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Reforma política em cenário político conturbado

No último dia 22 de junho, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por unanimidade, o projeto de lei de reforma política. O PL, que estava tramitando há mais de um ano, trata de uma questão que vem sido discutida há pelo menos dez anos no cenário nacional. De acordo com alguns especialistas, a atual crise política pela qual o governo tem passado acelerou o processo, já que o Executivo e algumas forças do próprio Congresso Nacional priorizaram a reforma diante de uma Câmara dos Deputados enfraquecida com as denúncias do “mensalão”. Se for respaldado em plenário até o fim de setembro, as alterações valerão para as eleições de 2006.

A reforma política já fazia parte do programa de governo da candidatura do presidente Lula e a discussão foi retomada em 2003. “A discussão estava sendo feita com dificuldades e resistências e tinha a data de 30 de setembro como prazo limite para que as eventuais mudanças tivessem validade já nas eleições do ano que vem”, afirma Marcus Ianoni, jornalista que escreveu, junto com José Dirceu, o livro (esgotado) Reforma política - Instituições e democracia no Brasil atual, publicado pela editora Fundação Perseu Abramo (editora do PT). A aprovação do projeto original da Comissão Especial de Reforma Política, cujo relator foi o deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), deixou clara a falta de apoio ao governo, já que o projeto substitutivo, do deputado Rubens Otoni (PT/GO), foi retirado de discussão.

O PL determina alguns pontos de mudanças no sistema eleitoral que, na realidade, estão interconectados. Um exemplo é o financiamento público de campanhas que, para acontecer, precisa mudar o sistema eleitoral das listas abertas, para as listas fechadas. O sistema atual (de lista aberta) permite que as campanhas para deputados federais, estaduais e vereadores sejam feitas pelos próprios candidatos, com recursos que eles mesmos obtêm, e não pelos partidos. “A proposta de financiamento público visa acabar com apoio financeiro aos candidatos. Presume-se que os partidos recebam financiamento do Tesouro e façam campanha para a lista partidária, ao contrário do sistema anterior, em que cada candidato disputa com seu próprio colega de partido”, afirma o cientista político Charles Freitas Pessanha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O PL estabelece que, a cada ano de eleição, a lei orçamentária incluirá recursos para financiamento de campanha equivalente a R$7 por eleitor, considerando o número de eleitores da eleição anterior. Se valesse em 2002, o financiamento público de campanha teria sido de R$ 806 milhões.

Troca-troca deve continuar

O Brasil possui atualmente 37 partidos filiados no Tribunal Superior Eleitoral e o pluripartidarismo é garantido na Constituição Brasileira. O fim da ditadura militar trouxe a extinção da fidelidade partidária, já que era necessário fazer uma reorganização dos partidos. Mas o assunto voltou à discussão e tem sido apontado pelos especialistas como uma forma de respeitar o voto do eleitor e evitar o “troca-troca” de legendas por parte dos parlamentares. Apesar disso, a fidelidade partidária ficou de fora do PL aprovado. “Seriam necessários mecanismos inibidores da troca de partidos e da indisciplina partidária, como aumento do prazo de filiação e critérios mais rigorosos para desobediência de parlamentares nas votações”, ressalta Pessanha.

No entanto, de acordo com o cientista político Valeriano Mendes da Costa, da Unicamp, o sistema de lista fechada e as campanhas feitas pelos partidos já devem se refletir no comportamento dos candidatos eleitos, pois tornará mais difícil a troca de partido. Isso porque a lista aberta deixa os candidatos mais autônomos: “Quando um candidato faz a sua campanha sozinho com recursos próprios, ele chega ao Congresso [por exemplo] com mais autonomia e tende a mudar de partido de acordo com os benefícios que surgirem”, ressalta. Como o partido não é o verdadeiro eleitor, há um enfraquecimento dos partidos, o que resulta na constante troca de legendas dos candidatos depois de eleitos. “Um exemplo clássico disso é o Garotinho, que já mudou para PSB, PDT, PMDB...”, mostra Costa. De acordo com o pesquisador, alguns partidos dobram e triplicam de tamanho em questão de uma semana, dependendo do contexto. “Geralmente acontece quando assume um governo que começa a atrair deputados para seus partidos, para formar a sua base. isso deslegitima o voto do eleitor”.

Pessanha, porém, atenta para o problema da confecção da lista. Para ele, a disputa intra-partidária continua, já que os candidatos têm que trabalhar para conseguir a melhor colocação na lista fechada. “Nos partidos mais oligárquicos, os ‘caciques’ tenderiam a colocar seus nomes no alto da lista e, nesse momento, o uso do poder econômico também poderia acontecer”, ressalta. “Tenho uma simpatia particular pela lista aberta pelo seu caráter anti-oligárquico: ela permite a intervenção direta do eleitor na hierarquização dos candidatos, marcando um confronto direto com os ‘big-bosses’ dos partidos”, revela.

Fim dos partidos pequenos?

A reforma votada na CCJ também impõe a cláusula de barreira, que já existia desde 1995, mas não estava em vigor. A principal alegação para a imposição da cláusula é que os partidos pequenos seriam um obstáculo à governabilidade. A cláusula determina que os partidos têm que obter 2% dos votos em todo o país para usufruir do horário político gratuito e da participação no rateio do fundo partidário. Esse é um dos principais pontos de polêmica do PL aprovado: “Não sou favorável à adoção da cláusula de barreira, pois os partidos pequenos já ocupam um percentual muito pequeno de cadeiras, isso não é obstáculo à governabilidade”, afirma Ianoni, que considera que a cláusula de 2% (como foi aprovada) é melhor do que a de 5% (como constava da proposta inicial). “O estrago sobre certos partidos pequenos, mas representativos, será menor”, acrescenta.

Além da cláusula da barreira, outro ponto que vai contra os partidos menores é o possível fim das coligações que, apesar de não constar no projeto que foi aprovado, está em discussão em um outro projeto de lei ainda não apreciado na Câmara. As coligações permitem que candidatos de diferentes partidos se elejam a partir do quoeficiente eleitoral (QE) da coligação. Isso faz com que os partidos menores tenham mais chance de eleger, já que, se coligados com partidos maiores, ficam com maior QE. “O problema é a falta de transparência, pois o eleitor perde o vínculo com o deputado. O eleitor pode votar num candidato do PT, o candidato não se elege e o voto dele vai eleger um candidato do PCdoB. A quem ele deve cobrar, se ele não sabe quem ele elegeu?”, pergunta Costa.

O projeto que foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça permite ainda a instituição da “federação de partidos pequenos” para disputar as eleições, ou seja, trata-se de uma forma de manter as coligações, mesmo que elas sejam proibidas pelo outro projeto. Para Pessanha, de acordo com a legislação de 5%, considerando as últimas eleições, apenas PT, PSDB, PMDB, PFL, PP, PSB e PDT teriam alcançado as exigências de desempenho. As regras aprovadas na CCJ da Câmara dos Deputados (a de 2%) acrescentariam PTB, PL, PPS, PCdoB, e o Prona. Os demais partidos estariam de fora.

Tendência internacional

Para Costa, os pontos da reforma seguem uma tendência internacional, já que o Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda tinham eleições por lista aberta. O cientista político explica que a maioria dos países tem voto por lista fechada, com algumas variações. “Em alguns países o eleitor pode alterar um pouco a lista, ou seja, escolher por exemplo entre os 3 primeiros candidatos da lista”, explica.

Projetos de reforma política costumam ser tidos como soluções para os menores problemas políticos, típicos das sociedades democráticas. “Existem pessoas que trazem sempre projetos de reforma eleitoral nas pastas. Isso lembra o ministro da Justiça Gama e Silva, que sempre trazia consigo um anteprojeto de ato institucional durante o regime militar. Em 1968, entrou na reunião do Conselho de Segurança Nacional com o AI-5 praticamente pronto. Consta dos autos da reunião que o general Médici, que mais tarde seria o mais autoritário de todos os nossos governantes, achou a proposta muito autoritária...”, conclui Pessanha.

O poder legislativo no Brasil

O poder legislativo no Brasil é bicameral, composto por uma Câmara dos Deputados e um Senado Federal. Nos termos da Constituição, o número total de deputados e a representação por Estado e pelo Distrito Federal são estabelecidos por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que todas as unidades da federação tenham no mínimo oito parlamentares e no máximo 70 deputados. Para Pessanha, esse medida causa distorções na representação de alguns estados: “tomando por base a eleição de 1998, o estado do Amazonas tem uma bancada de oito parlamentares, de acordo com sua população; as mesmas regras determinariam para Rondônia quatro deputados, mas o estado possui oito devido ao piso constitucional. O mesmo cálculo determinaria para São Paulo 111 parlamentares, entretanto, o teto limita a 70 parlamentares, criando um déficit de 41 vagas”, exemplifica o pesquisador.

O Senado Federal tem representantes dos estados e do Distrito Federal, sendo que cada um elege três senadores, com mandato de oito anos. A representação de cada estado e do Distrito Federal é renovada de quatro em quatro anos, ou seja, em cada eleição se escolhe um ou dois senadores, alternadamente. Para Pessanha, o fato de unidades federativas distintas terem o mesmo número de representantes é típica dos países federalistas que possuem câmaras “democráticas” (a de deputados, no nosso caso) e “câmaras territoriais” (o Senado). “Estados menos populosos como Roraima, Amapá e Acre possuem a mesma representação que São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro”, critica.

(SR)

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Atualizado em 10/07/2005

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