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Conteúdos e programas na reforma do ensino superior

Alfredo Gontijo de Oliveira

Existe uma crise no ensino superior brasileiro! Trata-se, portanto, de promover uma reforma.

As diversas áreas do conhecimento são marcadas hoje por um processo acelerado que gera novas descobertas, inovações e experiências nos domínios tecnológicos, científicos, humanísticos e artísticos. Paralelamente a essa aceleração, estamos atingindo limites estabelecidos pelas abordagens disciplinares com seu culto à hiper-especialização que gerou a bifurcação entre as ciências básicas e as tecnológicas. Essa opção acentuou também o afastamento entre as humanidades e as artes de um lado e a inovação e as tecnologias de outro lado.

A fragmentação do conhecimento e a proliferação das especialidades nas instituições de ensino superior da atualidade coloca um grande dilema para os jovens que chegam ao ensino superior. De uma perspectiva, temos uma parcela significativa que anseia por uma formação profissionalizante que a coloque rapidamente no mercado de trabalho e, a partir da geração de renda, possa ter a oportunidade de construir sua independência financeira num processo inclusivo. Essa é uma demanda dominante no Brasil em função da acentuada exclusão social. Isso reflete a grande multiplicidade de perfis socioeconômico e cultural na estruturara social. De outra perspectiva, o processo acelerado de geração do conhecimento faz com que as pessoas demandem uma formação continuada para serem profissionais participativos durante toda a vida. Assim, a formação profissional absoluta obtida através de um período de 4 ou 5 anos instituição de ensino superior que foi dominante no século XIX passou a ser um modelo superado, surgindo como alternativa as metodologias do “aprender a aprender”. A necessidade de ser um profissional atualizado por toda a vida contemplando trocas de profissão, caracteriza uma condição da contemporaneidade, que é a de viver muitas vidas (profissionais) em uma única vida (biológica).

Esse cenário, em muitos aspectos com características contraditórias, nos coloca diante da necessidade de promover uma profunda mudança no ensino superior. Uma maneira de discutir essa questão seria remetendo-a para níveis anteriores de educação e não teríamos dificuldades em rapidamente retrocedermos até o ensino básico. Embora isso esteja correto, se nos apegarmos a esse diagnóstico, estaremos impedidos de refletir numa perspectiva de curto prazo. A crise é de dimensões que não podemos trabalhar a questão da reforma do ensino superior somente numa perspectiva de longo prazo.

Uma reflexão de natureza genérica para orientar as mudanças no ensino de terceiro grau que têm surgido com freqüência, fundamenta-se na premissa de que, numa primeira fase, os alunos precisariam adquirir habilidades básicas e unificadoras. Essa idéia não é nova, e num passado recente foi uma das premissas da reforma universitária de 1968. Seria depois dessa fase que os alunos poderiam se envolver com conteúdos profissionalizantes podendo, inclusive, construir conteúdos profissionalizantes múltiplos. Essa abordagem propiciaria também a possibilidade de se construir uma formação profissionalizante inter-disciplinar, que tem sido muito valorizada atualmente. É em decorrência desse diagnóstico que estão surgindo as propostas que visam a desprofissionalização da formação no ensino superior.

Essas propostas se fundamentam na crença de que é primeiro necessário capacitar os alunos numa formação básica e abrangente para, num segundo momento, eles poderem traçar outros percursos acadêmicos, numa multiplicidade de instituições de ensino superior que estaria disponíveis para construírem suas carreiras profissionais num processo de ensino continuado. Nesses percursos acadêmicos os alunos poderiam construir múltiplas habilitações profissionalizantes, seja no contexto das profissões existentes, seja na construção de novas profissões compatíveis com o mercado ou com uma nova epistemologia que procura viabilizar a criação de profissões por parte das instituições de ensino superior, ao invés da tradicional submissão ao mercado.

A dificuldade com essa proposta é que, mesmo consistente nos seus fundamentos, ela será de difícil aplicabilidade em função do status quo, que reagirá contra reformas. De fato, um dos aspectos da crise da universidade brasileira advém da organização acadêmica, com base em padrões rígidos da formação disciplinar profissionalizante. A rigidez da formação, definida por uma grade curricular estática, que permite, inclusive, utilizar a metáfora da clonagem, resulta em profissionais com uma curta vida profissional de qualidade e de pouca potencialidade para promover mudanças na sociedade. Os docentes, as disciplinas, os departamentos, os diplomas, as formações, os conselhos profissionais costumam funcionar à maneira de camisas de força. O corpo docente não se vê envolvido no processo de mudança e, na maioria das vezes, atua como um elemento conservador, refugiando-se no comodismo, para atualizarem o conteúdo de sua prática pedagógica. O mais freqüente é o docente que atua com um mero repetidor de conteúdos que aprendeu em sua fase de aluno, que domina e que não demanda um esforço de aprendizagem de conteúdos contemporâneos. Dessa forma, o que se consegue, muitas vezes, é a formação de profissionais anacrônicos se considerado o estado da arte do conhecimento e consolida-se dessa forma, uma prática profissional obsoleta, num processo que se retro-alimenta. A necessidade de trabalhar conteúdos contemporâneos irá colocar o docente diante de dois aspectos que exigirá dele uma postura de humildade: co-aprendizagem com os alunos e uma maior dedicação à sua prática pedagógica.

Outro erro comum é o desenvolvimento de atividades acadêmicas estritamente dentro da sala de aula clássica. Para o desenvolvimento de tecnologias da inteligência, centradas no homem, o espaço virtual assume hoje um papel de destaque. O grande desafio consiste em se conseguir estruturar um projeto para se criar uma nova geração de docentes versáteis que, além de terem uma atitude de pesquisador, consigam transferir para a prática cotidiana suas expertises num ambiente de fortes características virtuais, em que os prédios não precisam ser necessariamente reais. Na realidade, deve-se trabalhar na procura de um compromisso entre as atividades didáticas presenciais e as virtuais. Na outra ponta temos os Conselhos Profissionais que atuam como cartórios, que não conseguem trabalhar a multiplicidade de profissionalização em suas áreas de atuação e menos ainda com a questão da formação inter-disciplinar.

Uma decorrência de movimentos na direção de uma maior excelência, relevância, inclusão estará condicionada à necessidade de uma maior diversidade nos tipos de instituições de ensino superior com correspondente multiplicidade de projetos acadêmicos, para atender à diversidade de formações básicas com elevado grau, já que uma unificação absoluta deve e será enfaticamente rechaçada. Nesse sentido, qualquer modelo centralizado e unificador estará fadado ao insucesso.

Partindo das duas condições anteriores da formação básica e da multiplicidade de instituições têm surgido propostas de reestruturação dos atuais ciclos básicos e da criação de novos tornando-os compatíveis com as demandas contemporâneas. A partir de uma nova concepção, esses ciclos básicos seriam criados nas grandes áreas do conhecimento e com formato diferenciado por área de conhecimento e por instituição. Esses ciclos básicos se destinariam a dar a formação genérica por grande área do conhecimento e habilidades básicas específicas e seriam, eles próprios, finalizadores de uma formação acadêmica, com emissão de um certificado de conclusão. Essa finalização geraria a alternativa de se ter uma maior facilidade de troca de instituição e de ajuste na construção de formação acadêmicas, que seriam feitas de forma mais gradual.

Para isso, o tópico que julgamos mais relevante para fundamentar as reformas está relacionado com “conteúdos e programas”. A Universidade de Harvard publicou recentemente um relatório em que o objetivo é, em 15 anos, estarem formando pessoas que, independente da área do conhecimento, estejam habilitados a ler e entender artigos de revistas como a Science e a Nature. Por essa razão, acreditarmos que a melhor forma de intervir na construção da reforma do ensino superior é através do tópico “Conteúdos e Programas”.

A dificuldade com a questão de conteúdos se liga ao fato de que as propostas de formação básica estão normalmente relacionadas com a idéia de se formar universalistas. A explosão do conhecimento impossibilita isso, não há tempo. Portanto, o caminho a ser perseguido deve utilizar processos de ensinar a entender o conhecimento através de um conjunto manuseável de exemplos que, sem perderem a perspectiva histórica, estejam inseridos na contemporaneidade. O que se deseja é que os alunos possam recorrer aos modos de pensar para que possam entender o mundo no qual estão inseridas. O objetivo deve ser no sentido de fazer com que os jovens se sintam à vontade com seu núcleo intelectual construído.

Os jovens, no seu processo de aprendizagem, devem entender como os cientistas disciplinares abordam as questões e obter uma profunda familiaridade com alguns exemplos emblemáticos. Estes, não apresentam uma codificação disciplinar específica. Com o tempo, após a familiarização com o conjunto de exemplos, os jovens, se quiserem explorar mais amplamente suas ou outras disciplinas, irão dispor de tempo e ferramentas necessárias para continuar o processo de aprendizagem. Isso é uma reforma pois o ensino é hoje fundamentado na premissa da exaustão do conhecimento de uma área específica gerando o hiper-especialista.

No passo seguinte, o do compartilhamento de metodologias, o aluno terá a oportunidade de realizar o exercício inter-disciplinar. Esse exercício é importante para realização de sínteses inter-disciplinares que pressupõem o domínio de mais de uma disciplina. Mais ainda, no campo prospectivo os alunos podem trabalhar metodologias que, ancoradas numa única especialização disciplinar consigam trabalhar as “porosidades” da sua especialização, penetrando outras áreas do conhecimento.

A reforma universitária tem em “Conteúdos e Programas” uma boa plataforma para realmente construir a universidade que o Brasil precisa.

Alfredo Gontijo de Oliveira (alfredo "arroba" fisica "ponto" ufmg "ponto" br) é diretor do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da Universidade Federal de Minas Gerais.

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Atualizado em 10/09/2004

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