Envelhecimento e o combate às marcas do tempo

Por Letícia Guimarães

No romance de Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray, o envelhecimento é um processo a ser combatido a qualquer preço. Como ilustra o personagem que dá nome à obra, em algumas sociedades, a beleza só é valorizada se possuir aspecto juvenil. “O corpo idoso contemporâneo é representado e enaltecido se apresentar o semblante reconstruído, rejuvenescido e maquiado, quase sem o direito de ser flácido, acima ou abaixo do peso, enrugado, e por que não, mais frágil”, destaca a psicóloga Cristina Brisolara, mestre em comunicação e linguagens.

Cada época e cultura tem sua maneira de olhar para o envelhecimento. Algumas poucas conferem imagem positiva à velhice, segundo a pesquisadora Ivania Skura, doutoranda em comunicação e linguagens. “Em determinadas comunidades da África, por exemplo, onde critérios de idade definem superioridade social, as mudanças trazidas com a velhice são vistas como bênçãos, porque o idoso é considerado um ser concluído, próximo do divino e dos ancestrais, sábio e modelo a seguir”, diz.

No ocidente, de modo geral, onde as sociedades encaram a vida como uma sucessão de períodos, envelhecer seria o declínio. “Assim, há uma busca pela juventude eterna, que é cultural, mas também midiática, em moldes nos quais a velhice não é desejável ou invejável, deve ser ‘evitada’”, explica a pesquisadora. “A mídia e a sociedade, quando criam ou reproduzem discursos que dão a entender que a beleza e a juventude andam sempre juntas, colocam nessas conotações um valor moral. Podemos ser categóricos ao afirmar que, invariavelmente, nessa cruel régua, não há lugar para os corpos que exibam rugas, flacidez, manchas e cabelos brancos”, aponta Skura.

De acordo com Nádia Loureiro Ferreira, psicóloga, mestre em gerontologia pela PUC-SP e especialista em neuropsicologia pela USP, é por meio de campanhas ostensivas nos meios de comunicação que o padrão de uma beleza jovial, ainda que para pessoas idosas, é disseminado. “Essa imagem padrão se destina a todos e, por meio de um diálogo incessante entre o que veem e o que são, os indivíduos insatisfeitos com sua aparência são cordialmente convidados a considerar seu corpo defeituoso”. Na opinião dela, isso pode favorecer o estabelecimento de um grupo de pessoas estigmatizadas, e, consequentemente, a “atitude de disfarçar a real aparência sugere que tais pessoas tentam manipular sua identidade, para aumentar as chances de aceitação social”.

Uma das maneiras de tentar frear ou disfarçar as marcas do corpo causadas pelo tempo é o recurso da cirurgia plástica. Segundo pesquisa divulgada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), entre 2014 e 2016 o número de cirurgias estéticas cresceu 7,7% no país. Os procedimentos não-cirúrgicos também aumentaram: de 271 mil em 2014 para 1.332.203 em 2017 – um aumento de quase 80%. A maioria dos procedimentos menos invasivos foram preenchimento e aplicação de toxina botulínica.

Ferreira explica que as primeiras impressões sobre uma pessoa são baseadas mais nas características faciais, e estudos apontam que um indivíduo mais atraente tem mais chance de receber um melhor julgamento e tratamento. Assim, o padrão de beleza estabelecido faz surgir uma demanda por essas intervenções. Quem assume “seus defeitos” (as marcas da idade) não é visto como “errado”, mas como “desleixado”, sem autoestima e é, por consequência, menos valorizado, destaca.

A mulher e o envelhecimento

O processo biológico do envelhecimento é comum a todos, mas são as mulheres que carregam o fardo mais pesado associado ao padrão de beleza que remete à jovialidade. Para Brisolara, o padrão imposto pela mídia adquire um sentido de “certo” e “errado” no que diz respeito à aparência ou a forma de tratar o corpo, dando a impressão de que o “certo” é ser magra, sempre jovem e bela.

Autoestima e autoimagem dizem respeito à imagem que o indivíduo tem dele mesmo; de como ele se vê no espelho e qual seu prazer ou desprazer ao se ver; como o outro o vê ou como ele acredita estar sendo visto pelo outro. O desencontro dessas imagens altera a autoestima e a autoimagem, trazendo desequilíbrio psicoemocional, interferindo na vida e saúde, e também altera o comportamento frente às relações interpessoais, explica Nádia Ferreira.

Ela relata que, na pesquisa realizada durante o mestrado, a questão de gênero frente ao envelhecimento apresentou o homem velho de forma positiva, colocado no papel de “coroa realizado”, “vovô grisalho com barriga”, “alegria e sabedoria”, mais vezes do que de alguma maneira pejorativa, como “aquele que deixou de se gostar” ou “rabugento”. Já no caso das mulheres, poucas foram as respostas positivas, e, quando eram, faziam referência à mulher “doméstica”, “mãe e avó”, “serena, sensata, tranquila e experiente”, “carinhosa com netos e filhos”, “aquela que sempre faz comidinhas gostosas”. As respostas negativas mencionavam “aquela que já não se importa consigo mesma”, “um bagulhão”, “a sociedade é mais cruel com elas”, “aquela sem planos para o futuro”.

Longevidade no documento, mas não na aparência

Segundo informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no final do ano passado, em 2016 a expectativa do brasileiro ao nascer estava estimada em 75,8 anos, três meses e onze dias a mais do que o estimado para o ano anterior, 2015. Entre 1940 e 2016, o aumento na expectativa de vida da população foi de mais de 30 anos, com boa parte dos louros devido aos avanços da medicina.

De acordo com Cristina Brisolara, os esforços da ciência para aumentar a expectativa de vida são exitosos. Porém, é preciso acolher e redefinir o lugar e os papéis dos que envelhecem. “A velhice pode estar prolongada, mas ainda encontra dificuldade para descobrir seu lugar no social. Se, por um lado, há uma parcela de idosos cuja elaboração dessa etapa do desenvolvimento está coerente com seu existir e aceitação de si mesmo, por outro, há uma parte que ainda busca vestígios da juventude vivida através de artifícios estéticos”.

“É importante falar da longevidade, do envelhecer bem, sem negar o envelhecimento”, destaca Nádia Ferreira. Ela aponta que, nas sociedades ocidentais contemporâneas, o velho está sujeito a, pelo menos, duas interpretações marcantes e opostas; ora a velhice está associada a um período dramático, ora a uma fase de realizações, a qual inverte os signos do envelhecimento e dá lugar a novas designações e estereótipos que correspondem a um velho ativo, jovem e para o qual a idade não é um fator relevante. “O envelhecimento pode significar uma ameaça à integridade física, psicológica e mental trazendo, por consequência, o medo. Mas, paradoxalmente, lutamos sempre pela longevidade”.

Letícia Guimarães é jornalista e aluna do curso de pós-graduação em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.