Meditação: o que a ciência diz sobre práticas como o mindfulness

Por Suzana Petropouleas

Pesquisadores analisam possíveis efeitos e limitações da prática da atenção plena. Porém, são necessárias mais e melhores pesquisas para determinar os reais efeitos desses programas.

As práticas meditativas são objeto de atenção de diferentes vertentes espirituais e religiosas, do vipassana budista à kaballah judaica. Em 2017, dados de questionários da Pesquisa Nacional de Saúde dos EUA indicaram que entre 2012 e 2017 triplicou o número de adultos que praticaram meditação.

Tem crescido também o interesse de cientistas sobre os efeitos da prática para a saúde mental. As publicações em revistas científicas sobre mindfulness (ou “consciência plena”, forma de meditação que prega a atenção total ao aqui e agora), cresceram de 12, em 2000, para 624, em 2015, segundo dados da Associação Americana de Pesquisa em mindfulness. No Reino Unido, um protocolo que une mindfulness à terapia cognitiva comportamental é uma das indicações terapêuticas para a depressão recorrente preconizada nas diretrizes oficiais de saúde .

Edilaine Gherardi-Donato, professora associada e chefe do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (USP), explica que “meditação é um exercício de atenção, concentração e presença”. “Para meditar é preciso intencionalmente focar a atenção em algo, seja interno ou externo. É um exercício do estado de atenção plena”.

A ciência por trás do silêncio

Camila Vorkapic, mestre em psiquiatria e saúde mental e doutora em psicologia pela UFRJ estuda a fisiologia da prática da meditação. Ela explica que o córtex pré-frontal do cérebro tem três conjuntos de estruturas cognitivas que podem ser ativadas: a rede default, em ação quando estamos “viajando”; a de saliência, ativada quando reorientamos o pensamento para uma ação; e a rede central executiva, ativada quando estamos, de fato, executando uma tarefa.

O cérebro alterna entre essas funções continuamente. “O que se observa com a prática de mindfulness é uma redução nas atividades da rede default: fica-se mais atento e presente. Ao mesmo tempo há redução – inclusive estrutural – na área das amígdalas, responsáveis por emoções como medo e ansiedade. Pessoas que meditam têm as amígdalas menos ativadas”, explica.

Tomografias e ressonâncias também mostram redução da atenção voltada a estímulos externos e aumento da atenção sustentada interna. Aumentam também a produção de neurotransmissores como o GABA (ou ácido gama-aminobutírico, conhecido como o “calmante natural do cérebro”) e dos níveis de dopamina (neurotransmissor relacionado ao prazer), serotonina (ligada a regulação do humor) e das endorfinas, os analgésicos naturais do corpo.

“A alteração cerebral mais significativa, mostrada em um estudo de Harvard, foi o aumento da espessura da massa cinzenta, ou seja, aumento no número de neurônios de determinadas áreas do cérebro”, conta a pesquisadora.

Marcelo Demarzo é doutor em patologia pela USP e professor da Escola Paulista de Medicina (Unifesp). Ele defende a prática como tratamento complementar de condições como ansiedade, depressão e dores crônicas. “As principais técnicas para o desenvolvimento da atenção plena são exercícios atencionais derivados de algumas práticas meditativas que usam o próprio corpo (respiração, sensações corporais) como âncoras para o treinamento da atenção”, relata. “Podemos mapear os benefícios de mindfulness de várias maneiras: por escalas psicológicas, avaliações sanguíneas, avaliações neurobiológicas ou cerebrais e por exames de ressonância magnética funcional”.

Segundo o pesquisador, programas de mindfulness promovem mudanças na estrutura cerebral devido à capacidade neuroplástica do cérebro – efeito captado pelos exames de neuroimagem. “Algumas áreas cerebrais são mais beneficiadas pela prática, como o hipocampo, hipotálamo e córtex pré-frontal. São áreas relacionadas à memória, à tomada de consciência do corpo em relação ao espaço (propriocepção), à tomada de decisões, ao raciocínio crítico, ou seja, às funções cognitivas em geral”.

“Meditar é saudável, mas não é uma panaceia”

Apesar dos esforços recentes, a ciência engatinha para comprovar benefícios da meditação sobre o cérebro. “Muitos estudos não têm um grupo controle, uma randomização, uma boa descrição da técnica utilizada ou de como ela foi ensinada aos pacientes/voluntários. Estatística e a apresentação dos dados de forma adequada também são fundamentais”, ressalta Elisa Kozasa, pesquisadora do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein e também uma das referências sobre o tema no Brasil.

Para analisar os efeitos de estados meditativos sobre o cérebro, ressalta Kozasa, exames de imagem como ressonâncias magnéticas funcionais são importantes. Mas a forma como são conduzidos, também. “Não é exatamente o que as imagens nos dizem, mas como elas foram adquiridas, processadas, analisadas e interpretadas. Trata-se de um processo complexo que envolve uma equipe multidisciplinar de áreas diversas tais como a física, a computação e a neurorradiologia”, ressalta.

Um estudo de 2015 da universidade americana John Hopkins realizou revisão sistemática e meta-análise de 17.801 citações e 47 testes com 3320 participantes sobre programas de meditação para redução de estresse e promoção de bem-estar. Concluiu que programas de mindfulness de oito semanas têm evidências moderadas de auxílio na redução da ansiedade, depressão e dor. As evidências de que esses protocolos auxiliem na redução de estresse e qualidade de vida em termos de saúde mental foram consideradas baixas. Além disso, foi encontrada baixa ou nenhuma evidência de efeito sobre o nível de atenção, humor, uso de substâncias, alimentação ou sono.

Os pesquisadores também afirmam não terem encontrado evidências de que programas de meditação sejam mais eficientes do que outros tratamentos ativos para os quadros citados – como medicação, exercícios e terapias comportamentais. Assim, a meditação aparece mais como uma aliada do que um tratamento por si só. No entanto, os pesquisadores concluem o estudo alertando: os dados são basicamente inconclusivos. São necessárias mais e melhores pesquisas para determinar os reais efeitos desses programas na melhora da saúde.

Outra pesquisa, uma meta-análise conduzida em 2007 por pesquisadores da Universidade de Alberta (Canadá) e baseada em 813 estudos, chegou à conclusão de que a maioria das pesquisas conduzidas no estudo da meditação até então possuíam problemas metodológicos ou de apresentação de resultados. “Muitas incertezas cercam as práticas de meditação”, afirma o estudo. “Pesquisas científicas sobre a meditação não parecem ter uma perspectiva teórica comum e são caracterizadas por baixa qualidade metodológica. Conclusões mais firmes sobre os efeitos da meditação na saúde não podem ser obtidas baseadas nas evidências disponíveis (no estudo). Pesquisas futuras sobre práticas meditativas devem ser rigorosas em seu desenho, execução, análise e divulgação de resultados”, conclui.

Apesar de limitações metodológicas, outras pesquisas recentes indicam relação direta entre frequência de práticas meditativas e maiores níveis de consciência plena, autocompaixão e felicidade. É o caso de estudo de Demarzo publicado em 2016, que também observou como mindfulness e autocompaixão podem mediar a relação entre meditação e felicidade. Outros estudos indicam eficácia da meditação na redução da pressão arterial, síndrome do intestino irritável, ansiedade e depressão.

“Entre os achados, destacam-se os efeitos de redução dos níveis de cortisol, que impactam na qualidade do sono, no processo de envelhecimento celular, na resposta imunológica, nos processos inflamatórios e na estrutura do tecido cerebral. Em populações clínicas, existem benefícios reportados por estudos que introduziram a prática a pessoas com dor aguda e crônica, hipertensão, diabetes tipo 2, síndrome da imunodeficiência adquirida e portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e abuso de drogas”, relata a professora Gherardi-Donato, da Escola de Enfermagem da USP.

Para Kozasa, é importante entender as limitações da prática para utilizá-la adequadamente. “É importante compreender que meditar pode ajudar a reduzir o estresse, problemas cardiovasculares como a hipertensão, além de ser um bom recurso para lidar com sintomas de ansiedade e depressão. Porém, existem outras práticas contemplativas que se utilizam não apenas da quietude da mente e do corpo, mas de recursos corporais – como ioga e tai chi. Pessoalmente, eu incluiria atividades como o surfe também como uma prática contemplativa, quando fora do contexto competitivo”, indica.

“Meditar é saudável, mas não é uma panaceia. É importante entender a importância de um estilo de vida saudável que envolve nutrição, buscar um ambiente ou entorno em que seja possível um contato com a natureza com alguma regularidade, além de exercícios físicos e o cultivo de relações saudáveis”, recomenda.  “Não falamos em cura, mas em melhor manejo dos problemas – o que pode prevenir novos quadros de ansiedade ou depressão, por exemplo”, corrobora Demarzo.

Foco empresarial

Há também estudos sobre os benefícios de mindfulness em outras áreas da sociedade, como na educação de crianças e adolescentes e no mundo corporativo. Rogério Calia é professor do curso de administração da USP em Ribeirão Preto e estuda as aplicações da prática em ciências organizacionais.

O professor relembra iniciativa do parlamento britânico que contratou pesquisadores em mindfulness da Universidade de Oxford para oferecer cursos da prática a parlamentares de diversos partidos. Também foi organizada, pelo parlamento, uma iniciativa para compilar pesquisas sobre o assunto que possam inspirar políticas públicas em educação, saúde, sistema carcerário e ambiente de trabalho. Entre as recomendações do documento, estão a promoção de programas de mindfulness no setor público, o estímulo a projetos de pesquisa na área e a implementação de terapia cognitiva aliada ao mindfulness para tratamento de depressão recorrente entre a população carcerária.

No ambiente de trabalho, o mindfulness é estudado como uma ferramenta para impulsionar desempenho e qualidade de vida. “O mindfulness fortalece a qualidade da atenção, que fortalece o cognitivo, o emocional e o comportamental – e isso, por sua vez, melhora o desempenho e as relações no trabalho”, explica Calia.

O interesse tem crescido tanto que grandes corporações têm seus próprios programas – é o caso do programa Search Inside Yourself (busque dentro de você) do Google, criado em 2007 por experts em mindfulness, neurociência e inteligência emocional como um treinamento interno para os funcionários – e hoje disponível em mais de 30 países.

Suzana Petropouleas é economista, pós-graduada e mestranda em jornalismo científico no Labjor/Unicamp e bolsista do Programa Mídia Ciência (Fapesp).