Reportagens






 
Software para bioinformática ganha o mercado

"Com o aumento dos investimentos de indústrias da informática no desenvolvimento de softwares para a biologia molecular, há uma tendência da bioinformática ficar mais comercial e menos acadêmica", esta é a avaliação da professora Diana Magalhães de Oliveira, coordenadora do Núcleo de Genômica e Bioinformática da Universidade Estadual do Ceará. Atualmente, a maior parte dos softwares usados para a bioinformática foi desenvolvida por pesquisadores de universidades, que distribuem gratuitamente os programas para as instituições de pesquisa e os vendem, eventualmente, para empresas privadas. A partir dos resultados, ainda incertos, da mudança no contexto de produção desses programas de análise genética, crescem as expectativas de ampliação do comércio no setor e aumenta a necessidade do debate sobre as vantagens, as desvantagens e a forma que deve assumir a mercantilização da atividade.

As seqüências de bases nitrogenadas que compõem o DNA, obtidas pelos projetos genoma, teriam pouca utilidade se não existissem as ferramentas computacionais necessárias para a compreensão da enorme quantidade de dados resultantes. Os benefícios sociais, ambientais e econômicos que prometem os cientistas a partir das pesquisas genômicas só serão possíveis se existir a capacidade de integrar a análise do DNA com as diferentes funções que ele pode determinar no organismo. Dentro desta perspectiva, o rápido desenvolvimento de softwares, que consigam responder melhor às necessidades específicas das pesquisas, é um fator fundamental para o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil.

Com o auxílio da bioinformática é possível extrair informações relevantes a partir das seqüências de DNA e de proteínas, obtidas pelo processo de seqüenciamento automático de nucleotídeos e de aminoácidos. "A análise computacional pode desvendar detalhes e revelar arranjos na organização de dados genômicos e proteômicos, ajudando a esclarecer a estrutura e a função dos genes e proteínas estudados", conta Oliveira. Os principais programas utilizados, geralmente, são os softwares desenvolvidos exclusivamente para esta função. Eles são elaborados na plataforma Unix ou Linux, que têm uma interface menos "amigável", ou seja, são mais difíceis de serem operados em relação aos programas convencionais, mas possibilitam uma maior capacidade de intervenção do pesquisador para atender a suas exigências. "Quando nós (da área de biológicas) começamos a trabalhar com a bioinformática, nos vemos obrigados a ter que penetrar no 'mundo' da computação", comenta a professora.

A partir da seqüência de bases definida, o pesquisador tem que saber onde começam e terminam os genes. Para isso, existem softwares especializados. Existem, também, softwares para analisar se a seqüência tem qualidade e confiabilidade, outros programas servem para montar o mapa genético e para analisar as montagens. Cada software só é ideal para trabalhar com a análise de um determinado organismo ou de um organismo muito semelhante. Uma pequena diferença no objeto analisado traz a necessidade de alterações nos programas, o que torna o desenvolvimento de softwares para bioinformática uma atividade crescente e promissora para a economia e o desenvolvimento científico.

Existem softwares considerados como padrão para a análise de dados em biologia molecular. Segundo Oliveira, estes programas funcionariam como um "molde" que, em geral, sofre modificações e adaptações para, gradativamente, adequar suas características às necessidades específicas de cada espécie pesquisada. "Isso é o estimulante na bioinformática", afirma a pesquisadora e completa: "o profissional da área tem que saber explorar tanto a aplicação e desenvolvimento do programa quanto as questões biológicas envolvidas, para que as perguntas possam ser respondidas".

Softwares acadêmicos versus comerciais
Nos últimos anos, o desenvolvimento da biologia molecular esteve cada vez mais interligado com os avanços da informática, que é uma das ferramentas necessárias para se trabalhar com a grande quantidade de informações. Enquanto ocorre uma tendência de expansão e migração do mercado de desenvolvimento de softwares de bioinformática para a iniciativa privada, segundo Oliveira, "também existem indicativos de desconcentração de usuários, que começam a ocupar o segmento de pesquisa e desenvolvimento (P&D) industrial e comercial, extrapolando o universo científico da academia".

Os pesquisadores que desenvolvem softwares para bioinformática nas universidades, em geral, detêm a propriedade intelectual do produto, porém, estes programas são gratuitamente liberados para usuários de instituições de pesquisa, via troca de e-mail. Os usuários de empresas privadas pagam pelos direitos autorais para a aquisição do programa. Nos dois casos, os chamados softwares acadêmicos permitem que o usuário altere o programa para adaptá-los às necessidades específicas de cada pesquisa. Já os softwares com uso unicamente comercial têm o código de acesso fechado, não permitindo alterações no programa por parte do usuário.

Na opinião de Christian Probst, responsável pelo setor de Bioinformática do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), para atender as necessidades dos pesquisadores, os softwares deveriam ter uma considerável capacidade de processamento e um bom potencial de exploração (desenvolvimento), seja através de novos programas ou de novos métodos.

Segundo Probst, "podemos separar os softwares comerciais daqueles desenvolvidos nas universidades através de duas características: a facilidade de uso e a capacidade de inovação". Os softwares acadêmicos para bioinformática geralmente necessitam de um bom conhecimento sobre o computador e o sistema operacional por parte do pesquisador. Em geral, estes softwares são feitos nos sistemas Unix ou Linux, permitindo que sejam constantemente avaliados e atualizados e que tenham maior capacidade de processamento. Para o pesquisador, "esta flexibilidade ocorre pelo fato dos softwares serem, geralmente, de acesso livre, possibilitando o exame atento e minucioso de toda uma comunidade científica".

"Softwares comerciais são mais 'amigáveis', porém, em geral, são mais limitados, demoram mais para implementar inovações e, em um campo que sofre inovações diárias, este é um ponto importante", afirma Probst. Para ele, o nível de profissionalização e conhecimento exigido do pesquisador em bioinformática deveria supor a capacidade de lidar com os sistemas Unix e Linux e de interagir de uma forma mais direta com o computador. "Todos esses argumentos levam à preferência do software não-comercial, acadêmico, sem contar o principal argumento para muitos, o baixo custo", conclui Probst.

Já o professor João Meidanis, do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas, acredita que seria difícil continuar desenvolvendo softwares para bioinformática dentro da universidade, pois, segundo ele, "os pesquisadores precisam priorizar suas atividades acadêmicas de ensino e pesquisa". Outro problema levantado por ele, ao participar da criação dos softwares usados no projeto genoma da Xylella fastidiosa, foi a dificuldade de encontrar alunos para trabalhar com bioinformática na universidade, "o aluno quer fazer a sua dissertação de mestrado e sua tese de doutorado, ele não quer desenvolver software para bioinformática", afirma o professor.

Para tentar contornar esses problemas, Meidanis mudou seu regime de trabalho na universidade, de dedicação exclusiva para parcial, e fundou a primeira empresa brasileira especializada em desenvolvimento de softwares de bioinformática - a Scylla, onde é o atual diretor-presidente. Essa empresa recebeu financiamento da Votorantim Ventures, que é uma investidora em capital de risco do Grupo Votorantim.

Na opinião de Meidanis, seria função da iniciativa privada desenvolver a pesquisa focada no aprimoramento incremental de seus produtos, que geralmente é específica e não aplicável a contextos mais gerais e a universidade deveria se ater mais a desenvolver pesquisa básica e aplicada de utilidade mais geral. "Nas empresas, é preciso olhar todos os aspectos, mesmo aqueles que não significam pesquisa original", afirma ele, e completa: "na universidade, este tipo de atividade é pouco valorizada".

Os primeiros clientes
Já são clientes da Scylla: o Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), que pretende, com o software comprado, analisar respostas a medicamentos antidepressivos e características genéticas da esquizofrenia; a Alellyxs, empresa de biotecnologia formada por pesquisadores da Unicamp e da USP; e o Consórcio Forest de Empresas de Papel e Celulose, que ajuda a financiar as pesquisas em eucalipto.

Estão em fase de negociação, produtos para as indústrias farmacêuticas e agrícolas, que se relacionam com os genomas já seqüenciados nos setores de citricultura, cana-de-açúcar e eucalipto. Também está em fase de conversação, a venda de softwares para algumas unidades da Embrapa e para auxiliar a análise do sequenciamento do genoma do boi, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Angus Central Bela Vista Pecuária Ltda.

Existem softwares específicos para a comparação de seqüências biológicas (nucleotídeos do DNA e aminoácidos de proteínas), visando obter informações sobre função, montagem de genomas e inferências filogenéticas. Exemplos destes tipos de programas são BLAST, CLUSTAL, PHRED, PHRAP, CONSED, CAP3, dentre outros.

Alguns programas têm como objetivo a análise da expressão gênica, visando obter padrões e genes específicos à determinada condição, como, por exemplo, de uma célula tumoral, de um outro tipo celular específico ou da resposta de um organismo a uma agressão ambiental. Ex: Bioconductor Project, TIGR T4. Em geral, estes programas são agrupados em pacotes de diversos programas.

Livre, proprietário, comercial ou acadêmico?

O software não é um produto comercial trivial, um objeto fechado que pode ser vendido. Na verdade, ele é um conjunto de informações que são inseridas no computador para que este execute algumas funções. Por isso, os autores de softwares possuem direitos autorais sobre sua criação, assim como compositores e escritores têm direitos sobre músicas e livros. A maneira como o produto software é comercializado ou distribuído é dada pela licença sob a qual o detentor dos direitos autorais registra seu produto. O software que os pesquisadores em bioinformática têm chamado de "comercial" é o software proprietário, ou seja, cuja distribuição de cópias do programa, de suas linhas de programação (o código-fonte) e de eventuais alterações é controlada e só pode acontecer mediante autorização do detentor dos direitos autorais. Já os softwares "acadêmicos" se aproximam da filosofia do software livre, um modelo de licença em que a cópia, a alteração do código-fonte e a distribuição pode ser feita livremente, desde que a autoria seja mantida.

(AP)

 
Anterior Proxima
Atualizado em 10/08/2003
http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2003
SBPC/Labjor
Brasil