Editorial:

Fármacos e Medicamentos: Urgências
Carlos Vogt

Reportagens:
Genéricos são a linha de frente da política de medicamentos
Instrumentos de regulamentação dos genéricos
Descentralização na distribuição de medicamentos enfrenta falta de estrutura
Luta contra a Aids terá de buscar novas formas de financiamento
Aids nos países pobres: lições da experiência brasileira
Poder das
multinacionais inibe a indústria brasileira
Inovação e fomento à indústria estão entre os principais desafios
Fundação produz medicamentos de qualidade para a população carente
Falta de garantia faz Ministério acabar
com os similares
Investimento em pesquisa de fármacos
no Brasil ainda é pequeno
A questão das
patentes na política brasileira de fármacos
Conhecimento tradicional e direito à propriedade intelectual
Fitoterápiocos: o mito
do natural
Artigos:
Aproveitamento das inovações farmacêuticas no Brasil
Antônio Camargo

Fitoterápicos: alternativa para o Brasil
Lauro Barata

Cronofarmacologia e Melatonina - o hormônio que marca o escuro
Regina Pekelmann Markus
Farmacologia perde integração com a cultura
Ulisses Capozoli
Notícias e "notícias" na comunicação pública da saúde
Isaac Epstein
Inovação e Gestão em um Mundo Globalizado
Antônio Buainain
Sergio Paulino de Carvalho

Acesso aos antiretrovirais na América Central
Eloan Pinheiro
Fernanda Macedo
Cristina D'Almeida

Poema
Bibliografia
Créditos

Luta pelos genéricos tem quase dez anos

Para que os medicamentos genéricos se tornassem uma realidade concreta, foi necessária a prescrição de um conjunto de normas e regras, resultantes de um processo que está em andamento há vários anos. Hoje, o ministro José Serra, amparado em vários instrumentos legais, vem colhendo os frutos de ações e decisões de políticas públicas continuadas, que não buscaram apenas resultados de curto prazo, mas procuraram sedimentar, em bases mais permanentes, tanto a oferta (incentivo à produção, abreviação dos processos de registro), quanto a demanda (campanhas publicitárias para informar os usuários da existência dos substitutos genéricos) pelos genéricos.

Em 1991, o deputado Eduardo Jorge (PT-SP) apresentou o Projeto de Lei 2.022 à Câmara dos Deputados, propondo os genéricos. A proposta era a proibição do uso de marca comercial ou de fantasia nos produtos farmacêuticos, que obrigava a utilização do nome genérico nos remédios comercializados no país.

Eduardo Jorge em sua justificação, diz que "a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o emprego do nome genérico para cada medicamento, isto é, a denominação científica abreviada baseada no ingrediente ativo utilizado. Os medicamentos genéricos podem ser adquiridos a um preço muito mais baixo. Por outro lado, uma só denominação vinculada ao ingrediente ativo é facilmente reconhecível e aumenta a segurança na prescrição e na administração de medicamentos. Nos EUA, com a utilização do nome genérico tem se verificado este fato de barateamento do custo dos medicamentos. Estima-se que em 1989 houve uma economia de 236 milhões de dólares para os consumidores americanos. Outros países como Indonésia e Filipinas tem adotado legislação rigorosa na adoção do nome genérico".

As experiências de alguns países demonstram que as políticas de regulação de medicamentos visam tanto fomentar a concorrência, quanto garantir o acesso da população aos medicamentos a um menor custo. Algumas políticas adotadas tem gerado efeito no curto prazo, outras ainda estão sob avaliação ou têm produzido resultados inferiores aos esperados. Mas no geral, o que se verifica, é que é preciso um razoável espaço de tempo para que haja uma implantação positiva dessa sistematização, no Brasil não foi diferente.

O projeto original teve uma longa tramitação na Câmara dos Deputados, passando por várias Comissões e recebendo várias emendas e substitutivos, até chegar à votação no plenário em novembro de 1998, quando foi transformado em norma jurídica após a sanção do presidente, em fevereiro do ano seguinte.

No transcorrer dos trâmites legislativos, o processo teve um reforço, com a semente plantada pelo ministro da saúde Jamil Haddad, durante o governo Itamar Franco. Foi uma alteração em uma lei de 1973, que tornou obrigatória a utilização dos nomes genéricos em todas as prescrições de profissionais autorizados e do Sistema Único de Saúde (SUS). A alteração dispôs que somente seria aviada a receita médica que contivesse a denominação genérica do medicamento prescrito. Estipulou ainda que todos os medicamentos constassem, em suas embalagens, o nome do genérico. O uso da denominação genérica seria obrigatório nos registros e autorizações relativos à produção, fracionamento, comercialização e importação de medicamentos.

Itamar Franco deu um prazo de 180 dias para que as entidades públicas e privadas se adaptassem às essas normas, mas a disposição não foi cumprida.

Algum tempo depois, um amplo processo de discussão promovido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), culminou com a realização da Oficina de Trabalho sobre Diretrizes para uma Política de Medicamentos Genéricos, em março de 1998. Dela resultou um documento que fundamentou uma deliberação sobre os genéricos.

Assim, o Conselho Nacional de Saúde, em maio do mesmo ano, aprovou as diretrizes da Política de Medicamentos Genéricos e estabeleceu os instrumentos e mecanismos para a sua implementação.

A constatação de que importantes países europeus, como o Reino Unido, a França e a Alemanha, assim como, o Canadá, os Estados Unidos e o Japão, conseguiram ampliar seus programas de assistência farmacêutica, a partir do crescimento da participação dos medicamentos genéricos no mercado farmacêutico, foi importante para o desenvolvimento da produção dos genéricos no Brasil.

A "Lei dos Genéricos", de fevereiro de 1999, estabeleceu o medicamento genérico e dispôs sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos. Para tanto, foi necessário alterar e aperfeiçoar uma lei de 1976, editada pelo presidente militar Ernesto Geisel, que estipula as normas de vigilância sanitária para os medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos e correlatos, a chamada "Lei de Similares".

O poder executivo federal ficou autorizado então a promover medidas especiais relacionadas com o registro, a fabricação, o regime econômico-fiscal, a distribuição e a dispensação - ato de fornecimento ao consumidor de drogas e medicamentos de modo remunerado ou não - de genéricos, visando estimular sua adoção e uso no país.

Outra medida importante trazida por esta lei, foi disciplinar que os medicamentos genéricos teriam preferência sobre os demais, em condições de igualdade de preços, nas aquisições de medicamentos, sob qualquer modalidade de compra, no âmbito do SUS.

De acordo com a lei, o medicamento genérico é aquele que: tem a mesma função que o medicamento de referência (o medicamento inovador); que possui uma biodisponibilidade compatível; que é atestado por testes de bioequivalência feitos somente por laboratórios credenciados; e que tem a forma farmacêutica, dosagem e posologia idênticas às do medicamento de referência. O nome genérico é o nome do princípio ativo do medicamento.

O decreto de setembro de 1999, que regulamentou a Lei dos Genéricos, instituiu que deveriam constar a terminologia da Denominação Comum Brasileira (DCB) obrigatoriamente, nas embalagens, rótulos, bulas, prospectos, textos, ou qualquer outro tipo de material de divulgação e informação médica referente a medicamentos. Na sua falta, deveria constar a Denominação Comum Internacional (DCI). Essas terminologias são as denominações do fármaco ou princípio farmacologicamente ativo aprovadas pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária ou pela OMS.

Compete a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde.

O controle sobre os medicamentos é feito pela Anvisa, que é uma autarquia sob regime especial (caracterizada pela independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira), vinculada ao Ministério da Saúde. Todo medicamento tem que ter registro e obedecer todos os parâmetros traçados pela agência. A Anvisa estabelece que o registro de medicamento com denominação exclusivamente genérica terá prioridade sobre o dos demais.

Os medicamentos genéricos já fizeram grandes avanços e continuam a conquistar os consumidores. Um fator importante para isso é a credibilidade adquirida pelos genéricos, a partir do momento em que sua qualidade foi garantida pelos testes oficiais de bioequivalência e bioabsorção.

Exemplo internacional

De acordo com a economista Elba Lima Rêgo, que fez um estudo para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), intitulado, Políticas de Regulação do Mercado de Medicamentos: A Experiência Internacional, "muitos países têm adotado políticas agressivas de promoção dos genéricos como forma de propiciar à população remédios a preços mais acessíveis e de reduzir os gastos com assistência farmacêutica". Nos Estados Unidos, primeiro país a adotar essas políticas, os genéricos têm entrado no mercado em média três meses após a expiração da patente.

Em 1984, o Congresso Americano aprovou o Drug Price Competition and Patent Term Restauration Act (conhecido como Lei Waxman-Hatch), que, através da Abbreviated New Drug Application, isentou os produtores de genéricos de repetir todos os estudos para a comprovação de segurança e eficácia exigidos para os medicamentos originais, introduzindo os testes de bioequivalência. Ao mesmo tempo, também eliminou a proibição de substituição de medicamentos prescritos e aumentou a duração efetiva das patentes.

A duração da proteção propiciada pelas patentes havia sido reduzida na prática devido aos testes mais rigorosos exigidos pelo Food and Drugs Administration (FDA) para a certificação de novas drogas. A patente é registrada antes da realização dos testes, o que reduz o tempo em que ela é efetivamente aproveitada.

Nos anos 90, com a expansão do mercado de genéricos impulsionado pela atuação dos seguradores privados, várias empresas farmacêuticas americanas produtoras de remédios de marca passaram a produzir genéricos e/ou adquiriram participação em produtores independentes.

A experiência internacional parece indicar que têm obtido mais êxito na promoção de genéricos os países onde as ações para influenciar o comportamento dos médicos não se limitam a campanhas informativas. Elas têm que envolver algum tipo de responsabilização daqueles que prescrevem as receitas.

Os genéricos já são importantes em termos de prescrição nos Estados Unidos, no Canadá, na Dinamarca, na Alemanha, na Holanda e na Grã-Bretanha. Na definição das políticas nacionais, a experiência internacional tem contribuições importantes a dar, desde que filtradas pela realidade brasileira. "Não se trata de reproduzir aqui de forma acrítica o que tem dado certo em outros países, mas de aprender com os erros e os acertos dos que vem há anos aperfeiçoando instrumentos de regulação", afirma Rêgo.

Embora ainda falte um longo caminho a percorrer para que os genéricos atinjam no Brasil o nível de aceitação e difusão de outros países, parece não haver mais dúvida de que isso é apenas uma questão de tempo, desde que, o governo não esmoreça em sua política de apoio e promoção a esse tipo de medicamento.

O aumento da oferta de genéricos é um poderoso instrumento para forçar a baixa dos preços dos medicamentos. Entretanto, na opinião da procuradora Lenir Santos, do Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa), "muito mais poderia ser feito, porque a lei prevê o monitoramento dos preços pelo Ministério da Saúde. Assim, o MS, ao lado de outras normas, tem o poder de controlar os preços dos medicamentos para que não ocorram aumentos abusivos, mas ele não o usa. Não estamos falando em tabelamento, mas sim, no acompanhamento dos preços, a fim de não permitir preços abusivos em detrimento da saúde da população". Segundo ela, o preço é formado por diversos elementos (insumos, mão-de-obra, tecnologia, lucro etc), podendo o poder público, sem interferir na liberdade da iniciativa privada e na livre concorrência, monitorar, em nome do princípio da dignidade humana e do direito à saúde, a formação do preço dos medicamentos.

De acordo com Santos, o direito à saúde pressupõe a possibilidade de as pessoas poderem adquirir o medicamento essencial à recuperação de sua saúde. "A constituição, em seu artigo 197, considerou como de relevância pública as ações e serviços de saúde. É o único serviço considerado de relevância pública pelo texto constitucional. Isto confere ao Poder Público, um enorme poder para regulamentar, fiscalizar e controlar os preços dos medicamentos. O direito à saúde não é uma dádiva governamental, mas sim, um dever ditado pela constituição. Além do mais, a população paga impostos e em conseqüência, deve exigir do Estado a efetividade de seus direitos", alerta a procuradora.

Ainda na avaliação de Lenir, "não obstante, a legislação sobre os genéricos é boa e suficiente. O necessário já está estabelecido". Para ela, é preciso fiscalizar o cumprimento da lei e punir aqueles que a desrespeitarem. "A permanente fiscalização ajuda a corrigir falhas, punir os infratores e garantir eficácia à lei. A vontade política de cumprir a lei é o fundamental. Não basta existir a lei, é preciso torná-la efetiva".

(MP)

Atualizado em 10/10/2001

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2001
SBPC/Labjor
Brasil