Editorial:

Fármacos e Medicamentos: Urgências
Carlos Vogt

Reportagens:
Genéricos são a linha de frente da política de medicamentos
Instrumentos de regulamentação dos genéricos
Descentralização na distribuição de medicamentos enfrenta falta de estrutura
Luta contra a Aids terá de buscar novas formas de financiamento
Aids nos países pobres: lições da experiência brasileira
Poder das
multinacionais inibe a indústria brasileira
Inovação e fomento à indústria estão entre os principais desafios
Fundação produz medicamentos de qualidade para a população carente
Falta de garantia faz Ministério acabar
com os similares
Investimento em pesquisa de fármacos
no Brasil ainda é pequeno
A questão das
patentes na política brasileira de fármacos
Conhecimento tradicional e direito à propriedade intelectual
Fitoterápiocos: o mito
do natural
Artigos:
Aproveitamento das inovações farmacêuticas no Brasil
Antônio Camargo

Fitoterápicos: alternativa para o Brasil
Lauro Barata

Cronofarmacologia e Melatonina - o hormônio que marca o escuro
Regina Pekelmann Markus
Farmacologia perde integração com a cultura
Ulisses Capozoli
Notícias e "notícias" na comunicação pública da saúde
Isaac Epstein
Inovação e Gestão em um Mundo Globalizado
Antônio Buainain
Sergio Paulino de Carvalho

Acesso aos antiretrovirais na América Central
Eloan Pinheiro
Fernanda Macedo
Cristina D'Almeida

Poema
Bibliografia
Créditos

Luta contra a Aids terá de buscar novas formas de financiamento

O Brasil conseguiu reverter as expectativas pessimistas do início dos anos 90, quando o Banco Mundial previu que o país entraria no século XXI com 1,2 milhão de portadores do HIV. O coordenador do Programa Nacional de DST/Aids, Paulo Roberto Teixeira, na abertura do IX Congresso Brasileiro de Prevenção em DST/Aids, em 10 de setembro, em Cuiabá (MT), afirmou que graças à parceria do Ministério da Saúde com a sociedade civil o número de pessoas infectadas com o vírus da Aids é de 597 mil.

A preocupação atual, tanto para o Ministério da Saúde como para a sociedade civil, é a continuidade das ações iniciadas nos últimos anos. Com o fim do acordo com o Banco Mundial em dezembro de 2002, as ações de prevenção à Aids, majoritariamente financiadas com dinheiro do BIRD, podem ficar comprometidas, caso os governos - federal, estaduais e municipais - e as Organizações Não-Governamentais (ONG's) não encontrem outras formas de financiamento.

A sustentabilidade do programa DST/Aids tem sido tema de diversos debates. Em maio passado, 215 entidades representativas da sociedade civil reuniram-se, em Recife, para discutir o assunto no Encontro Nacional das Organizações que trabalham com Aids. Segundo o assessor de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Carlos Passareli, as ONG's estão seguras de que independentemente da renovação ou não do acordo com o BIRD é preciso encontrar caminhos para dar continuidade às ações em desenvolvimento.

"O governo tem que inserir a prevenção no Sistema Único de Saúde (SUS), que ainda é exclusiva das entidades comunitárias. O SUS precisa dar conta da Aids. Continuar fazendo o que já faz, ou seja, o tratamento, e ao mesmo tempo fazer a prevenção", ressalta Passareli.

De acordo com o secretário do Fórum ONG/Aids do Rio de Janeiro, Roberto Pereira, o movimento social já vem discutindo e buscando alternativas para garantir a manutenção de suas ações. Entre elas, identificação de parcerias locais, capacitações e trabalhos integrados entre ONG's. Representantes do Fórum/RJ participaram, nos dias 22 e 23 de setembro, da Conferência Municipal de Saúde tentando mobilizar os delegados para a importância da descentralização das ações de prevenção e sua inserção no SUS.

A responsável pela Unidade de Articulação com a Sociedade Civil e de Direitos Humanos da Coordenação Nacional, Cristina Câmara, explica que atualmente não há na estrutura estatal canais para o repasse de verbas às ONG's. Por isso, o primeiro caminho é viabilizar meios para que no futuro, após o término do empréstimo com o Banco Mundial, o governo possa manter os convênios com as entidades da sociedade civil. Com esta finalidade está em discussão a mudança da legislação de operacionalização do SUS.

Em 1992, após um período de inatividade no governo Collor, o programa DST/Aids retoma o seu fôlego e inicia as discussões, em nível nacional, para a formulação de um projeto para o Banco Mundial, que resultou no primeiro acordo de empréstimo com esse organismo, que vigorou entre 1994 a 1998. O segundo acordo, assinado em 1998, é o que encerra em dezembro de 2002.

Após os acordos com o Banco Mundial, o Programa de Aids do governo brasileiro se tornou o mais visível programa nacional entre os países em desenvolvimento. A UNESCO premiou o programa brasileiro na categoria Direitos Humanos e Cultura de Paz. No dia 31 de outubro, o ministro José Serra receberá o prêmio na sede da Unesco, em Brasília.

"As ONG's são imprescindíveis para o desenvolvimento do trabalho de prevenção. Não temos como chegar as pessoas sem a parceria com essas organizações. Eles têm interação direta, por serem do próprio meio, seja, de grupos de homossexuais, profissionais do sexo ou usuários de drogas. O que temos que fazer é institucionalizar essa relação", ressalta Cristina.

Outra alternativa é o fortalecimento das ONG's para que possam obter outras fontes de recursos. A Coordenação Nacional, nos últimos meses, realizou treinamentos por regiões, englobando um total de 180 entidades. Além da discussão sobre a sustentabilidade dos projetos, os representantes das ONG's foram treinados para o gerenciamento e o planejamento estratégico. Os encontros contaram com apoio da Fundação Getúlio Vargas (São Paulo) e do GAPA- Bahia.

Histórico do movimento social organizado

Em 1986, o Ministério da Saúde cria o departamento de DST/Aids, vinculado à dermatologia sanitária, em resposta à mobilização social. O sociólogo Betinho, fundador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), foi das primeiras vozes, no início dos anos 80, a reivindicar uma política pública consistente de prevenção e tratamento do HIV no país.

Ainda na década de 80 foram criadas as primeiras ONG's: em 1985, o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (Gapa), de São Paulo, e em 1986 a Abia, sendo que esta última foi a primeira a ter uma pessoa soropositiva na presidência. Em 1988 foi organizada a campanha pela qualidade do sangue, que mobilizou a sociedade civil organizada na luta pela prevenção e tratamento do HIV/Aids.

A conquista pelo controle e qualidade do estoque de sangue, como resultado de uma campanha totalmente organizada pela sociedade civil, foi crucial para as várias questões que surgiram e emergiram em seguida. "No início nossas reivindicações eram implantação de uma política pública, contra o preconceito aos portadores de HIV e aos chamados grupos de risco, homossexuais e usuários de drogas injetáveis", lembra Passareli.

Por intermédio do aporte financeiro do Banco Mundial, o Programa passou, desde então, a apoiar técnica e financeiramente projetos de ONG's, constituindo, inclusive, o Comitê Diretivo Externo de Avaliação e Seleção de Projetos de ONG. Atualmente cerca de 400 ONG's são conveniadas com a coordenação nacional do Programa DST/Aids, ou seja, desenvolvem projetos com apoio federal.

Os projetos das ONG's no âmbito da prevenção e assistência são selecionados mediante concorrências, realizadas pelas secretarias estaduais de saúde, através das assessorias ou programas estaduais de DST/Aids. As últimas concorrências de projetos das ONG's ocorreram simultaneamente em Brasília (nacional), Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Goiás, na semana de 27 a 31 de agosto.

A partir de 1996 diversos fóruns de ONG's foram criados com o objetivo de estabelecer e garantir um espaço coletivo para a discussão de estratégias conjuntas de ação política em relação à Aids. Foi a partir desta data também, após a XI Conferência Internacional de Aids, realizada em Vancouver (Canadá), que se estabeleceu a distribuição gratuita de medicamentos como resposta brasileira à epidemia.

Além dos recursos da Coordenação Nacional da Aids, as ações das ONG's são financiadas por agências internacionais. A maioria dos projetos das ONG's conta com financiamento externo. O problema é que as agências internacionais vêm diminuindo o investimento no Brasil. As razões, na opinião do assessor da Abia, são o maior envolvimento do governo em ações sociais e o melhor desempenho do país em comparação aos do continente africano. "Precisamos ter recursos para sustentar as ações, seja do tesouro nacional ou das agências internacionais", resume Passareli.

Mobilização contra a posição norte-americana

Nos primeiros meses de 2001, os Fóruns ONG/Aids, com apoio de instituições internacionais, como Médicos Sem Fronteiras e Oxfam, realizaram diversos atos públicos em frente aos consulados americanos, em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife em reação à solicitação dos Estados Unidos de abertura de painel contra o país na Organização Mundial do Comércio (OMC). No dia 5 de março foi divulgada a carta "Interesses que matam" convocando a sociedade civil a não aceitar a tentativa dos EUA de proteger os interesses da indústria farmacêutica.

"A nossa ação estava inserida em um esforço articulado e conjunto do movimento social das ONG/Aids no Brasil e no exterior, que visava a sensibilizar autoridades e população em geral para a situação dos medicamentos", disse Roberto Pereira, do Fórum ONG/Aids/RJ.

Em junho, os EUA retiraram a proposta na OMC. Em seguida, em 31 de agosto, o ministro da Saúde anunciou acordo com o laboratório Roche, o qual concordou em reduzir o preço do antiretroviral Nelfinavir (o mais caro entre os 12 medicamentos que compõe o coquetel anti-aids) em 40%.

Na opinião do assessor de projetos da Abia, Carlos Passareli, a trajetória de mobilização social da Aids tem sido fundamental para que decisões políticas sejam tomadas em outras áreas da saúde. Ela fez, por exemplo, com que a distribuição gratuita de medicamentos, uma das primeiras bandeiras de luta das ONG/Aids, fosse estendida a portadores de outras doenças.

(LC)

 

Atualizado em 10/10/2001

http://www.comciencia.br
contato@comciencia.br

© 2001
SBPC/Labjor
Brasil