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O trabalho e o vício da virtude

Carlos Vogt

Vivemos um momento delicado na história do planeta. E não por razões cósmicas, cosmológicas, astronômicas ou mesmo astrológicas. Não por razões naturais, pois, mas por razões culturais, quer dizer, por motivações sociais, políticas, religiosas e que tais.

Enumerar os graves problemas que o homem hoje enfrenta, em diferentes circunstâncias, mas com a mesma intensa e indeslindável presença, é fazer desfilar uma lista interminável de alegorias do mal, da dor e do sofrimento.

Entre essas alegorias do padecimento humano nas sociedades contemporâneas está, qual uma locomotiva da crueldade do progresso, a do desemprego, a da falta de trabalho, a da ausência de perspectiva para o exercício de uma profissão, a da falta de ocupação e, conseqüentemente, a da negação da identidade pessoal por falta total do espelho no qual se reproduz a imagem social de nossas semelhanças e de nossas diferenças. Estamos no ponto de nos percebermos feitos ou só de semelhanças - o que produz, como significado, o ruído ensurdecedor do silêncio absoluto -, ou de puras diferenças - o que gera o silêncio alucinante do alarido contínuo.

O recente Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), resultado da pesquisa realizada em 2002 a pedido do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), confirma o silêncio da mesmice na América Latina e alerta para o ruído de conclusões alarmantes para a democracia neste continente em permanente emergência.

Feita em 18 países, sendo entrevistadas 18.643 pessoas, a pesquisa mostra que a maioria da população da América Latina (54.7%) se diz favorável a trocar a democracia política nos seus países por governos autoritários, se com isso houver crescimento econômico e conseqüente melhoria em suas condições de emprego, trabalho e bem estar social.

O Brasil ficou quase no final da fila em preferência pela democracia (15º lugar com apenas 30.6% dos entrevistados podendo ser considerados democratas), mostrando, pela pesquisa, a fragilidade do sistema na percepção pública de seus benefícios.

Este talvez seja o maior impasse que as liberdades conquistadas nas últimas duas décadas enfrentam no nosso continente: liberdade política, liberdade de expressão, liberdade de movimento, liberdade de circulação do capital financeiro, mas também falta de confiança nos políticos, politização dos meios de comunicação, falta de mobilidade social e exclusão, muitas vezes absoluta, de parcelas enormes da população da ciranda dos cada vez mais poucos que gozam dos privilégios da livre circulação do dinheiro pelos mercados internacionais.

Em outras palavras, globalizam-se as condições de reprodução do capital financeiro ao preço de sacrifícios regionais - chamados emergentes - nunca antes conhecidos.

Daí o risco das motivações para induzir, tal como revela o Relatório da ONU, as populações a dissociarem da democracia as virtudes do bem estar social gerado pelo desenvolvimento da economia. O que é ruim para os indivíduos, péssimo para a sociedade e pior ainda para os futuros da qualidade de vida do homem e do meio ambiente no planeta.

Já se disse com sincera hipocrisia ou com disfarçada virtude que a hipocrisia é o tributo que o vício paga à virtude. Uma das virtudes apregoadas da democracia é a visibilidade de suas formas de decisão, de representação e de participação das sociedades na formulação dos destinos de seus repousos e de suas transformações.

A hipocrisia democrática que só ponha ao alcance das populações os simulacros de seus benefícios sem, contudo, permitir-lhes o acesso real ao conforto material de suas liberdades ideológicas e/ou virtuais corre o risco de gerar, na percepção de seus atores e usuários, uma contradição perversa entre liberdade e bem estar social.

Nesse momento, a hipocrisia subsumirá a sinceridade e o vício, não tendo mais tributo a pagar a quem quer que seja, confundirá a virtude com uma inconveniência passageira a ser contornada para o pleno triunfo dos finalismos que tudo justificam.

Passa-se, assim, do equilíbrio ético construído entre o vício e a virtude para a plena vigência do cinismo de resultados competitivos, acirrando os individualismos a ponto de ameaçar a consistência dos elos que sustentam o contrato social que oferece condições de vida ao homem e que é razão de ser de sua vida em sociedade.

A questão do trabalho, do emprego, da ocupação, da mobilidade social é grave no mundo contemporâneo e mais grave ainda em países como o Brasil, pois aponta para a necessidade de medidas políticas urgentes dos governos, das entidades e das instituições nacionais e internacionais, que alterem a rota de colisão em que as nossas sociedades foram postas pelo primado do capital especulativo e pouco produtivo, não só do ponto de vista econômico, mas sobretudo do ponto de vista social, político e cultural.

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Atualizado em 10/05/2004

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