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Biotecnologia: aplicações e tendências

Na bioinformática cada equipe de pesquisadores leva anos para estudar e conhecer um pedacinho do quebra-cabeças que é o código genético e as informações colhidas em diversos centros científicos espalhados pelo globo são armazenadas em bancos de dados específicos, como por exemplo o World Bank Schistosoma Genome Network (rede internacional que compartilha seqüências decifradas de genes do parasita causador da esquistossomose), que conta com instituições colaboradoras no Brasil, EUA, Inglaterra e Egito. Numa área tão especializada como essa, em que o mapeamento de milhares de seqüências é feito para ser usado em outras pesquisas, é de se esperar uma certa dificuldade em visualizar a aplicação final dos resultados, isto é, para que serve juntar as peças.

De maneira geral, a biotecnologia é associada aos polêmicos transgênicos, alimentos e plantas que têm características modificadas pelo chamado melhoramento genético. A alteração artificial de características de plantas e animais pela biotecnologia aplicada, leva vantagem sobre a transferência de genes de um organismo para outro através da reprodução sexual, pois esse longo processo natural promove uma combinação aleatória e, portanto, não é preciso nem previsível, além de limitar o intercâmbio de características a indivíduos da mesma espécie.

É verdade que a transferência para a indústria dos avanços da engenharia genética, na técnica que permite introduzir em outro organismo o material genético (DNA) determinante para a síntese de uma proteína de interesse, tem um pé nas necessidades do mercado. Na lista de produtos potencialmente comercializáveis figuram a insulina, hormônios de crescimento, plantas resistentes a insetos (milho, algodão, batata e soja geneticamente modificados), tolerantes a herbicidas (milho, eucalipto, soja e cana-de-açúcar), resistentes a vírus (mamão e batata), alteração da coloração, fragrância e durabilidade de flores, produção de bactérias para biodegradação de vazamentos de óleos e lixo tóxico.

O projeto Genoma do Boi, anunciado em maio pela Fapesp, e que será realizado em parceria com a empresa privada Central Bela Vista Genética Bovina, é um indício dessa tendência. A raça que terá seu seqüenciamento genético identificado e analisado funcionalmente, será a nelore, a principal na pecuária brasileira. O objetivo é aplicar as informações obtidas a partir da pesquisa, no desenvolvimento de tecnologias que melhorem a produtividade e a qualidade da carne, aumentando assim a competitividade no cenário internacional. O rebanho brasileiro, formado por algo em torno de 170 milhões de animais, gera anualmente um bilhão de dólares em exportações. Nossa pecuária bovina, a segunda maior produtora do mundo, corresponde a 8,39% do Produto Interno Bruto (PIB).

Mas a biotecnologia não serve apenas para produzir transgênicos, de olho em oportunidades comerciais: ela pode ter ampla aplicação na área da saúde, com a terapia gênica, que possibilita, por meio da manipulação dos genes, corrigir doenças hereditárias. A clonagem, que obtém indivíduos geneticamente idênticos, vislumbra no futuro o fim das filas de espera por doadores a partir da produção em série de órgãos para transplante. Para Augusto Mello Simões Barbosa, professor da pós-graduação em Ciências Genômicas e Biotecnologia da Universidade Católica de Brasília, no estudo dos parasitas humanos, "a bioinformática irá permitir o descobrimento de novos genes e a melhor compreensão de sua fisiologia, bem como a possibilidade de novos alvos para drogas e vacinas; permitirá também entender a sua evolução e sua relação filogenética com outros organismos; e ainda gerar ferramentas para detecção molecular do parasita, com aplicação em diagnóstico e epidemiologia".

Voltando ao exemplo inicial, só no Brasil ocorrem seis milhões de casos de esquistossomose por ano, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 1998. Moluscos, como caramujos que vivem em água contaminada por fezes humanas, transmitem o parasita, que se infiltra através da pele e atinge o fígado causando hipertensão; o intestino, provocando diarréia; o baço e o sistema vascular. Pode levar à cirrose, febre e falta de apetite. O seqüenciamento do genoma do Schistossoma mansoni pode ajudar no desenvolvimento de vacinas e novos métodos de diagnóstico. Outra doença, típica de áreas pobres em países tropicais, é a leptospirose, transmitida pela urina de roedores infectados. Em junho, pesquisadores do Instituto Butantan, de São Paulo, com a colaboração da Fundação Oswaldo Cruz da Bahia, anunciaram o sequenciamento do genoma da bactéria causadora da leptospirose e acenam com a possibilidade de se criar uma forma de imunização contra a doença.

Parcerias como a do projeto Forests, para a realização do genoma do eucalipto, com apoio das empresas de celulose e papel Votorantim, Duratex, Ripasa e Suzano, dão a impressão de que a transferência de tecnologia para o setor produtivo é um processo natural e sem entraves, porém o que existe é uma lacuna. "É consenso que a pesquisa na área de biotecnologia no Brasil está limitada aos muros das universidades e centros de pesquisa que, pela sua natureza institucional não fazem desenvolvimento de escala e produção. Por outro lado, a indústria do setor, embora em fase de crescimento, contando com pouca disponibilidade de recursos humanos qualificados, investe pouco em P&D. Além disso, problemas de desenho institucional e de estrutura jurídica e legal impedem instrumentos de gestão mais adequados à transferência de tecnologia, tanto nas instituições públicas como nas privadas", afirma com conhecimento de causa o professor Célio Lopes Silva, da Faculdade de Medicina da USP, de Ribeirão Preto.

Durante dez anos, ele desenvolveu e aperfeiçoou a primeira vacina gênica do Brasil para prevenção e tratamento da tuberculose, causada por uma bactéria transmitida pelo ar e que registra 130 mil novos casos por ano no país. Em laboratório, a vacina de DNA mostrou eficácia no combate ao câncer de bexiga e pele. Ela age regulando as células do sistema de defesa do organismo. No ano passado, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, do Ministério da Saúde, autorizou os primeiros testes em humanos. Mas problemas estruturais e falta de recursos adiaram a continuidade da pesquisa. Era necessário produzir vacina em escala mil vezes maior (passando de miligramas para gramas por semana) e atender às exigências internacionais de pureza para uso em seres humanos (GMP, traduzido como "boas práticas de laboratório"). "Para contornar o problema, estabelecemos um laboratório para produção da nossa vacina dentro da universidade para realizar os ensaios clínicos." Agora com o domínio da tecnologia e estrutura adequada, o produto deve ficar pronto para o início dos testes até setembro.

(VS)

 
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Atualizado em 10/08/2003
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