Mitos sobre adolescência ignoram fisiologia humana e papel da sociedade no comportamento

Por Andréa Grieco Nascimento e Matheus Ferreira 

Ciências biológicas e humanas oferecem caminhos para compreender atitudes da fase.

Imagem: Pexels/ Cottonbro Studio

Rebeldes, chatos e imaturos. Adolescentes sofrem com rótulos negativos que ofuscam a potencialidade dessa fase de desenvolvimento e ignoram o acúmulo de conhecimento sobre ela. Por caminhos diferentes, tanto as ciências humanas quanto as biológicas têm se esforçado para compreender as especificidades do grupo.

Entendida como o período de transição entre a infância e a fase adulta, a adolescência é influenciada por fatores biológicos, sociais e culturais. O começo da adolescência, em geral, é marcado pelo início da puberdade, momento de mudanças fisiológicas e anatômicas que preparam o corpo para ser capaz de se reproduzir, culminando na maturação sexual do adulto. “Adultos e adolescentes possuem papeis sociais distintos. É só pensar na ideia de gravidez na adolescência — um problema social e de saúde pública sério — que fica evidente que a capacidade de reproduzir não é suficiente para definir um adulto”, exemplifica Thiago França, pesquisador em psicobiologia da Universidade Federal da Fronteira do Sul.

Segundo França, alterações fisiológicas explicam parte dos comportamentos e afetos típicos da adolescência. No entanto, ele diz ser difícil isolar a contribuição de um único fator, como a quantidade de determinado hormônio, por exemplo, para um comportamento. “Porém, sabe-se que os hormônios sexuais — tanto os masculinos quanto os femininos — possuem efeitos cognitivos e comportamentais e têm potencial para influenciar os processos maturacionais que ocorrem no cérebro durante a adolescência”, diz.

O cérebro adolescente passa por uma redução no número de neurônios, que ainda não possuem um grau alto de mielinização – o processo de deposição de uma espécie de gordura sobre as células para acelerar o impulso nervoso. As conexões entre os neurônios também são alteradas através da chamada “poda sináptica”: novas sinapses se formam e outras são perdidas, com saldo total negativo. “A ideia de perder sinapses como parte do desenvolvimento parece estranha à primeira vista. Porém, esse processo pode ser pensado como esculpir um bloco de mármore: começa-se com mais material que o necessário, e gradualmente remove-se o excesso até chegar à forma final — nesse caso, um cérebro adaptado às demandas da vida desse indivíduo”, esclarece França. Há ainda peculiaridades relacionadas ao funcionamento de sistemas neuromoduladores, como os de dopamina e serotonina, com efeitos abrangentes e variados no comportamento e na cognição.  

A dopamina é um neurotransmissor conhecido por seu efeito de recompensa. Em um artigo publicado na revista Neuroscience & Biobehavioral Reviews, os autores investigam como a dopamina é popularmente relacionada ao aumento de comportamentos de risco entre adolescentes devido a uma suposta hipersensibilidade a recompensas, que suplantaria os mecanismos de autocontrole ainda imaturos e os levaria a decisões impulsivas. Porém, ela também está relacionada ao aprendizado, tomada de decisão em cenários incertos e aumento de motivação para trabalhar por recompensas e, por isso, contribui para a maturação do controle cognitivo.

O contexto da adolescência inclui navegar por um ambiente social cada vez mais complexo, com novas liberdades, responsabilidades e experiências. “O cérebro adolescente parece bem adaptado para desempenhar a principal tarefa desta fase da vida: aprender. Ele tem a capacidade de usar essas experiências para melhorar sua aptidão para refinar habilidades e regular o próprio comportamento de modo a atingir seus objetivos em diferentes contextos”, analisa França. “Esse aprendizado é iterativo, ou seja, por repetição, um fenômeno complexo que desafia noções simples de causa e efeito. Mudanças maturacionais no cérebro influenciam a forma como o indivíduo interage com seu ambiente e, portanto, afetarão o caráter das suas experiências. Essas, por seu turno, impactam as mudanças que ocorrem no cérebro, que mudam as experiências seguintes, e por aí vai”, completa.

Contribuição das humanidades

As fases de desenvolvimento humano, como a adolescência, também são estudadas pelos diversas áreas da psicologia. Na linha histórico-cultural, por exemplo, desenvolvida pelo bielo-russo Lev Vygotskya, adolescência é moldada pela forma como a sociedade se organiza ao longo da história.

A organização do trabalho ilustra esse fenômeno, afirma Marilda Facci, pesquisadora de desenvolvimento humano da Universidade Estadual de Maringá. Segundo Facci, como não existe espaço para empregar todas as pessoas no mercado de trabalho, a sociedade escolhe deixar os adolescentes esperando até que chegue o tempo em que serão inseridos. “É uma organização que nasce da necessidade do capital”, aponta. Caso acontecesse uma tragédia na qual todos os adultos morressem, continua Facci, os adolescentes seriam obrigados a entrar no mundo de trabalho, o que mudaria as características desse período de desenvolvimento. “Adolescência não é uma fase natural que sempre vai existir”, argumenta a pesquisadora. “Existe pela configuração de sociedade estabelecida”.

Segundo as teorias da psicologia histórico-cultural, a adolescência não é desencadeada pela maturação do corpo – ainda que não se negue sua influência no comportamento. As características do início da fase como autonomia, curiosidade e descobrimento estão inseridas no modelo de funcionamento de uma determinada sociedade. Essa linha teórica argumenta que o ser humano começa a formar os verdadeiros conceitos na adolescência ao se apropriar da cultura ao seu redor. O jovem passa a perceber sua realidade de forma diferente e desenvolve as funções psicológicas superiores, como memória, atenção, abstração e criatividade. “Nesse processo, o adolescente cria condições de ter autoconsciência e começa a busca por autonomia. Mas, ao mesmo tempo, a sociedade não oferece espaços para que ele possa desenvolver suas potencialidades, gerando a crise – que, portanto, não é um processo natural, vindo da fisiologia do corpo ou do cérebro, mas cultural”, contemporiza Facci.

Andréa Grieco Nascimento é formada em ciências biológicas (USP) e cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)

Matheus Ferreira é formado em jornalismo e mestre em comunicação midiática (Unesp). Cursa especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp)