Nativos já utilizavam metais quando os europeus chegaram, mas mineração na época colonial não foi tão relevante na região, só se intensificando a partir da década de 1960 com os governos militares.
Por Job Batista Filho
Canaã dos Carajás é o segundo município do Brasil com maior PIB per capita de acordo com os últimos dados do IBGE (R$ 894 mil), só atrás de Catas Altas, em Minas Gerais, cujo valor foi de R$ 920 mil.
Essa renda é explicada pela mineração, e quem vê esses altos valores não imagina que essa fonte tem origem recente, se comparada a outros lugares do Brasil que exploram o setor desde a época colonial.
Primeiras impressões
“Eles não lavram nem criam”. É assim que descreve o escrivão-mor Pero Vaz de Caminha os nativos do novo mundo ao rei D. Manuel. “Um deles fitou o colar do Capitão, e começou a fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata!”.
Este é o trecho do primeiro documento sobre o Brasil descrevendo o contato dos portugueses com os habitantes locais, que logo identificam os metais no colar de Pedro Alvarez Cabral e no castiçal, apontando a existência dos mesmos em solo brasileiro.
Em Crônica da missão dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão, o padre João Felipe, no final do século 17, descreve várias passagens com os nativos utilizando adornos e objetos de ouro no nariz e nas orelhas, cita a localização de minas de ouro, prata e pedras preciosas que afloravam naturalmente no solo e nos rios, sendo facilmente extraídos.
É deste mesmo período o Notícias curiosas e necessárias das coisas do Brasil do padre Simão de Vasconcelos, onde há relato sobre a fabricação de peças pelos nativos, que derretiam o ouro para produzir adornos de uso pessoal, e a prata para fabricar cunhas usadas como machado.
Já no século 18, com a colonização do território ainda sob domínio da Companhia de Jesus, teve o padre João Daniel, que em seu livro Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas, reporta sobre a existência de riquezas minerais como ouro, prata, diamantes e pedras preciosas pelos rios da área, e deixa claro o medo da metrópole em explorar ou divulgar essas descobertas para não causar a cobiça nem conflitos com Holanda e França, que também perambulavam a prospectar a região. “Toda ela é um contínuo mineral de ouro, prata, diamantes, e muitas outras pedras preciosas, de sorte que afirmam os práticos ser a terra mais rica de minas, que até agora tem descoberto em todo o mundo”, escreve o padre.
Isso também é observado no livro de Henryk Siewierski, que pode ser conferido na Biblioteca Nacional. “João Daniel dá uma relação minuciosa de muitas minas de ouro situadas nas margens do Amazonas e seus afluentes. Volta a falar também do lago de ouro e da cidade de Manoa” – uma cidade mítica, toda de ouro, nunca localizada. “Ouro, prata, diamantes é na sua visão apenas uma parte das grandes riquezas do tesouro do Amazona, mas também admite de ser ‘causa de muitas desgraças’”, escreve Siewierski.
Os métodos de extração dos minerais utilizados pelos nativos acabam não sendo revelados, supondo questões de sigilo e segurança. E se praticamente não houve mineração nos séculos 16 e 17, foi feita prospecção e pesquisa por parte dos jesuítas e estrangeiros. Como muitos padres foram presos, como João Daniel, a divulgação desses achados torna-se mais difícil.
Segundo os pesquisadores Susanna Hecht e Raoni Rajão, no artigo Do “Inferno Verde” à “Amazônia Legal” (título traduzido para o português), os povos originários contavam com um sistema de localização avançado mas que “embora certamente houvesse cartografias indígenas no novo mundo, elas eram em sua maioria ilegíveis para os europeus que tentavam decifrá-las”.
Karl Heinz Arenz, professor de história da UFPA (Universidade Federal do Pará), diz que, pelos relatos dos jesuítas, os indígenas conheciam os minerais da região e podem ter informado aos europeus onde encontrá-los. “Não achei nada nas fontes referentes à Amazônia que sugerisse que indígenas tenham indicado o lugar de “pedras preciosas” aos colonizadores. Mas como seus conhecimentos eram fundamentais para a exploração da região, isso é bem provável”.
“Não tivemos mineração na região amazônica. Contudo, é relatado o uso de ouro aluvial, e uma das matérias-primas mais valorizadas na região parecem ter sido rochas verdes (como a amazonita), um feldspato verde utilizado para fabricação de joalherias”, diz Anne Rapp Py-Daniel, arqueóloga e professora da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará).
Os primeiros relatos de garimpos no rio Tapajós surgem em 1610, conforme relata o geólogo Iran Machado, autor do livro História da mineração brasileira. “Mas o interesse dos portugueses era mais voltado para as drogas do sertão – guaraná, salsa, urucum, pau-cravo, gergelim, cacau, baunilha e castanha-do-Pará – recursos mais abundantes que bens metálicos e que eram aplicados na medicina e na culinária”, diz Machado.
História, governos e militares
“A história do Brasil se confunde, em muitos momentos, com a história da mineração, dado termos sido um país extrativista durante longo tempo e ainda sermos predominantemente exportadores de commodities”, explica Silvia Figueirôa, professora do Instituto de Geociências da Unicamp e coautora do livro História da mineração brasileira. Para Figueirôa, é impossível pensar o Brasil sem levar em conta a história da mineração. “Ajuda a compreender a posição do país no mundo, o ritmo de desenvolvimento e a predominância da agricultura, à qual a mineração quase sempre se subordinou”, explica.
Assim, não é surpresa que a grande mineração só tenha se instalado na Amazônia após várias tentativas frustradas de ocupar e transformar o bioma em commodities.
O exército de trabalhadores para os seringais da frustrada Fordlândia – uma cidade tecnológica fundada em 1927 no meio da floresta – com a ajuda e incentivo do governo brasileiro se revelou um verdadeiro fracasso, com a morte de muitas pessoas. A mão de obra que sobreviveu ficou na floresta, com o garimpo se tornando uma alternativa. Como consequência, anos depois, surge a maior mina a céu aberto do mundo, retratada pelo fotógrafo Sebastião Salgado, com aproximadamente 100 mil pessoas trabalhando sob condições precárias e insalubres, com aprovação e proteção do governo militar: Serra Pelada, no Pará, na Província Mineral de Carajás, nos anos 1980.
Foi durante o governo militar, desde a década de 1960, que houve incentivo estatal aos grandes projetos minerários na Amazônia. Desde antes do grande projeto Carajás, por exemplo, descobertas importantes de reservas de caulim e bauxita atraíram os olhares para Barcarena, no Pará. Nesse período pode-se notar a intensificação e a posterior escalada de crimes ligados ao garimpo ilegal na Amazônia.