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              a memória e uma vaga lembrança   "Você 
              já foi ao supermercado?" Todo dia, Maria do Carmo Andrade, 
              72 anos, costuma fazer perguntas como essa à sua filha. Ao 
              contrário de anos anteriores, ela pergunta duas ou três 
              vezes, simplesmente porque esquece a resposta e às vezes 
              não lembra nem que fez a pergunta. Algumas 
              pesquisas têm mostrado que o processo de perda da memória 
              provocado pelo avanço da idade, não ocorre de modo 
              aleatório, mas trata-se, pelo menos em parte, de uma adaptação 
              do cérebro à nova condição de vida iniciada 
              na terceira idade. As células relacionadas às atividades 
              menos utilizadas seriam desativadas para concentrar esforços 
              em áreas mais necessárias ao novo modo de vida. Esse 
              efeito cumpriria o objetivo primordial de todo e qualquer ser vivo: 
              garantir a própria sobrevivência e a da espécie 
              diante das condições em que ela se encontra.  Apesar 
              de causar transtornos, o esquecimento é normal em qualquer 
              idade. "Para que aprendamos uma nova habilidade ou realizemos 
              uma nova tarefa, nosso cérebro tem de fazer novas conexões, 
              e isto implica que muitas conexões antigas tenham que ser 
              desativadas", explica o neurologista Benito Damasceno, professor 
              de neuropsicologia e pesquisador da memória na Faculdade 
              de Ciências Médicas da Unicamp. "Se não 
              fosse assim, as conexões antigas iriam interferir nas novas 
              e não conseguiríamos aprender ou realizar qualquer 
              tarefa adequadamente, com agilidade e precisão", completa. 
               Em 
              idades avançadas há um complicador a mais: o acúmulo 
              de perdas de células nervosas. Durante toda a vida, nosso 
              cérebro se desfaz diariamente de 50 a 100 mil neurônios 
              em decorrência de vários tipos de lesões nas 
              células - como uma pancada na cabeça, por exemplo 
              - e pela ação tóxica de radicais livres. Resíduos 
              de células saudáveis, eles são partículas 
              que contêm elétrons desemparelhados. À procura 
              de estabilidade, esses radicais "arrancam" elétrons 
              de quaisquer componentes celulares que encontram pelo caminho, destruindo-os. 
              Como as células nervosas não se reproduzem, o número 
              de neurônios tende a diminuir cada vez mais. A presença 
              cumulativa de ferro no tecido cerebral, como resíduo natural 
              de sua atividade, complica mais a situação. O ferro 
              combina-se com a água e forma hidroxila, o mais agressivo 
              dos radicais livres. Isso torna o cérebro uma fonte natural 
              dessas famigeradas partículas. Como nascemos com muito mais 
              neurônios do que precisamos, - por volta de 12 bilhões 
              - os efeitos dessas perdas diárias só serão 
              sentidos depois de muitos anos, ou seja, quando chegamos à 
              velhice. Com 
              menos células disponíveis, o cérebro tem de 
              "fazer escolhas" cruciais, entre elas quais atividades 
              devem continuar e quais serão desativadas. Resultados de 
              pesquisas têm mostrado que a escolha não é feita 
              ao acaso, mas está relacionada ao tipo de vida que o indivíduo 
              leva. Conexões que são usadas com freqüência, 
              permanecem. As que forem menos utilizadas são preteridas 
              naturalmente e se desfazem. Exercitar 
              o CérebroUma mente sã na velhice depende de hábitos saudáveis 
              desde a juventude. Isso porque o processo de envelhecimento começa 
              bem antes da chamada terceira idade. Se você tem mais de 25 
              anos já está perdendo, a cada década de sua 
              vida, 2% de suas células cerebrais. Para reduzir os efeitos 
              dos radicais livres no organismo, é importante uma alimentação 
              antioxidante, rica em vitaminas C e E e em licopeno (substância 
              encontrada em alimentos como o tomate e a melancia) e a melatonina, 
              hormônio produzido durante o sono noturno, é outro 
              poderoso inimigo desses radicais. Por isso, uma boa noite de sono 
              pode ser um santo remédio para se prolongar a juventude biológica.
 E, 
              como nada melhor do que exercícios para se manter a forma, 
              é fundamental a prática de atividades que demandem 
              do cérebro. "Temos observado que um indivíduo 
              que tem maior grau de escolaridade e mantém atividades intelectuais 
              durante a vida, demora mais para desenvolver doenças como 
              Alzheimer, do que outro que tenha menor escolaridade e pouca atividade 
              intelectual", explica Jayme Maciel Júnior, professor 
              de neurologia clínica da Unicamp e especialista em Alzheimer. 
              "Nesse sentido, aprender uma nova língua, por exemplo, 
              é excelente para o cérebro" afirma.  Mas 
              o que geralmente acontece é que, ao se aposentar, o indivíduo 
              não é mais requisitado a utilizar sua memória 
              recente, conhecida como memória de trabalho, e que se refere 
              a fatos do cotidiano. Sem se submeter à correria do dia-a-dia, 
              que exige a realização de muitas tarefas, essa função 
              é praticamente descartada pelo cérebro. Ele, então, 
              dá prioridade a outro tipo de memória, a remota, que 
              o remete a lembranças do passado distante.  E não 
              só a parte física pode abalar a memória. Para 
              manter a qualidade de vida, qualquer pessoa, e não só 
              idosos, conta também com mecanismos psicológicos de 
              esquecimento. É o caso de exilados que esquecem a língua 
              materna como forma de evitar recordações que provocam 
              saudades. "É comum idosos que são maltratados 
              ou abandonados pela família não reconhecerem mais 
              os parentes", diz a psicóloga clínica Maria Regina 
              Canhos Vicentin, que há 12 anos atende pessoas de todas as 
              idades. "É mais fácil ele apagar a pessoa da 
              memória do que conviver com o incômodo da dor", 
              ressalta.  Entretanto, 
              a memória do idoso não é útil somente 
              para ele. Sua capacidade de relembrar o passado em detalhes faz 
              com que os velhos cumpram um importante papel social. "Na maioria 
              das comunidades humanas, e até entre chimpanzés, os 
              idosos são reverenciados como fonte de conhecimento e sabedoria", 
              esclarece o neurologista Benito Damasceno. Como nenhum outro indivíduo 
              - criança, jovem ou adulto - o idoso é o depositário 
              da experiência humana. Os mais velhos são os arquivos 
              vivos da história e suas lembranças do passado costumam 
              ser mais precisas do que as de adultos que tenham vivenciado os 
              mesmos episódios.  Harmoniosamente, 
              a natureza estabeleceu uma divisão social de funções 
              mentais. "Por que todos temos que ter a mesma estrutura mental? 
              A vida é muito mais abrangente e variada", questiona 
              Damasceno. (FR) Reportagem 
              publicada anteriormente na revista IdadeAtiva.
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