Primeira reunião realizada no laboratório formou equipe de pesquisadores brasileiros e internacionais atuantes nessa linha de estudos pioneira na América Latina
Por Mayra Trinca
Entender como as pessoas se informam sobre ciência e como se apropriam desse conhecimento no dia a dia é essencial para desenhar políticas públicas e de comunicação mais eficientes. A mais recente pesquisa nacional de percepção pública da ciência e tecnologia, realizada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), mostrou que a maioria da população brasileira se informa sobre ciência por meio de redes sociais e não sabe mencionar o nome de um cientista ou de uma instituição de pesquisa.
Esses dados fazem parte de uma série histórica de estudos que se iniciou há 20 anos. O primeiro foi realizado pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) em 2005, liderado por Carlos Vogt (então presidente da Fapesp). A pesquisa foi publicada como capítulo do livro de Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação de São Paulo.
“Eu pensei que seria interessante propor, neste livro, um capítulo dedicado não só aos indicadores, mas à percepção das pessoas sobre ciência, tecnologia e inovação. Havia uma tradição de estudos em vários países, como Estados Unidos e Europa, e então constituímos um grupo e começamos a trabalhar com isso no Brasil”, conta Vogt.
A pesquisa de 2005 não foi a primeira. O Brasil já tinha experimentado algumas pesquisas de percepção pública da ciência e da tecnologia em 1986, no âmbito da Agência Federal de Fomento à Ciência (CNPq) e, depois, no contexto da ECO-92 (ou Rio-92). Não havia, no entanto, levantamentos periódicos nem comparáveis entre países. Foi por isso que os pesquisadores se reuniram no Labjor.
Estiveram na reunião inicial nomes como Carmelo Polino, então da Red de Indicadores de Ciencia y Tecnología Iberoamericana e Interamericana (Ricyt); Martin Bauer, especialista na área da London School of Economics; e Luisa Massarani, pesquisadora da Fiocruz. Além de cientistas do próprio Labjor, como Carlos Vogt, Rafael Evangelista, Simone Pallone e Yurij Castelfranchi (hoje na UFMG).
América Latina
O questionário usado nas primeiras pesquisas foi adaptado de versões anteriores aplicadas nos Estados Unidos e Europa. Isso permitiu comparar as pesquisas para entender as semelhanças e diferenças entre as populações. “Você quer usar perguntas que já foram formuladas e testadas por outros países, mas também tem que encarar a realidade do seu público”, detalha Pallone.
Além da própria questão da interpretação da linguagem, um mesmo termo pode ter significados levemente diferentes a depender do país, e os pesquisadores decidiram atualizar as perguntas.
Polino diz que, desde o início, a questão da cultura científica ganhou mais destaque nas pesquisas realizadas na América Latina. Enquanto estudos europeus ainda permanecem muito apegados em avaliar a alfabetização científica, ou o quanto as pessoas lembram e reconhecem conceitos, por aqui eles buscaram criar indicadores alternativos. “O conhecimento em si não é tão representativo, porque as pessoas esquecem, elas não lidam com conceitos diariamente, é diferente de entrevistar jovens, que ainda estão frequentando a escola”, exemplifica Pallone.
Perguntas sobre nomes de cientistas e instituições de pesquisa também são um destaque nas pesquisas no Brasil. Segundo Polino, não são comuns nos estudos europeus. “Na América Latina sempre houve dissociação entre a ciência institucional, a economia e a inovação. As instituições que promovem esse tipo de estudos estão preocupadas com o reconhecimento social da ciência. E esse não é um tema de muita preocupação na Europa”, complementa o pesquisador.
Depois das primeiras reuniões que formaram a equipe de pesquisa no Brasil, os estudos foram expandidos, inicialmente para a Argentina (onde estava Polino à época) e Uruguai. Paraguai, México, Colômbia, Panamá e outros países latinos seguiram. Em 2015, Polino e Castelfranchi foram convidados a escrever o Manual de Antigua sobre indicadores de percepção pública de ciência. O documento é usado como guia para pesquisas do tipo em diversos países até hoje.
Pesquisas de percepção
Os surveys, questionários aplicados em grande escala, têm sido a principal metodologia usada. Através de uma série de perguntas, eles medem o conhecimento, mas também o interesse e a valorização da ciência pelas pessoas. Depois da primeira versão, de 2005, novos levantamentos foram feitos pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em 2010, 2015, 2019 e 2023. Em todos eles, Castelfranchi e Massarani atuaram como conselheiros.
Segundo Castelfranchi, graças a essa série histórica, foi possível perceber que o interesse por ciência aumentou entre os brasileiros nesses vinte anos. Outro ponto que chama a atenção foi o nivelamento de interesse mostrado por homens e mulheres. Nas primeiras pesquisas quase duas vezes mais mulheres do que homens diziam não ter interesse no assunto.
A sequência de estudos também mostra como os temas atuais ou flutuações políticas interferem na percepção de ciência por parte da população. As primeiras pesquisas incluíam perguntas sobre organismos geneticamente modificados, energia nuclear e mudanças climáticas, tópicos muito presentes na mídia na virada do milênio. Para Pallone, era um momento muito propício para se falar de ciência de um modo geral.
Com o tempo, os estudos foram ficando mais robustos e incluindo aspectos sociais que podem interferir na percepção. Na primeira pesquisa, de 2005, os pesquisadores consideraram importante perguntar sobre a religião dos entrevistados, por exemplo. Hoje, concordam que o espectro político tem uma influência maior sobre as atitudes com relação à ciência. Mas o modo como abordam essas questões nos surveys ficou mais complexo ao longo dos anos.
Castelfranchi exemplifica ao dizer que, no Brasil, identificar o posicionamento político de uma pessoa não é simples e não pode ser determinado com uma única pergunta. É parte das dificuldades e falhas dos questionários que os pesquisadores identificaram ao longo do tempo. “O survey é representativo de uma nação. Mas ele é péssimo, por exemplo, para identificar grau de conhecimento. É ótimo para ver opiniões e atitudes, mas não para ver comportamento”, continua.
Pesquisas futuras
No Labjor, o tema segue em alta. Percepção pública da ciência e da tecnologia é uma das quatro linhas de pesquisa propostas, ao lado de Informação, comunicação, tecnologia e sociedade; Cultura científica e sociedade; e Literatura, artes e comunicação. O tema é uma das disciplinas no âmbito da Pós-graduação em divulgação científica e cultural, que teve início em 2008. Também integra as pesquisas orientadas por quase dez cientistas do laboratório.
As dissertações investigam, entre outros tópicos, percepções de jornalistas e a apropriação da ciência pelas pessoas, temas que Castelfranchi considera importantes no atual cenário. A avaliação do pesquisador é de que jornalistas e comunicadores de ciência têm se baseado mais nas pesquisas de percepção para pensar como se comunicar com o público.
Para próximas edições, os pesquisadores esperam explorar mais a influência da tecnologia. A última pesquisa nacional mostrou que a maioria dos brasileiros se informou por redes sociais. Mas é importante saber como isso acontece e os efeitos da fragmentação da informação que ocorre nesses espaços. Casltelfranchi e Polino consideram importante incluir dados obtidos através das redes como complementares aos surveys, que têm se tornado muito complexos e, também por isso, mais caros.
O aumento do uso das redes sociais vem acompanhado de uma exposição maior a notícias falsas e enganosas, especialmente com a popularização da criação de imagens, áudios e vídeos utilizando inteligência artificial. Os pesquisadores defendem que esse tema deve receber uma atenção especial nos próximos anos.
Polino também destaca que as edições futuras devem se preocupar mais com acesso à informação do ponto de vista da justiça social. “A barreira de acesso à cultura, na verdade, não é apenas uma questão de democratização do conhecimento, mas um problema de justiça social. E isso leva a uma questão central para mim, que é a desigualdade e a injustiça epistêmica e como ela afeta o acesso e a capacidade de participar politicamente”.
Mayra Trinca é bióloga, mestre em divulgação científica (Unicamp) e especialista em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).