| Identidade, 
              aposentadoria e o processo de envelhecimento   Maria 
              da Graça Corrêa JacquesSergio Antonio Carlos
 A questão 
              do envelhecimento vem ganhando representatividade visto o prolongamento 
              da expectativa de vida da população e conseqüente 
              crescimento do número de idosos em todo o mundo. O limite 
              cronológico proposto pela ONU, em 1982, para início 
              da chamada terceira idade, tomou por base a média de idade 
              da aposentadoria estabelecida na maioria dos países. Tal 
              limite proposto induz à associação corrente 
              entre velhice e aposentadoria, que embora na prática nem 
              sempre se confudam. Enquanto associadas remetem a uma representação 
              coletiva em que o velho é percebido como não mais 
              produtor de bens e serviços e, portanto, marginalizado nos 
              contextos sociais pautados pelo valor produtivo. A importância 
              e a exaltação máximas conferidas ao trabalho 
              nas sociedades contemporâneas concedem ao papel de trabalhador 
              um lugar de destaque entre os papéis sociais representativos 
              do eu. Hana Arendt , referindo-se a importância do homo faber 
              no mundo contemporâneo, assinala que ao tentar dizer quem 
              é, a própria linguagem induz a dizer o que alguém 
              é, reservando um lugar de destaque ao papel de trabalhador 
              e lhe conferindo valor social.Da importância conferida à identidade de trabalhador 
              emergem questões referentes à aposentadoria pois, 
              na língua portuguesa, o vocábulo aposentadoria remete, 
              etimologicamente, à noção de recolhimento ao 
              interior da habitação, dos aposentos. No entanto, 
              nem sempre a aposentadoria representa um rompimento com o mundo 
              do trabalho pois, no Brasil, pressões econômicas, sociais 
              e culturais concorrem para a permanência no mercado, implicando 
              ou não em alterações no local de trabalho, 
              no tipo de atividade, no ritmo e na jornada.
 
 O que se constata é a ocorrência de uma "dupla 
              aposentadoria" no plano subjetivo: a primeira legal, por tempo 
              de serviço e a segunda, nem sempre com reconhecimento oficial, 
              mas determinada, em geral, pelos limites impostos pelo corpo (doença 
              e/ou idade) e pelo processo de exclusão do mundo do trabalho. 
              A aposentadoria burocrática e formal muitas vezes se configura 
              como um espaço de preparação subjetivo para 
              o afastamento futuro, com valor simbólico, pois coloca para 
              o trabalhador a possibilidade real de um mundo do não trabalho. 
              Essa 
              preparação consiste em uma reorganização 
              da vida familiar, novas relações afetivas, novos espaços 
              de convívio e de relacionamento fora do mundo do trabalho, 
              novas rotinas e até a diminuição gradativa 
              da jornada laboral. Surgem os trabalhos alternativos, os hobbies, 
              as experiências em artes e ofícios que implicam em 
              autonomia com relação à organização 
              do trabalho. A aposentadoria ganha, concretamente o significado 
              de ausência do trabalho a medida que aumenta a idade cronológica 
              e quando o fator doença se apresenta associado.
 
 No entanto, o vínculo simbólico com o trabalho permanece 
              através da identidade de trabalhador que se mantém 
              como referência identitária pois não se rompem 
              os modelos de identificação preservados pela memória 
              e expressos pelo sufixo "ex" quando da identificação 
              para dizer quem é, o que faz.
 
 Todas essas considerações ensejam para um novo olhar 
              sobre o envelhecimento com base em estudos e pesquisas de caráter 
              interdisciplinar e na proposição de políticas 
              públicas voltadas a essa população.
 Maria 
              da Graça Corrêa Jacques é Professora do Mestrado 
              em Psicologia Social e Institucional da UFRGS. Sergio Antonio Carlos é Professor do Instituto de Psicologia 
              da UFRGS.
 A 
              Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem um Núcleo de 
              Estudos Interdisciplinares do Envelhecimento que publica a revista 
              Estudos interdisciplinares sobre o envelhecimento. Vide: http://www.ufrgs.br/3idade. 
              
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