Editorial:

Fármacos e Medicamentos: Urgências
Carlos Vogt

Reportagens:
Genéricos são a linha de frente da política de medicamentos
Instrumentos de regulamentação dos genéricos
Descentralização na distribuição de medicamentos enfrenta falta de estrutura
Luta contra a Aids terá de buscar novas formas de financiamento
Aids nos países pobres: lições da experiência brasileira
Poder das
multinacionais inibe a indústria brasileira
Inovação e fomento à indústria estão entre os principais desafios
Fundação produz medicamentos de qualidade para a população carente
Falta de garantia faz Ministério acabar
com os similares
Investimento em pesquisa de fármacos
no Brasil ainda é pequeno
A questão das
patentes na política brasileira de fármacos
Conhecimento tradicional e direito à propriedade intelectual
Fitoterápiocos: o mito
do natural
Artigos:
Aproveitamento das inovações farmacêuticas no Brasil
Antônio Camargo

Fitoterápicos: alternativa para o Brasil
Lauro Barata

Cronofarmacologia e Melatonina - o hormônio que marca o escuro
Regina Pekelmann Markus
Farmacologia perde integração com a cultura
Ulisses Capozoli
Notícias e "notícias" na comunicação pública da saúde
Isaac Epstein
Inovação e Gestão em um Mundo Globalizado
Antônio Buainain
Sergio Paulino de Carvalho

Acesso aos antiretrovirais na América Central
Eloan Pinheiro
Fernanda Macedo
Cristina D'Almeida

Poema
Bibliografia
Créditos

Notícias e "notícias" na comunicação pública da saúde

Isaac Epstein

"Falar uma linguagem é parte de uma
atividade ou uma forma de vida"

WITTGENSTEIN

A comunicação da ciência realizada entre os próprios cientistas de determinada especialidade, também chamada de comunicação primária e a popularização da ciência, isto é, a comunicação secundária, são práticas que podem ser analisadas segundo uma matriz interdisciplinar que descrevemos em outro lugar. Esta matriz considera várias dimensões onde os "jogos de linguagem" ou "formas de vida", no sentido que lhe foi atribuído por Wittgenstein, obedecem a regras diferentes segundo a comunicação científica se dirija aos pares, ou ao público em geral.

Um dos registros desta matriz é o que se refere à noção de "informação", importante tanto na comunicação do conhecimento científico para os pares, como para a construção da notícia jornalística referente a ciência, ou ainda mais particularmente, a comunicação da saúde para o público.

Em ciência a informação válida tanto pode se referir à confirmação ou verificação de fatos ou teorias já estabelecidos e consagrados como à refutação ou falsificação daquilo que já está estabelecido. Em realidade estes dois níveis de validade da informação científica se referem a epistemologias científicas distintas que podem ser importantes em fases também distintas da empresa científica, a ciência normal e a ciência extra normal tal como foram definidas por Kuhn.

Em jornalismo, a "novidade" ou o inesperado da notícia lhe consagra um peso importante na cesta de atributos que selecionam um fato, dentre as miríades de fatos cotidianos, como merecedor do status de "notícia".
Ora, esta "novidade" jornalística que guarda um paralelismo com a notícia falsificadora da ciência, mas não com a notícia verificadora, pode causar efeitos perversos na comunicação pública da saúde. Dois casos, entre outros, ilustram estes eventuais efeitos.

No domingo, três de Maio de 1998, a primeira página do The New York Times, publicava a notícia de que duas novas drogas, compostas de proteínas naturais, a agiostatina e a endostatina, tinham se mostrado promissoras no tratamento de câncer em ratos. Nos dias que se seguiram, as clínicas oncológicas foram assaltadas por pacientes desesperados que procuraram acesso às duas novas drogas que nem sequer haviam sido submetidas aos necessários testes em seres humanos. A esta altura, todavia, as ações do laboratório responsável já haviam tido uma alta espetacular na bolsa. Verificamos neste evento como se imbricam na "notícia", um impacto jornalístico inegável, um valor científico ainda discutível, um considerável efeito econômico e um efeito perverso, no caso uma esperança não justificada, pelo menos naquele momento, para os doentes terminais.

Em outro lugar analisamos a divulgação de uma possibilidade etiológica inédita para a emergência de placas de esclerose arterial: a ação de uma conhecida bactéria, a Chlamídia, que investigadores tinham identificado nas lesões arteriais de alguns pacientes vitimados por acidentes vasculares. Seria o infarto uma doença infeciosa? A notícia, publicada por uma revista científica foi matéria de um veículo de divulgação da ciência com uma manchete apelativa que foi reproduzida quase literalmente por um jornal paulistano.

Neste caso, o leitor desavisado, talvez obediente aos conselhos usuais da medicina preventiva como evitar o fumo, a obesidade, as comidas gordurosas a vida sedentária, etc. veículados desde décadas, seja tentato a pensar que, afinal, para que tantos cuidados se o infarto poderá ser prevenido ou até tratado com algum tipo de antibiótico?
A informação útil ao público sobre saúde, em geral, concerne a fatos já conhecidos e consagrados pela "ciência normal" vigente. Esta informação raramente é uma "notícia" no seu sentido jornalístico, promove notoriedade ao cientista ou se constitui num "furo" ao jornalista que a divulga. No nível mais trivial, o que é mais frequente, as vezes até mais importante para o público, ganha mais dificilmente o status de "notícia".

Em suma, na comunicação da saúde pela mídia massiva, pode ocorrer que o que é notícia pode ser perverso para o público e o que lhe é útil pode não ser notícia. Este é um nó górdio que cabe ao comunicador desatar.

Isaac Epstein é professor do curso de Jornalismo Científico do Labjor/Unicamp

Bibliografia

EPSTEIN,I "Comunicação da Ciência" Revista do SEADE.

WITTGENSTEIN,L Philosophical Investigations, Oxford, B.Blackwell, 1958

WOLF,M La Investigación de la comunicación de masas, B.Aires, Paidos, 1996, p.214/232

POPPER,K Conjectures and Refutations, Routledge and Kegan Paulo, Londres, 1965

KUHN,T A Estrutura das Revoluções Científicas, Sâo Paulo, Perspectiva, 1978

MARSHALL, E "The Power of the Front Page of The New York Times, in Science,15/Maio/1998, p.996/7

EPSTEIN,I "Os possíveis efeitos negativos devidos à publicação prematura de notícia inesoerada ou "novidade" na divulgação científica da medicina. O caso da bactéria Chlamydia" in Comunicação e Sociedade n.27 UMESP, São Paulo, 1997,p.21/39

MOLOT,C "Chlamidia Linked to Atherosclerosis" in Science, AAAS, Vol.272, 6/6/1996,p.1422

BROWN,C "Can you catch a heart attack"? , in NewScientist, n.2033 de 8/06/96, p.38/42

Caderno Mais, Folha de São Paulo, 30/06/1996

COCOLO,A,C "Jornais e Revistas dão mais destaque a drogas menos consumidas" in Jornal da Paulista Unifesp/EPM, n.159, Setembro 2001

 

Atualizado em 10/10/2001

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