada, que nós vamos impor nossas convicções contra uma moral popular…. Eu vou no prático agora, é assim: 25, 27% da população brasileira está nesse universo luterano neopentecostal. Essa gente é  [falha na transmissão] nossa, essa gente é gente muito querida, votou muitas vezes num mundo progressista brasileiro, deu sucessivas vitórias ao campo progressista brasileiro. De repente, recrudesce para lá. Será que não tem uma responsabilidade nessa esquerda quando a gente, por exemplo, não respeita a moral luterana?  [falha na transmissão]

Trocar ideias, entender que as pessoas não estão num tempo porque são um bando de abestados, essa elite brasileira faz  [falha na transmissão] que o povo brasileiro é um bando de idiota e que não tem capacidade de não se deixar explorar por pastores inescrupulosos. Isso também é verdade, mas é para uma minoria ínfima. As pessoas, para quem como eu conhece, elas estão procurando, Markun, pertencimento. Ninguém aguenta viver nessa selva, com medo de tudo, com medo de sair de casa. Ontem mataram o João Pedro, anteontem mataram o joão Pedro, um garoto de 14 anos, no Rio de Janeiro, a casa dele foi metralhada. Sabe quem foi?  [falha na transmissão] Polícia Federal e Polícia Civil do Rio de Janeiro. Então, o nosso povo está com medo, está com medo de não ter o que comer amanhã e o medo nunca foi revolucionário, o medo sempre predispôs as humanidades ao “valha-me Deus”. Nós temos que entender isso com muita humildade e proteger nosso povo; encaminhar para ele um projeto, uma ideia significa dizer “olha, nós vamos construir aqui um caminho em que o seu lugar nele é aqui, ó. Para sair da merda onde você está e chegar aqui, ó, precisamos  [falha na transmissão] 

Portanto, ao invés de eu ficar discutindo a religiosidade ou a moral popular, com esse cenário de guerra híbrida que os americanos meteram aqui dentro… Você vê, quem é que está discutindo aborto hoje no Brasil? Cadê as discussões sobre o aborto? Ela não existe no Brasil. Aí chega na véspera da eleição e lá vem, principalmente pra cima do campo progressista, coitado do Marcelo Freixo. “Marcelo Freixo, qual é sua opinião sobre o aborto?”. Aí o Marcelo Freixo, “opa, se eu falar sim eu vou ferir a corrente tal do beabá do xpto, do grupo tal, do grupo tal”. Isso simplesmente nos estabelece um elitismo que nos distanciou do povo.

[falha na transmissão] 

… quem tá se apropriando dessa riqueza, que não é ele e nem a família dele. Essa é que é a classe revolucionária. E nós hoje estamos vendo um desmonte até das conquistas conservadores, de jornada de trabalho, de 13º salário, de hora extra, de carteira assinada… Não se quebrou uma vitrine nesse país, Markun.

Paulo Markun: pois é. A Constituição…

Ciro Gomes: A sociedade civil brasileira está simplesmente sem representação. E a CUT ao invés de ser a expressão da queixa dos trabalhadores para os governos, virou um mecanismo de propaganda dos governos para a classe trabalhadora. E o povo não é burro, o povo sabe que dia perdeu o emprego, o povo sabe, 63.700.000 sabem que dia o nome dele foi para a humilhação do SP; e e se ele esquece, todo dia um telefonema estranho diz para ele que ele tem que comparecer senão vão tomar a geladeira dele. Ou a gente entende isso e põe os nosso afetos e traumas, e conivências no passado ou esse jogo vai ser perdido de novo.

Paulo Markun: a Constituição de 1988 foi um momento que botou no papel determinados avanços e conquistas que foram fruto de uma batalha parlamentar, não foi fruto de batalha de rua. Eu cobri a Constituição como jornalista, certamente você acompanhou de perto isso, e na verdade aqueles debates, a discussão com o então Centrão – que era outro, não era exatamente o mesmo de agora e talvez seja saudosismo meu achar que aquele Centrão era melhor…

Ciro Gomes: muito melhor! Era ideológico. Eu acho, inclusive, que tem um erro nesse em chamar de Centrão, esse aí é um Bandidão.

Paulo Markun: Mas, a Constituição está sendo desmontada sem que haja a compreensão pela população de que isso é um direito, ou de que são direitos que lhes garantem…o pensamento que está sendo espalhado e difundido e que está ganhando a batalha é de que estão acabando com coisas que atrapalham se conseguir emprego, se garantir a retomada da economia, botar o Brasil para frente, garantir a meritocracia, etc e tal. É a mesma questão vista por um outro lado. De que maneira fazer esse convencimento que você prega e defende e vocaliza nesse momento pela internet?

Ciro Gomes: ideia, exemplo e militância; sempre com a humildade de saber que não é fácil, não é fácil porque nós estamos na contramão de tudo que é estruturalmente poderoso de verdade no Brasil e que nem é esse substrato político, essa superestrutura política. É a estrutura do baronato financeiro e sua conexão com a mídia nepotista em que ideia que graça como informação para o povo é aquele que é novelizada em horário nobre, na televisão. Se não acontecer isso, a nossa fuga, o nosso escape pela internet é um fôlego, mas de qualquer forma vai colidir com o poder que tá aí. Deixa eu tentar pegar nesse ponto. A crise brasileira, eu refleti lá na Unicamp quando eu tive o privilégio de ser convidado para aquele ciclo de debates, a crise brasileira, na minha opinião ela tem três camadas. Uma vem de fora, que é essa crise da democracia representativa; está falhando com os jovens no mundo inteiro, o colapso econômico europeu, tudo derivou de uma série de fracassos da velha esquerda que resolveu adotar o neoliberalismo com a boa intenção de humanizar o caminho, de dourar a pílula – isso é evidentemente uma história certa de fracasso, como se revelou. E aí quem respondeu de forma mais dura na Europa para o drama real, especialmente do jovem,foi a ultra direita, porque a ultra direita introduziu a questão nacional de uma forma xenófoba, que guardava coerência pragmática com a onda migratória que estava vindo rivalizar com o jovem desempregado, oferecendo trabalho mais barato. Então, isso daí é uma deserção do debate político e acadêmico na própria Europa e a democracia está em crise. E essa pandemia também vai permitir que a gente reflita mais sobre isso.

A segunda camada é essa que você mencionou. O Brasil não está revogando a Constituição de 1988, o Brasil revogou a Constituição de 1988 por um poder usurpador. Por quê? Porque descobriram um truque ante a omissão do guardião da Constituição Federal que é o Supremo Tribunal Federal Brasileiro, – que anda se comportando de uma forma muito esquisita, do meu ponto de vista, do ponto de vista constitucional – quando você estabelece uma norma de uma simplicidade grosseira, que é a seguinte: por 20 anos o país está proibido de expandir o gasto público em toda agenda de investimento e de custeios que interessam ao povo. Então, não pode construir ponte, nem estrada, nem hospital, nem escola, nem universidade; num país que entram dois milhões de bebê por ano na vida, não pode mais expandir a atenção materna infantil. Isso votou-se na Constituição Brasileira e deixou-se metade do orçamento livre de qualquer controle, que é o serviço da dívida, rolagem, juro e amortização.    

Então, isso daí revoga a Constituição, porque ela anuncia que a saúde é um direito de todos, oponível ao dever do Estado, e tira a condição do Estado prover isso; ela anuncia que segurança pública é um dever do Estado; ela anuncia que o salário mínimo tem que cumprir as tarefas de financiar uma família com todas as necessidades, inclusive lazer. E nossa geração, tem um problema geracional grave no Brasil, a nossa geração comemorou com grande festividade essa conquista, porque foi de um lado a reconstitucionalização do país, né, o restabelecimento do primado da democracia liberal, das liberdades, etc, e anuncia para o futuro -daquela data de 88-um generoso estado de bem estar social que nunca foi entregue. As novas gerações perderam a confiança na abstração da democracia, que fracassou pesadamente nas mãos da esquerda, tomou-lhe do Brasil – se nós não vemos isso, nós estamos XX -, quem derrubou, destruiu a economia brasileira foi o PT, foi a Dilma, essas pessoas lembram o dia que perderam o emprego, lembram o dia que o nome entrou no SPC para ficar em dois valores, lembram que nós tínhamos 4% de desemprego quando ela assumiu e saiu com 14%; sem se falar na novelização do escândalo moral, parte permitiu lá o Laissez-faire, a perseguição, o não devido processo legal contra alguém, mas parte é irrespondível.

O Palocci era braço direito do Lula,quarto fundador do PT, é réu confesso, roubou 100 milhões de reais, devolveu 100 milhões de reais. Percebe? E não adianta colidir com isso, porque as pessoas não são idiotas. E o jovem brasileiro, perplexo com tudo isso, foi vulnerável a essa manipulação  de direita, que nem na Europa. Cabe agora a gente mostrar para o povo que ser progressista não significa pedir uma volta ao passado de escândalo, nem de incompetência econômica. Por isso a ideia aqui é central e ela tem que ser uma ideia em que as pessoas identifiquem que lugar elas vão ter nesse projeto, porque, na verdade, é o seguinte, não havia lugar para as pessoas nesse projeto a não ser políticas sociais compensatórias. E, francamente, um país como o nós, achar que o Bolsa Família é o fim social de um esforço de 25 anos, 30 anos de progressismo – porque o Fernando Henrique também se arroga o símbolo de social democrata -, se a gente não entender isso vem aí uma direita menos boçal que o Bolsonaro e ganha de novo.

Paulo Markun: Ciro, eu vou deixar um registro aqui que a live caiu no ao vivo e há inúmeras especulações correndo, como é de se supor, sobre as razões para isso. Mas, deixa eu registrar primeiro que você está sendo informado neste momento; nós estamos gravando e vamos colocar no ar em seguida a íntegra da nossa conversa. E eu aproveito para fazer uma pergunta que Vitor Lopez me mandou um pouco antes de cair o contato. Ele diz o seguinte, se você acredita que é possível uma aliança das forças progressistas, quando você tem sido um crítico muito incisivo do Lula nos últimos tempos e os petistas são, na sua maioria, lulistas.

Ciro Gomes: Veja, nós precisamos separar… como é que chama o cidadão?

Paulo Markun: Vitor

Ciro Gomes: Vitor. Veja, Vitor, raciocine junto comigo, nós temos hoje duas tarefas que são muito diferentes uma da outras, embora tenham que ser trabalhadas simultaneamente. Uma tarefa é proteger a democracia brasileira da escalada autoritária e da tentativa golpista. Hoje, agorinha, esse general Heleno, que é um dos mais boçais desses que infestam a vida brasileira, mentiroso, sem honra, que está botando a mão por cima de toda mentira e picaretagem do governo, solta uma nota dizendo que é intolerável que o Ministro do Supremo Tribunal Federal mande ouvir o Procurador Geral da República sob uma petição que nós fizemos de que na esteira de um inquérito criminal – que pode virar contra o Bolsonaro e esses bandidos filhos dele – a Procuradoria da República se manifeste. Aí ele diz lá que isso é intolerável e que isso pode gerar consequências imprevisíveis; ele acha que nós vamos ter medo dele e eu quero dizer a este traidor da pátria que eu tenho mais medo dele sujo, com a mão suja de cocô, do que com a arma que ele pensa que vai poder apontar. O Exército Brasileiro não vai obedecer a golpista salafrário, entreguista, como esse general Heleno está se transformando… para a minha vergonha, porque as Forças Armadas – eu tenho todas as medalhas, todas – merecem mais do que o respeito e o carinho da nação brasileira, e quando eles fazem esse tipo de coisa de associar as Forças Armadas a um governo bandido, incompetente, genocida, são as Forças Armadas – instituição permanente da República Brasileira, que tem uma história a ser respeitada e dignificada – eles estão transformando em milícia dessa estupidez. Nós não vamos, nós os patriotas não vamos aceitar isso – sejamos nós militares ou civis.

Viu General Heleno… só para mandar aqui um recado bem contemporâneo a esse arregões. Ele pensa que ainda é chefe de gabinete do General Sylvio Frota. Conheço sua história, seu vagabundo, conheço sua história, seu vagabundo traidor. Você vai explicar porque entregou Alcântara aos americanos; vai entregar porque submeteu um general brasileiro ao comando sul dos Estados Unidos; vai explicar porque aceitou fazer movimentação militar com os americanos na Amazônia, quando nós lutamos a vida inteira para não aceitar que o Paraguai não fizesse base militar lá. Traidores! Traidores! Vergonhosos! Homem sem honra! Homens sem honra! Vão ser enfrentados dessa vez. Desculpa aí a… mas tem que ser público para eles aprenderem.Pois bem, o general acha que pode dar cagaço no Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria da República; ele tá muito enganado e é isso que nós vamos ter que fazer. Eu espero que o Supremo Tribunal Federal se revele à altura da complexidade dos tempos presentes, não para fazer qualquer tipo de arbítrio, mas para fazer a lei ser superior aos arreganhos, seja de quem for – meus, do Bolsonaro, do General Heleno, seja de quem for.

Paulo Markun: Ciro, em 19…

Ciro: veja, então a tarefa de proteger a democracia é uma tarefa de todos os democratas. Então, eu assinei um pedido de impeachment não foi porque eu considero o governo do Bolsonaro ruim, foi porque ele cometeu crime de responsabilidade e crime de responsabilidade é a punição para presidente no presidencialismo. Agora o PT assinou também, fico feliz porque até anteontem o PT era contra, o Lula deu várias opiniões contra; o PSB já tinha assinado, a Rede já tinha assinado, o PV já tinha assinado; então, vamos lutar juntos. Me consta que o ex presidente Fernando Henrique Cardoso também é a favor do impeachment. Eu já vi que o MBL, com quem eu não tenho nada a ver, também é a favor do impeachment. Ou seja, nesta luta de proteger a democracia e de fazer a punição de crime de responsabilidade acontecer, estamos juntos. Agora, no processo de discussão do futuro do Brasil, desculpa, eu não falo mais o Lula, não falo mal do Lula; quem fala mal de mim diariamente é a mídia paga de forma  corrupta pela Lula ou petismo corrompido, que eu conheço bem, conheço bastante bem.

Então, veja, eu não falo mal do Lula, eu estou falando de problema. Se nós fizermos de novo o que nós fizemos em 2018, ou seja,o São Lula, o infalível, faz um ‘dedaço’ como fez com a Dilma, sem treinamento, sem experiência, intolerante com a política, vai lá e precipita no [inaudível] para a economia, precipita uma crise econômica sem precedente e mergulha o país num golpe. Por quê? Porque o Lula de novo, usando a grande popularidade dele, botou o Michel Temer na linha de sucessão. Aí eles acham que isso é esculhambar o Lula. Pelo amor de Deus, eu disse na época “Lula, não faça isso, pelo amor de Deus”. Como tinha dado Furnas contra a minha opinião púbica – tá nos jornais, vai no Google -, tinha dado o Furnas para o Eduardo Cunha roubar e subornar deputado e virar Presidente da Câmara. O meu irmão era Ministro da Educação, foi lá e denunciou as falcatruas do Eduardo Cunha; e a Dilma aceitou a demissão dele e deu declarações mil de amor ao Eduardo Cunha. Pelo amor de Deus, vocês estão em qual país? Vocês estão em qual país? Será que é no mesmo meu? O Ceará foi o único lugar do país que deu 2/3 dos votos contra o impeachment.

Sabe com quem o Lula se acertou um anozinho depois da gente chamar o país…que o país sofreu um golpe? Se houve um golpe, quem fez o golpe foi o Senado. Quem era o Presidente do Senado, pelo amor de Deus, no golpe? Renan Calheiros. Sabe com quem o Haddad estava agarrado contra mim? Com o Renan Calheiros. O Eunício Oliveira foi o outro Presidente do Senado golpista; pois bem, o PT votou no Eunício Oliveira.

Paulo Markun: Ciro, em 1967…

Ciro Gomes: como é que passa? Se a gente se unir, sabe o que acontece? Vem aí o Moro. Aí nós vamos para uma eleição assim: o pau mandado do Lula falando em moralidade e o Moro dizendo “Pô, Palocci era de vocês. O Palocci era de vocês. A Petrobrás foi loteada”. Ou vem o Haddad e vai dizer “vamos fazer a autonomia do Banco Central”, como disse na campanha passada. Você não percebe não? Venceu. Remédio bom as vezes vence também, venceu. O Lula e o petismo apodreceu, virou parte do problema; não é solução para nada, é parte do problema. E dói para cacete, mas ou a gente vê isso ou nós vamos engolir a repetição da história como tragédia.      

Paulo Markun: Em 1967, no Brasil, a Frente Ampla juntou Juscelino Kubitschek, João Goulart e…

Ciro Gomes: Carlos Lacerda 

Paulo Markun: e Carlos Lacerda. É algo muito mais complexo e muito mais separado no espectro político do que Ciro Gomes, Lula, Fernando Henrique Cardoso, pode botar o Michel Temer, o que você quiser botar aí, cabe… não é o momento de haver essa aliança em torno de um programa mínimo que não esteja preocupado com o resultado eleitoral?

Paulo Markun: vamos nos remeter à história brasileira. Então, o que aconteceu? Em 1964 houve também um protocolo, um protocolo formal que os jovens não sabem. Então, o protocolo formal foi assim, o Ranieri  Mazzilli, que era o Presidente da Câmara, era o Eduardo Cunha da época, declarou vaga a Presidência da República, anunciando que o João Goulart tinha ido embora do Brasil. Mentiu. Para base fática dos 1964, como era 1º de abril, era mentira. Como isso tudo foi declarado, porque é de direito, ele próprio assume a Presidência interinamente e convoca o Colégio Eleitoral, que era o Congresso Nacional, para fazer uma eleição indireta. Qual era a enganação da época? A enganação era de que em 1965 haveria eleições gerais para Presidência da República do Brasil – que era o fim do mandato constitucional do João Goulart – e então haveria eleições. O Tancredo Neves, que era um gênio extraordinário, já tinha sido Ministro do Getúlio lá atrás, anunciou aos berros chamou de “Canalha! Canalha! Canalha!” – tem esse arquivo dessa sessão. pois bem, o Juscelino acreditou, o Juscelino acreditou e votou no Castelo Branco, foi ao Colégio Eleitoral e votou no Castelo Branco.

Passa, vem 1965 e não teve a eleição. Em 1962 o Ato Institucional Nº2, extinguiram os partidos, etc, etc, etc, e o Carlos Lacerda que queria ser candidato a Presidente em 1965 viu que foi enganado, tinha sido golpista; o Juscelino que ganharia folgado as eleições também foi enganado; e o João Goulart, que queria pacificar o país… se reuniram ao redor de quê? Da nobilíssima tarefa de redemocratizar o país. Eu estaria dentro, sem nenhuma dúvida eu estaria dentro. O que acontece agora? Vamos separar duas coisas. Uma, proteger a democracia brasileira e atenuar danos. Nenhum brasileiro duvide: nós estamos junto. Nenhum brasileiro duvide disso, nós estamo junto Nenhum brasileiro duvide disso – vou dizer aqui, não e looping da gravação não -, nenhum brasileiro duvide que para proteger a democracia brasileira todos os democratas vamos estar juntos.

Agora, vamos construir a saída para o futuro então tem uma avaliação para fazer. Qual é o projeto comum? O único projeto que o PT oferece é submissão pouco crítica e quase cúmplice à sua bandidagem. Isso eu não vou nunca mais, não é hoje não, é nunca mais. Felizmente o Lula entendeu; faz um ano que eu tô dizendo “ não conte mais comigo”. Para bandidagem explícita, para assaltar a opinião pública brasileira, para mistificar a sociedade brasileira e impor um candidato para perder a eleição só para fazer bancada e tirar dinheiro do fundo partidário, eu tô fora, mas completamente fora. Agora, ó, vem eleições aí, agora as eleições estão aí, nós vamos adiar de outubro para dezembro provavelmente, mas virão eleições municipais, vamos ver de que lado está o povo brasileiro, vamos ver a amplitude do PT. Essa semana foi anunciado… porque os Tribunais Eleitorais terminaram a apuração dos votos do…acabaram os prazos de filiação e o PT de São Paulo, onde foi fundado, perdeu um terço dos vereadores. Agora, esse mês o PT de São Paulo perdeu um de cada três vereadores que tinha.

E foi por um embate estranhíssimo que tinha gente como Suplicy, que eu vou para qualquer lugar, em qualquer tarefa, que é um homem honrado, digno, tem espírito público, é o pioneiro na luta por uma recidadania mínima para o cidadão e com esse homem eu vou para qualquer lugar, de olho fechado. Tiraram o Padilha, que foi Ministro da Saúde, que fez bom trabalho e tal, e escolheram o Tatto. Sabe o que aconteceu? Lula, vai cuidar do teu partido; a metade do PT vai votar no Boulos, a propósito o Boulos é do PSOL, e o Boulos e o PSOL estão proclamando a unidade tal… por que o Boulos não vota no Jilmar Tatto em São Paulo? Ô pergunta fácil, Boulos. Percebe? Não dá mais só o Lula fazendo merda, dizendo besteira, criando o fetiche que o Bolsonaro precisa para reinar para sempre e nós outros só temos um papel: “parabéns Presidente, parabéns Lula, você é o Papa, é o Pelé, é o infalível!”. Este daqui ó, nunca mais.

Paulo Markun: Ciro, o projeto que você apresenta e que você mencionou no outro encontro que tivemos  na Unicamp falando sobre a crise brasileira, ele tem… um dos pontos de suporte dele é um controle, digamos assim, só rentismo. Certo? Do sistema que financia, dá grandes lucros para quem aplica dinheiro no Brasil e que se torna mais vantajoso – ou se tornava, não sei como está, o cenário de hoje é tão imprevisível que a gente não sabe -, mais vantajoso você deixar o dinheiro parado no banco gerando juros e correções, etc, do que em qualquer atividade econômica produtiva. Como é possível ganhar a eleição com uma proposta desse tipo quando esses setores que ganham muito com isso têm um poder econômico gigantesco?

Ciro Gomes: O presidencialismo tem mil defeitos, mas tem uma, pelo menos, virtude; é que ele dá essa fragilidade na estrutura de poder de tempos em tempos. Por quê? Porque ele tem um conteúdo plebiscitário e a massa vota. Evidentemente que o serviço é pesado, eu estou sob veto e é um veto, assim, consenso. A Gleisi diz “o Ciro no PT nem com reza braba”; o Michel Temer diz “qualquer um, menos o Ciro”; o Fernando Henrique já disse coisa parecida, “o Ciro não dá”. Enfim. Por quê? O que tem em comum? O que tem em comum é que a partir do beijo ao santo de barro, que foi a assinatura da carta aos brasileiros, essa burocracia do PT se comprometeu com isso. Se vocês fizerem um cálculo… isso é trágico, isso tudo é número. Aí o cara “ah, fala mal do Lula”, pera um pouquinho, eu tô falando de política, tô falando de política. O período de maior rentabilidade do setor financeiro foi com o Lula. Isso é número. O Lula permitiu, junto com a Dilma, que 85% das transações financeiras brasileiras se concentrassem apenas em cinco bancos; a taxa de Selic da Dilma chegou a 14,25% – do Bolsonaro é 3%.

Deixa eu falar isso aqui com vergonha, a taxa de juros da esquerda era 14%, a do Bolsonaro é 3%! Portanto, é impossível ganhar a eleição? Eu desisto? Não, vou insistir, porque eu confio no povo brasileiro. E eu confio, sabe por quê? Porque eu conheço a história do Brasil; as elites oligárquicas da cana, do açúcar, do leite, etc, não queriam jamais e a Revolução de 30 abriu caminho para o Getúlio e para um projeto nacional de desenvolvimento que criou tudo de bom que nós temos. As elites nunca quiseram. O Getúlio se matou para não deixar que se  antecipasse um golpe; e o Juscelino veio pela mão do povo. E o Brasil extraordinariamente andou; fomos bicampeões mundiais de futebol, fizemos a bossa nova, fizemos o cinema novo, fomos campeão de boxe com o Éder Jofre, campeões de tênis com a Maria Esther Bueno. Tudo dava certo no Brasil, tudo dava certo no Brasil. Eu conheço a história do nosso país. Percebe?

Quando a elite elegeu o Collor, não esperava que acabasse derivando num impeachment e o Itamar viesse, acabasse a festa e fizesse o Plano Real. então, essa possibilidade existe, eu vou buscá-la. Se não, eu vou dormir sossegado com minha consciência tranquila de não ter conciliado com aqueles que estão sangrando o Brasil. Markun, faça uma pesquisa para a gente achar que eu tô falando mal do Lula: entre a década de 30 e a década de 80, o Brasil foi o país que mais cresceu no  capitalista – todos os números estão no meu livro; da década de 80 para cá nós estamos só caindo. Mas, sabe qual foi a pior década da história do Brasil em matéria de desenvolvimento econômico, em 120 anos de história, de 1990 para cá? Foram os últimos dez anos. Isso é um número! Nos últimos dez anos, o Brasil que crescia 75, 80%, 120% a cada década, cresceu menos de 2%. E quem produziu isso, infelizmente não foi o Bolsonaro não. Nós temos que enfrentar o Bolsonaro porque ele também não tem resposta para isso. Quem  produziu isso, lamentavelmente foi o PT, por falta de projeto, porque fez uma aposta no consumismo populista que deu muito certo no curto prazo… como deu lá atrás com o Fernando Henrique; Fernando Henrique se reelegeu e quebrou o país. O povo não é idiota. Atenção, petista fanático, o povo não é idiota. Todo mundo sabe que dia ele perdeu o emprego e que dia o nome dele entrou para a humilhação do SPC.

Paulo Markun: Alguns setores do estado brasileiro tinham, não sei se têm ainda, uma cultura assegurada. Um desses setores é, por exemplo, o Itamaraty. Mas, eu cito outro, menor, mais próximo da minha realidade, que é a Cinemateca Brasileira, uma das mais importantes do mundo, que preserva a história do Cinema Brasileiro com enormes dificuldades e que desde a gestão da então Ministra Marta Suplicy – quando aquilo foi passado para uma organização social – vem enfrentando uma crise terrível. O que a gente tem assistido, não só nisso, há outros setores, exemplos existem, tem sido um desmonte permanente, diário e intencional dessas estruturas no atual governo. A minha pergunta é, você acha que nós vamos conseguir ver – nós, eu digo, a minha geração e a sua – a reconstrução desses setores, ou o estrago feito é insolúvel?

Ciro Gomes: Parte do estrago é insolúvel, porque, veja…você falou muito rapidamente, eu vou só repetir, isso é deliberado, isso não é por acaso. Um país como o nosso precisa ter identidade para poder firmar seus interesses, e esses interesses eles antagonizam interesses prevalentes hoje no mundo; no nosso hemisfério o interesse americano, o interesse europeu. Mas, lá vem de outro hemisfério a China, que também rivaliza com o Brasil. Pelo menos o Brasil tem potencial para rivalizar em algumas espécies de cidades em matéria de energia, petróleo, em matéria de biodiversidade, em matéria de água, em matéria de mineração, de minérios e tal; então, o Brasil tem uma espécie de cidade potencial extraordinária. E, no mundo, quem não defende seus interesses está defendendo o interesse de outro. E não é por acaso, são coisas bem práticas. Nós fizemos a Lei de Partilha que preservava para o Brasil o petróleo do pré-sal, que foi conquistado à custa de muito dinheiro público; pois na hora da nossa beber água, o Michel Temer foi lá e revogou a Lei de Partilha. Por quê? Porque o plano é entregar; a Petrobrás do Bolsonaro já entregou o negócio que é a distribuição, a BR Distribuidora foi entregue, a logística foi entregue – onde se ganha muito dinheiro também. E eles vão entregando gradualmente nos leilões, vão entregando o pré-sal que são 20 trilhões de riqueza. Percebe? Para que isso aconteça, a gente tem que enfraquecer a nação, então não pode ter identidade cultural. Então, destrói a cultura, desfinancia, faz a cultura ser entendida como um mecenato superficial, bota uma… como eu vou dizer aqui, meu deus do céu?… bota uma ridícula no Ministério da Cultura, aí, não sendo suficiente, bota um ridiculinho agora. Mas, e a educação? Bota quem na educação?  Bota um alucinado na educação, que agora nessa fita eu espero que o MInistro Celso de Mello  libere, o país vai ver o Ministro da Educação do Brasil chamando os ministros do Supremo Tribunal de filhos da puta e dizendo que eles deviam ser todos presos, explorando um antagonismo popularesco que há de – realmente a sociedade tem toda a razão -, que é a sensação do nosso povo de que justiça no Brasil é só para ladrão de galinha, porque muitas vezes o judiciário deserta disso, mas a solução não é fechar e muito menos prender, né. Nem a ditadura fez. Ele diz isso na reunião oficial, e os outros calados estavam, calados continuaram.

Então, veja, destruir a ciência e a tecnologia… então, o que está acontecendo? Bota um lunático na ciência e tecnologia, destrói um orçamento, destrói o locus de interlocução com a  comunidade acadêmica, com a comunidade cultural, a comunidade artística, a comunidade técnico-científica, para quê? Para esgarçar o país. Porque o obscurantismo precisa da ignorância  e nisso vai outro antagonismo meu com o Lula. não tem nada de falar mal. Parece que o Lula também se serva nisso, na base ignorante, na ideia de uma gratidão difusa que as pessoas têm que ter eternamente com ele porque ele fez o Bolsa Família. Francamente, francamente. Agora o Bolsonaro vem e dá o 13º do Bolsa Família; vai ser o Lula mais um? Que é isso?

Paulo Markun: Ciro, vários países no mundo têm feito já projetos de sustentação dos seus trabalhadores desempregados ou de financiamento, ou  mesmo recursos a fundo perdido para tentar recuperar a economia quando essa pandemia passar, que são de um percentual muito elevado do PIB. Falo assim, 20% em alguns casos, 10% em outro, 14%, enfim, depende do país. Como é que nós vamos recuperar isso quando, ao que tudo indica, as ações no nosso Brasil a isso são pequenas ainda e muito circunscritas, o dinheiro sequer está chegando na ponta, seja das empresas que precisam de financiamento, seja das pessoas que precisam de dinheiro para comer?

Ciro Gomes: Eu tô diariamente me esgoelando, falando pelos cotovelos, correndo o risco de ser mal entendido, angustiado com isso. Nós ainda temos que lutar para impedir que se consuma essa tragédia de saúde pública e econômica sem precedentes que nós estamos construindo. Que ninguém duvide, não há exagero nenhum na minha palavra. Deixa eu dizer aqui: daqui para segunda-feira, o Brasil virará o segundo lugar em contaminação do Planeta Terra e as últimas rodadas dos modelos que as nossas universidades têm, com metodologia do imperial que é de quem orienta o enfrentamento na Europa, especialmente nos Estados Unidos, simulam até cem mil mortos no Brasil – num número moderado, que está se praticando já. Então, veja, se você tem isso, você só tem uma coisa para fazer, uma, que é agravar o isolamento social, porque não tem vacina e nem tem remédio. No Brasil, tomou a velocidade de contaminação a maior do mundo; cada brasileiro contaminado, mesmo sem os sintomas contamina três. Se nós não invertemos para um contaminar menos de um, a curva vai só subir. Se um contaminar um e meio, se um contaminar dois ou contaminar dois e meio, a curva vai subindo; pode não subir com a mesma velocidade, mas vai subir. Só muda a curva quando a gente, cada um, na estatística, contamina menos de um. Ou seja, é preciso que duas pessoas contaminem uma, na média, para que a curva inverta. Até isso acontecer, só tem uma saída, ou, para isto acontecer só tem uma saída que é o isolamento social radical. Nós estamos aí meia bomba: o governador diz que é para fazer, mas vacila aí no lockdown porque tem muita pressão, muita contra pressão, consciência política, muita ideologia, muita radicalização, etc. e o Presidente da República indicando o caminho oposto.

Mas, vamos lá, se uma hora dessas, com 30 mil, 40 mil, 50 mil mortes finalmente a ficha cair, nós vamos fazer o lockdown que devia ter sido feito e com 15 dias nós virávamos a curva, portanto a economia tinha sofrido menos. Olha a tragédia de ser mal governado um país como o nosso de ser governado por imbecis e genocidas como nós estamos sendo governados, e esses generais…. Por exemplo, 20 generais, generais não, 20 militares no Ministério da Saúde, Markun; nenhum com formação em medicina. Vinte profissionais! Agora, parece que é para passar cocô no nariz da gente, nomearam o advogado das milícias que matou a  juíza no Rio de Janeiro para ser assessor pessoal do Ministro, que é um general. Eles estão acho que testando o nível de tolerância dos brasileiros, porque, francamente, eu não compreendo isso que está acontecendo.              

Pois bem, o isolamento social radical sendo a única solução, o colapso econômico é dado, não é uma opção. Percebe? Não é uma opção. Se isso é verdade, nós temos que ir para a indenização das pessoas e das empresas; é uma lógica e não é uma lógica que eu estou teorizando, é o que o mundo está fazendo. Então, como as pessoas, nós fizemos aí, com muita briga e tal, conseguimos: R$600,00 reais de três vezes… deveria ser só uma vez de R$1.800,00 para evitar aglomeração, para as pessoas se anteciparem, se abastecerem, etc, não precisar circular, mas não, fizeram em três vezes e até agora 55 milhões de brasileiros receberam, faltam 10 milhões receber, muita confusão de cadastro, muita incompetência, mas estamos indo.

A outra parte sequer começou. O Congresso aprovou uma linha de crédito com oito meses de carência, 36 meses para pagar, juro nominal zero- como tem que ser-, e com fundo garantidor para eventual inadimplência, e simplesmente o Bolsonaro não regulamentou, ou seja, não começou o primeiro centavo. Nós estamos terminando o mês de maio e não acudimos ainda, sequer com crédito – não é dar dinheiro não, é crédito para retornar o valor real-, não atendeu. Tem 60 bilhões para acudir os governos estaduais e municipais pela perda de receita e o Bolsonaro não sancionou, já está aprovado há mais de 15 dias. Então, a nossa luta é para pressionar por essas soluções. Como não estão fazendo, o que está prenunciando para o Brasil? Está prenunciando uma tragédia de saúde pública, a mais grave da nossa história – deve bater a pandemia da gripe espanhola que matou 82 mil brasileiros, em 1918, no século passado – e nós no Brasil vamos sofrer a consequência econômica pelo menos o dobro daquilo que vai ser a média da crise econômica extensa do mundo; quando nós não precisávamos fazer isso.

Para começar… Se eu estiver falando demais, me interrompa. Mas, para começar, nós identificamos um trilhão e agora 200 bilhões de reais no caixa único da União. Duzentos bilhões, isso está livre para você aplicar agora, agora, do caixa da União. Antes de a gente entrar no debate se vai expandir dívida ou se vai emitir moeda, nós temos dinheiros ouvindo a conversa. As pessoas às vezes têm dificuldade de acreditar no que eu estou dizendo; eu fui Ministro da Fazenda. Por que tem saldos de fundos, por exemplo, fundo de expansão das telecomunicações…faz 15 anos que não se aplica um centavo, mas como é vinculado, esse dinheiro vai para o caixa. Uma leizinha no Congresso ou uma liminar do Supremo desvincula. Nós estamos fazendo, o Deputado Mauro Filho está apresentando um Projeto de Lei para mostrar que o governo que tem aí 300 bilhões de reais que dá para a gente conversar até agosto – nos dois campos, enfrentar a pandemia e acudir as empresas. Não fazem porque têm intoxicação ideológica estúpida.

A outra solução, para além desse, é expandir a dívida pública. Por quê? Porque a dívida como proporção do PIB brasileiro é relativamente pequena; embora eles façam um terror imenso a proporção dela com relação ao PIB ainda é relativamente pequena. O grande problema da dívida brasileira é o prazo, mas nesse quadro você pode emitir títulos prefixados com um prazo de maturação mais longo e atravessar isso. Agora, o Banco Central tem que mudar de conduta, invés de ser um escalão avançado do setor financeiro. É o que eu tô dizendo, o governo Bolsonaro botou R$1.200.000.000,00 no setor financeiro 40h depois da pandemia ser declarada emergência, no pretexto – sem regulação – dos bancos expandirem o crédito. Os bancos brasileiros retraíram o crédito e aumentaram a taxa de juros em até 70%.

Paulo Markun: Você tem uma ligação muito forte, obviamente, com o Ceará, quer dizer, politicamente. O seu grupo político está há bastante tempo, no Ceará, no comando.

Ciro Gomes: Hoje quem governa o Ceará é o PT

Paulo Markun: Sim, mas eleito com o seu apoio.

Ciro Gomes: Exato. Como o governador da Bahia foi eleito também com meu modesto apoio, porque lá ele não precisa em nada de mim; como o Governador do Piauí também eu votei; como votamos no Jorge Viana de novo lá no Acre. mas, para essa petezada ‘lulopetista’ fanática, corrompida, nada disso vale, nem respeito eu mereço.

Paulo Markun: Mas a pergunta é a seguinte, como é que o Ceará está atravessando essa pandemia e por que que os resultados não são melhores lá?

Ciro Gomes: Os resultados aqui são aqueles que o Brasil vai ver. Apenas, nós entramos aqui uma três ou quatro semanas antes do Brasil porque somo um lugar intensamente turístico. E aí você veja as aberrações do Brasil: nós recebemos aqui 18 a 20 mil turistas estrangeiros por cada 30, 40 dias. O Governador Camilo Santana em boa hora, lá atrás, solicitou o governo cancelamento dos voos; o Governo Federal que é o único que pode fazer, disse que não; o Camilo foi para a justiça, conseguiu uma liminar da justiça; o Presidente Bolsonaro foi no Regional Federal pela Advocacia Geral da União e caçou a liminar. Nós então invadimos o aeroporto para fazer, com a nossa vigilância sanitária o teste, para ver se as pessoas estavam chegando com febre da Itália, da Espanha, dos Estados Unidos, já em plena pandemia. O Bolsonaro foi lá e conseguiu proibir, via judicial, que a gente fizesse teste no aeroporto. Por isso nós começamos mais cedo.

Então, explodiu aqui e o que nós fizemos? Foi o primeiro também estado que.. Quer dizer, não foi o primeiro, foi logo em seguida ao primeiro…importamos do estrangeiro respiradores, expandimos em mais de 600 leitos de UTI – só para você ter uma ideia, o Governo Federal não abriu nem 400 -, nós fizemos 600 leitos de UTI, mais de 3.000 leitos novos na capital e no interior e estamos aqui toreando. Toreando a questão do isolamento social, agravamos o quadro, não chegamos em lockdown ainda, mas estamos tentando dar força. Se Deus quiser, nós estamos conseguindo em Fortaleza estabilizar a curva. Não é hora, mas ontem morreram 261 cearenses, 261 cearenses morreram ontem. E a minha exasperação com o Governo Federal vem disso, da minha observação aqui no campo. E ainda pegamos, nas antecedências disso, um motim da PM estimulado pelo Bolsonaro, elo Moro e pelos filhos dele, os filhos do Bolsonaro.

Paulo Markun: última pergunta; nosso tempo está acabando, Ciro. E depois eu lembro, nós vamos exibir essa conversa na íntegra tanto no facebook quanto no Youtube, que estranhamente parou de exibir, por alguma questão técnica ainda não identificada.

Você é otimista nessa circunstância que a gente vive?

Ciro Gomes: Olha, eu luto, e para lutar a gente acredita na possibilidade de virar o jogo, não é? Agora, eu não acho que a gente tem que se proteger disso, eu acho que pessimismo é uma energia negativa que atrapalha a gente lutar. Mas, otimismo às vezes é uma espécie de alienação. Eu sou realista, o Brasil tem tudo, tudo, tudo que é importante: território, base física, base humana, riquezas minerais, petróleo, base energética, biodiversidade, enfim, temos gente, temos tudo; o nosso problema é o fracasso explosivo d política, mas se a gente preservar a linguagem da democracia que é a política, uma hora dessas o povo – com sua inteligência abençoada por Deus – vai achar o caminho. E eu vou lutar no meu limite para ajudar a acontecer.

Paulo Markun: Ciro, muito obrigado pelo sua entrevista.

Ciro Gomes: Obrigado, Markun.

Paulo Markun: Boa sorte aí. Se cuide. Eu lembro a todos que a entrevista vai ficar no Youtube e no Facebook disponível e lembro também que na próxima quarta-feira, às 16h do horário do Brasil, a nossa convidada é a ex-ministra Marina Silva. Até lá. Obrigado.

Ciro Gomes: Um abraço.