Década da Ciência Oceânica declarada pela Unesco alerta para necessidade urgente de preservação

Por Caroline Marques Maia e Luciane Borrmann

O oceano cobre mais de 70% da superfície da Terra e está ameaçado por poluição, sobrepesca, invasão de espécies exóticas e mudanças climáticas

Imagem: Luciane Borrmann

A quantidade de plástico acumulada no oceano, que já sofre com muitos outros impactos relacionados às atividades humanas, pode alcançar 600 milhões de toneladas até 2040 se nenhuma medida for tomada, segundo estudo publicado na revista Science. Nesse cenário, a Unesco declarou a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável entre 2021 e 2030.

A Década traz o conceito de um único oceano global. “A ideia de cinco oceanos é uma divisão geopolítica. O oceano tem uma dinâmica de massa d’água única que circula e se comunica. Ao ser um só, entendemos que qualquer ação nele influencia o mundo inteiro”, afirma Ronaldo Christofoletti, professor da Unifesp e coordenador da Estratégia Brasileira de Comunicação para a Década do Oceano pela Unesco.

Em 2017, a Organização das Nações Unidas (ONU) já havia declarado esse mesmo período como a Década da Oceanografia, com foco na cooperação internacional em estudos científicos para uma melhor gestão dos recursos oceânicos. Ano passado, a Unesco lançou o Programa sobre Cultura Oceânica no Brasil e, este ano, trouxe um conjunto de propostas que envolvem mudanças físicas, comportamentais e institucionais para uma economia mais sustentável em relação ao ambiente marinho.

Impactos das atividades humanas

Um recente levantamento da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos traz cinco grandes problemas relacionados às atividades humanas que afetam a biodiversidade, especialmente no mar. “São as mudanças climáticas, a fragmentação e a supressão de habitats, a sobrepesca – que é a captura excessiva de organismos marinhos, a invasão de espécies exóticas – que não ocorrem naturalmente no local, e a poluição”, aponta Alexander Turra, coordenador da cátedra da Unesco para a Sustentabilidade do Oceano.

Os impactos no oceano são imediatos quando ocorre um grande derramamento de óleo, esgoto ou lixo. “Quando vemos aquelas manchas de óleo enormes chegando nas praias, há o efeito imediato agudo, que é a mortalidade” comenta Turra. O coordenador também ressalta que mesmo não sendo tão fortes, há efeitos crônicos tóxicos para o organismo que permanecem no ambiente insalubre, o que afeta, inclusive, os seres humanos. “Esses poluentes estão em alta concentração nos predadores de topo, como cações e tubarões, que consumimos”.

Turra esclarece as principais consequências desses impactos. “Aumento da taxa de extinção de espécies, além da perda de habitats e de biodiversidade, e com isso a perda dos serviços derivados do oceano”. Nesse cenário, se nenhuma ação for tomada,  será difícil reverter no futuro. “Se continuar nessa taxa, chegaremos a um grau de degradação muito grave, cada vez mais difícil recuperar”, destaca Ronaldo.

A cultura oceânica

A conscientização sobre a importância do oceano para o equilíbrio do planeta através da cultura oceânica é fundamental para assegurar os recursos e serviços que vêm do ambiente marinho. “O oceano provê serviços ecossistêmicos de regulação climática, provisão alimentar e até culturais. E muitos desses serviços são impactados por atividades irregulares, não reportadas, não documentadas, por falta de conhecimento”, destaca Leandra Gonçalves, bióloga e pós-doutoranda no Instituto Oceanográfico da USP e da Liga das Mulheres pelos Oceanos.

O ambiente marinho provê recursos que as pessoas geralmente nem imaginam. “Neste exato momento, ao inspirar, mais de 50% do oxigênio veio do oceano. Você gostaria de respirar um oxigênio de um oceano poluído? O oceano está absolutamente presente em nossas vidas e nossas ações têm impacto direto nele”, lembra Ronaldo. 

Segundo Camila Domit, bióloga do Centro de Estudos do Mar (UFPR), há falta de empatia ambiental. “De maneira geral, perdemos a conexão com os fatores primários para a manutenção da vida”, destaca. A falta de consciência pelo oceano pode ser fruto da dificuldade de identificação com o ambiente marinho. “Talvez o oceano seja o ambiente mais distante. O homem não se reconhece como uma espécie desse ambiente”, destaca Ronaldo. É também comum a falsa imagem de que o oceano tem capacidade infinita. “A gente olha o mar e não vê fim. Muitos impactos no oceano não enxergamos claramente. Uma floresta desmatada gera uma imagem mais poderosa”, pontua Leandra.

O futuro

Para algumas ações humanas, como pesca e exploração de gás, já se conhecem os impactos e as formas de mitigar seus efeitos. “Reduzir poluição química e sonora da atividade, além de conduzir as atividades para regiões de menor importância para a biodiversidade, evitando alterações em áreas prioritárias, é fundamental”, destaca Camila. Para os aspectos ainda desconhecidos, Leandra lembra da importância de realizar mais estudos científicos. “Existem muitos dados sobre o impacto da sociedade no oceano, mas muitos desses dados têm lacunas ou falta de continuidade. A Década vem integrar esses conhecimentos para construir pontes na elaboração de políticas públicas mais eficientes”.

Além disso, é fundamental investir em políticas públicas mais imediatas. “Boas políticas públicas, que olhem o oceano de forma integrada, considerando a interação entre sociedade e ambiente, harmonizando o uso com as atividades econômicas”, comenta Leandra. Para Camila, isso é ainda mais crucial no cenário atual. “Falta aproximação entre sociedade, governo e ciência. Precisamos avançar na efetividade das políticas públicas nacionais, acordos intergovernamentais e compromissos internacionais”. 

Caroline Marques Maia é bióloga e doutora em zoologia (Unesp). É gestora-diretora do Clube Ciência do Instituto GilsonVolpato de Educação Científica, e comanda o blog ConsCIÊNCIA Animal. Cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp.

Luciane Borrmann é jornalista e cursa especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp