Iniciativas diversas procuram criar hábito de leitura em um país que lê pouco

Por Caroline Marques Maia e Vinícius Nunes Alves

Uma pesquisa Ibope de 2016 apontou que 44% dos brasileiros não têm hábito de ler e 30% nunca compraram um livro. Além disso, na comparação com a média de 4,96 livros lidos por pessoa ao ano, 2,53 não são terminados. Nesse cenário desolador, surgem iniciativas de incentivo à leitura como redes sociais de leitores, clubes de assinatura de livros, youtubers especializados em literatura, minibibliotecas comunitárias e a atuação em escolas públicas de educadores responsáveis exclusivamente pela sala de leitura e por contar histórias.

Uma iniciativa de incentivo à leitura que pode atingir públicos mais carentes é a das Gelotecas, minibibliotecas comunitárias em geladeiras espalhadas em espaços públicos de diversas cidades. O projeto está presente em estados como Ceará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Em São Paulo destaca-se João Belmonte, artista plástico e professor de artes conhecido como Tody One, que espalha geladeiras velhas que grafita e enche de livros em bom estado em bairros periféricos da Zona Leste de São Paulo [leia entrevista abaixo]. “Quando eu vi essa ideia das geladeiras em uma reportagem, elas tinham um cadeado; eu fiz uma intervenção artística, coloquei na calçada e sem cadeado e acreditei no retorno dos livros”, conta. “O que me motiva é saber que com pouco mudamos a rotina do meu bairro, e isso é política pública”, acrescenta o artista plástico.

Nas escolas públicas também há iniciativas que incentivam a leitura, como professores responsáveis pela Sala de Leitura nas escolas estaduais de São Paulo (ensino fundamental II – 6º ao 9º ano e ensino médio), projeto que conta com mais de 2,3 milhões de alunos atendidos, atingindo 3.143 escolas em 604 municípios. Roseli Campos, professora responsável pela Sala de Leitura da Escola Américo Virgínio dos Santos em Botucatu (SP), comenta as estratégias para incentivar a leitura nesse espaço: “Os alunos recebem uma carteirinha no sexto ano para retirada dos livros, podendo levar os livros para casa e ficando um determinado tempo. Trabalhamos temas mensais, como, por exemplo, prevenção do suicídio. Também fazemos roda de leitura na sala de aula e em outros ambientes da escola.”

Ainda no contexto escolar, a prefeitura de Botucatu foi a primeira do Brasil a contratar um profissional exclusivamente para os projetos de leitura nas escolas da rede municipal. “A visita dos alunos à sala de leitura para retirada de livros é sempre acompanhada de alguma atividade, como contação de histórias, vídeos, leitura individual ou coletiva, músicas ou ainda alguma atividade específica solicitada pelo professor. Isso torna a vinda à sala de leitura sempre estimulante e aguardada pelas turmas”, explica Rogério Moraes, profissional contador de histórias da rede municipal.

O incentivo à leitura de livros também pode estar na própria forma de comercializá-los, como os clubes online de assinaturas de livros que podem atingir públicos de todo o Brasil. Os assinantes pagam um valor mensal para receberem livros e materiais relacionados (revista sobre autor e obra, box literário etc.) diretamente em suas casas. São livros “surpresa” dentro do perfil e das preferências literárias dos assinantes. A Tag Experiências Literárias segue esse perfil e tem mais de 50 mil assinantes. “A Tag atinge diversos públicos em termos de faixa etária e orientação literária. Estamos em quase 3 mil cidades de todos os estados brasileiros”, diz Arthur Dambros, cofundador da empresa. Essa iniciativa privada foi inspirada no Círculo do Livro, que vendia obras disponibilizadas em catálogo em um modelo de assinatura e foi um sucesso nas décadas de 1970 e 80. Arthur ainda destaca o aplicativo Cabeceira, desenvolvido e recém-lançado pela Tag. “É um assistente pessoal de leitura, em que você poderá organizar sua biblioteca, acompanhar seu desempenho como leitor, colocar metas de leitura, calcular o tempo de conclusão de leitura de cada livro etc. Serve tanto para leitores quanto para quem está tentando fazer o hábito vingar.”

A maior plataforma de vídeos da internet – YouTube – também tem se mostrado um importante meio de incentivo à leitura com o sucesso dos booktubers, produtores de conteúdo que comentam sobre livros. Eles recebem financiamentos de editoras e usam uma linguagem coloquial, oferecendo dicas de leitura e de escrita a um público jovem. Embora não queiram roubar o espaço da crítica tradicional, muitas vezes são condenados por usarem abordagem supostamente superficial de temas literários e por receberem dinheiro para comentar determinada obra. Apesar disso, os booktubers chegam a ter milhões de visualizações e milhares de inscritos.

Dentre os booktubers mais conhecidos destacam-se Tatiana Feltrin, Eduardo Cilto, Pam Gonçalves e Melina Souza. Feltrin comenta livros e resenhas, e seu canal tem cerca de 383 mil inscritos e mais de 10 milhões de visualizações. Cilto comenta sobre o mundo da literatura em geral e tem cerca de 356 mil inscritos em seu canal, enquanto o foco do canal de Melina Souza são dicas literárias, com aproximadamente 156 mil inscritos. O canal de Pam Gonçalves não é focado só em livros, mas também em séries e filmes, atingindo mais de 4 milhões de visualizações e quase 300 mil inscritos.

O Skoob é a maior rede social de leitores do Brasil, com mais de 5 milhões de pessoas compartilhando experiências literárias, e foi lançada em 2009 pelo desenvolvedor Lindenberg Moreira. Essa rede gratuita funciona como uma estante virtual, na qual as pessoas podem colocar os livros que já leram e aqueles que ainda desejam ler, compartilhar resenhas e opiniões com amigos, trocar livros e até participar de sorteios. Também permite interatividade com outras redes sociais, como o Twitter e o Facebook, bem como com lojas de comércio eletrônico. Além disso, o Skoob oferece ferramentas para os skoobers – como são chamados os leitores nessa rede social – criarem hábitos de leitura. Marcar livros favoritos, os que desejam ter ou que já têm, aqueles que são meta de leitura, ou trocar ideias sobre as atualizações de usuários com os mesmos gostos literários, são exemplos dessas ferramentas.

ENTREVISTA COM TODY ONE
João Belmonte é formado em artes plásticas pela Universidade Brazcubas, pós-graduando em psicopedagogia pela FMU, professor de artes, artista visual, poeta e grafiteiro. Também já foi dançarino e trabalhou em projetos sociais. “Tody já era um nome que eu usava em graffiti, depois quando comecei a dançar breaking eu adotei Tody One, então ficou como nome artístico.”

Os livros sempre fizeram parte da sua vida? Quais características resumem um bom livro?
Os livros não faziam parte da minha vida, foi um construção de anos, pois na periferia o estudo vem depois do trabalho. Eu tive que trabalhar muito cedo e colocar comida em casa, hoje eu leio muita filosofia e política, antes eu lia muita poesia e romance, acredito que são fases, mas hoje eu procuro mais a literatura preta que me faz bem. 

O que levou você a ser um dos criadores da Geloteca e ainda estar à frente desse projeto até hoje?
Na real ela já existia, eu só sou criador de um conceito diferente. Quando vi em uma reportagem, a geladeira tinha um cadeado. Eu fiz uma intervenção artística, coloquei na calçada e sem cadeado e acreditei no retorno dos livros, nunca aconteceu de eles não voltarem. Então por isso se tornou essa loucura, acreditar na sociedade e que ela pode mudar através de bons exemplos. O que motiva até hoje é saber que com pouco, mudamos a rotina do meu bairro, e isso é política pública, logo eu vi que existia uma vácuo na cultura e educação que era a educação popular, e que era eu que tinha que puxar, pois ninguém mais queria fazer. E eu não ia esperar um branco de classe média fazer algo por nós.

Num mundo acelerado e com excesso de informações, você observa dificuldade nas pessoas para desenvolver paciência, concentração e compreensão de leitura?
Eu sugiro cuidar da saúde mental, ter um espaço em casa que aguça a pensar e a descansar, com plantas ao redor, isso faz ter uma sensação de relaxamento. Ter livros por perto faz com que a leitura se torne prazerosa, ler por obrigação para estudo acaba sendo automático, ler rápido e sintetizar só o que interessa para a questão de prova não contribui para o conhecimento. É necessário esvaziar a mente da aceleração da cidade.

Os livros digitais estão substituindo os impressos ou apenas vêm para somar?
Vêm pra somar. Mas existem comunidades que ainda não tiveram nem acesso à internet. Acredito que os digitais possam contribuir com o acesso de ter na palma da mão livros difíceis de achar. Estão sendo usados muito pouco ainda.

Além da geloteca, quais iniciativas, sobretudo públicas, de incentivo à leitura você destacaria?
Além das gelotecas, uma boa iniciativa pública para mim é saraus. A melhor coisa do mundo é você conhecer pessoas que comungam a palavra e fazem da poesia um grito de liberdade. O sarau aguça a vontade de ler, quando você vê e ouve um poeta declamando uma poesia e encaixando palavras que soam como música aos ouvidos, faz você procurar quais referências ele usou para fazer aquilo, logo faz você exercitar o hábito de escrever e para escrever é necessário ler mais.

Caroline Marques Maia é bióloga pela Unesp (Botucatu), mestre e doutora em zoologia pela mesma instituição. É gestora-diretora do Clube Ciência do Instituto GilsonVolpato de Educação Científica e pós-graduanda no curso de especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.

Vinícius Nunes Alves é biólogo pela Unesp (Botucatu) com mestrado em ecologia e conservação de recursos naturais pela UFU. É professor de ciências e biologia na rede básica de ensino da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Atualmente é pós-graduando no curso de especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.