Farmacovigilância e toxicovigilância (casos do Ciatox/LTA como o “melzinho do amor”, fentanil, metanol e “que lança é esse?”)

Por Kauê de Oliveira Chinaglia

Você sabia que os medicamentos continuam sendo monitorados mesmo depois de aprovados para comercialização e uso no tratamento de doenças? Esse monitoramento ocorre através da Farmacovigilância, a qual busca garantir a segurança e a eficácia dos medicamentos ao longo do tempo. 

Após passarem por testes clínicos e receber autorização para uso, os medicamentos ainda podem apresentar efeitos colaterais, além de erros de medicação, interações medicamentosas perigosas e ineficiência de tratamentos específicos. 

No Brasil, o principal órgão responsável pela farmacovigilância é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), atuando juntamente com hospitais, universidades e centros especializados. Tudo isso ocorre para que as pessoas continuem utilizando os medicamentos com segurança e confiança.

No entanto, como já sabemos, além dos medicamentos existem também muitos problemas de saúde pela utilização de outras substâncias, como produtos de limpeza, bebidas adulteradas, agrotóxicos, drogas ilegais, venenos de animais peçonhentos e até plantinhas do quintal. Dessa forma, além da farmacovigilância, é acionada a área de toxicovigilância.

Toxicovigilância, por definição, consiste no conjunto de ações voltadas a eliminar ou reduzir situações que possam comprometer a integridade física, mental e social das pessoas devido à exposição a substâncias químicas (Dias e Araújo, 1997). Ela é responsável por identificar os riscos, efeitos e substâncias tóxicas que estão relacionadas aos casos de intoxicações agudas (em um curto espaço de tempo) e crônicas (quando há exposição repetidamente ao longo do tempo). Com isso, ela também auxilia na criação de estratégias para evitar novas ocorrências e no manejo de pacientes intoxicados.

Para realização da toxicovigilância, atuam principalmente os Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox), que são responsáveis por instruir com medidas preventivas, assim como realizar o diagnóstico e orientar o tratamento das intoxicações por telemedicina (atendimento 24h por dia) ou presencialmente. Atualmente existem 32 CIATox presentes em 19 estados brasileiros e com equipes multidisciplinares de profissionais da área da saúde.

O CIATox de Campinas possui também o Laboratório de Toxicologia Analítica (LTA), que é onde são identificados os agentes responsáveis pelas intoxicações. Tanto a identificação quanto a quantificação das substâncias em amostras de pacientes (como sangue e urina) são essenciais para auxiliar no tratamento, além de também contribuir para a orientação de uso de antídotos específicos.

Recentemente os CIATox têm reportado um aumento de casos bem preocupantes de algumas substâncias específicas. Confira algumas dessas substâncias reportadas pela equipe do CIATox de Campinas:

“Melzinho do amor”

Consiste em um “mel” vendido como um afrodisíaco “100% natural”. O CIATox de Campinas já analisou três amostras do produto vendido em sachês e identificou sildenafila e tadalafila em sua composição, fármacos para disfunção erétil que só podem ser utilizados sob prescrição médica. As concentrações eram variáveis e, em algumas, até mais altas que doses terapêuticas.

A combinação das duas substâncias pode causar hipotensão grave, priapismo (ereção do pênis por tempo prolongado, e às vezes até de forma dolorosa), tontura e cefaleia, sendo especialmente perigoso para pessoas com doenças cardíacas.

O produto permanece circulando em lojas informais e sex shops, apesar da sua comercialização ser proibida pela Anvisa. 

Fentanil

O fentanil consiste em uma substância da classe dos opioides, sendo inicialmente sintetizado e utilizado como analgésico e anestésico. É aproximadamente 50 vezes mais potente do que a heroína, e 100 vezes mais potente do que a morfina. Essa substância tem gerado preocupações em diversos países da Europa e nos Estados Unidos.

Em março de 2023, o CIATox de Campinas emitiu alerta sobre a detecção de fentanil combinada com outras drogas como LSD, K2 e cocaína, além de também ser utilizado em golpe de tipo “Boa-noite, Cinderela” na região metropolitana.

Assim, foi recomendada vigilância nas emergências para sinais de intoxicação opioide (miose, depressão respiratória/neurológica), e o uso de naloxona como antídoto nesses casos. 

Metanol

É um tipo diferente de álcool, sendo bastante utilizado na indústria, e que NÃO deve ser ingerido!
No entanto, há diversos casos de presença dessa substância em bebidas alcoólicas adulteradas e em álcool de combustível. A sua ingestão têm causado mortes, além de efeitos tóxicos graves, como cegueira e falência dos órgãos. O CIATox de Campinas identificou 14 casos graves entre abril de 2016 e julho de 2023, com 11 mortes.  

Substâncias orgânicas voláteis (SOVs)

Essas substâncias estão presentes em produtos popularmente conhecidos como “loló” ou “lança-perfume” desejado pelos usuários. Alguns exemplos de SOVs são clorofórmio, tricloroetileno e acetato de etila. Além da euforia, elas também podem causar tontura, alucinação e até danos cerebrais quando inalados. O uso recreativo, principalmente entre jovens, tem se tornado cada vez mais comum e tem preocupado os especialistas.

Na Unicamp, os alunos do CIATox também investem na educação preventiva. Um exemplo é o projeto que “Que lança é esse?” (@quelanca.rd), que explica de forma clara e direta os perigos do uso de lança-perfume. Em vez de apontar o dedo, julgando a pessoa que quer fazer o uso da substância, o projeto aposta em informação, escuta e redução de danos, por meio da criação de conteúdos nas redes sociais, palestras e presença em festas universitárias.

A ideia é simples e poderosa: quanto mais se entende os riscos, mais se protege.

Se você souber de algum caso de intoxicação ou tiver dúvidas, não hesite em entrar em contato com o CIATox mais próximo da sua região. 

Kauê de Oliveira Chinaglia é farmacêutico e doutorando em toxicologia na Unicamp

 

Referências:
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/fiscalizacao-e-monitoramento/farmacovigilancia
https://cvs.saude.sp.gov.br/zip/Caderno%20de%20Toxicovigilância%20II%20-%20SINAN%20-%20internet.pdf
Dias, E. P. F.; Aaraújo, R. S. Toxinformes: a toxicologia ao alcance da comunidade. João Pessoa: UFPB, 1997.
https://cvs.saude.sp.gov.br/up/Caderno%20de%20Toxicovigilância%20I%2015.04.2014%20final.pdf
https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/svsa/saude-ambiental/vigipeq/ciatox
https://unicamp.br/unicamp/noticias/2021/09/29/melzinho-do-amor-oferece-graves-riscos-saude-alerta-laboratorio-de-toxicologia/
https://unicamp.br/unicamp/noticias/2023/03/22/ciatox-de-campinas-emite-alerta-sobre-abuso-de-novas-substancias-psicoativas/
https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2023/04/11/fentanil-unicamp-alerta-para-serie-de-casos-de-intoxicacao-no-comeco-de-2023-na-regiao-de-campinas-droga-e-a-que-mais-mata-nos-eua.ghtml
https://unicamp.br/unicamp/noticias/2023/08/16/ciatox-alerta-para-aumento-de-casos-de-intoxicacoes-graves-por-metanol/