População jovem é a mais vulnerável aos efeitos da crise ambiental

Por Eduarda A. Moreira, Juliana Vicentini e  Pedro A. Duarte

Poluição compromete desenvolvimento fisiológico de crianças e adolescentes, enquanto fatores socioeconômicos interferem na saúde física e mental.

As crianças e adolescentes de hoje herdarão o planeta e o clima comprometidos pela ação humana ao longo do último século. De acordo com o relatório “Crianças, adolescentes e mudanças climáticas no Brasil” produzido em 2022 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), as consequências das mudanças climáticas afetam diretamente o desenvolvimento, o bem-estar e a qualidade de vida de jovens; especialmente negros, indígenas, quilombolas, migrantes e refugiados, pessoas com deficiência e meninas.

Segundo o Observatório da Criança e do Adolescente, há cerca de 68 milhões de pessoas de zero a 19 anos de idade vivendo no Brasil. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 11% da população com até 14 anos de idade são extremamente pobres e 41% são pobres. Além da situação de insegurança, este perfil socioeconômico faz com que vivam em maior exposição a desastres ambientais.

Dados divulgados pelo Unicef indicam que há cerca de 2,1 milhões de crianças e adolescentes vivendo em áreas consideradas de risco no Brasil: locais onde não é recomendada a construção de moradias, expostas a desastres ambientais como inundações e desabamentos. Essa situação precária, incerta e sob estresse faz com que este grupo social tenha menos condições de se adaptar frente às mudanças climáticas relacionadas ao padrão de chuvas e temperatura.

Este cenário gera o deslocamento forçado desses grupos, o que acaba afetando a saúde mental e interferindo no desenvolvimento físico, cognitivo e emocional. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) afirma que “a ruptura dos laços familiares e afetivos; a falta de abrigo ou moradia; as dificuldades de acesso aos serviços básicos, como à água potável e ao saneamento básico, à educação, à saúde e à cultura, assim como a exposição a situações de violência” são fatores determinantes deste processo.

O relatório da Unicef também propõe diversas ações. O documento ressalta a importância do investimento em pesquisa: “é preciso que, na medida do possível, os dados sejam sensíveis a idade, gênero, deficiência, raça e etnia, e captem informações sobre grupos de migrantes e refugiados”. Tais informações servem para embasar políticas públicas, que devem considerar crianças e adolescentes como prioridade em pautas climáticas e ambientais. O relatório aponta, ainda, que essa população está praticamente ausente na legislação, nos planos e nos programas relacionados às mudanças climáticas no Brasil. Além de incluí-los como sujeitos centrais nas políticas públicas, é preciso que crianças e adolescentes sejam incorporados em todas as etapas, desde a concepção até a implementação e avaliação dessas políticas. Outras medidas incluem a promoção e o estímulo à transição para uma economia verde, “abrindo oportunidades de inclusão socioprodutiva de adolescentes e jovens, e inibindo o financiamento de atividades poluentes ou prejudiciais ao meio ambiente”.

Por ser justamente a população mais atingida pelas consequências da crise ambiental, cada vez mais a juventude quer fazer parte da solução. Recentemente, vem sendo observado um protagonismo de adolescentes e jovens, com representantes desses grupos tornando-se vozes marcantes nos debates. O movimento “Fridays for Future”, por exemplo, foi idealizado pela sueca Greta Thunberg; desde 2018, na época aos 15 anos de idade, a ativista protestava semanalmente em frente ao Parlamento de seu país pedindo ações contra a crise climática. A ideia se espalhou rapidamente e tornou-se uma iniciativa global, chegando, inclusive, ao Brasil, com a criação do “Friday for Future Brasil”, em 2019.

De acordo com a Unicef, três tendências principais podem ser identificadas nesses movimentos de adolescentes e jovens pelo clima: educação ambiental como forma de conscientização e construção de ideias; iniciativas comunitárias de melhoria ambiental e social, e a promoção do consumo consciente, levando em conta a pegada de carbono das linhas de produção e transporte dos bens adquiridos, além de seu possível impacto no meio ambiente, especialmente na Amazônia.

Exposição a poluentes

Para além dos fatores socioeconômicos, crianças e adolescentes também são mais vulneráveis no contexto da mudança climática em virtude de fatores biológicos, já que alguns poluentes ambientais afetam o desenvolvimento e geram complicações na saúde. Os efeitos da exposição são identificados desde a fase uterina, gerando a má-formação do feto quando as partículas dos poluentes chegam à placenta. “O bebê pode nascer com baixo peso, prematuro, ou com malformações congênitas”, explica a professora da Faculdade de Medicina da UFRJ Carmen Fróes, que integra o projeto “Pipa – Projeto Infância e Poluentes Ambientais”, que investiga a exposição de poluentes ambientais no desenvolvimento e saúde de crianças.

Carmen alerta que efeitos menos aparentes podem se manifestar mais tardiamente ao longo do desenvolvimento do indivíduo. De acordo com a Teoria da Programação Fetal, “esses agentes agressores, durante a formação intra-útero, determinariam a formação dos sistemas orgânicos com déficits na capacidade de reação, de defesa e de funcionamento”, diz. Como resultado, os tecidos não estariam idealmente preparados caso outros fatores de risco se somassem no decorrer da vida da pessoa, facilitando a ocorrência de doenças.

Na adolescência, a exposição a determinados poluentes afeta a regulação hormonal. Os chamados “disruptores endócrinos” alteram o funcionamento desse sistema por mimetizarem hormônios naturais do corpo. Ao entrar em contato com uma célula, eles ocupam o receptor que deveria ser conectado ao hormônio, impedindo que a célula cumpra sua função, gerando diferentes consequências. “Às vezes a menina tem uma primeira menstruação precoce ou tardia, ou uma formação não adequada do ovário para a gestação”, explicou a médica. “Ou, ainda, você tem a formação de células defeituosas, por exemplo, nos espermatozoides, que vão dificultar a fecundação”.

Outra fonte importante de poluição, principalmente no Brasil, são os agrotóxicos, extensivamente utilizados no modelo mais utilizado de produção agrícola. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), agrotóxicos são produtos químicos sintéticos utilizados para matar pragas, controlar doenças e regular o crescimento da vegetação. O Brasil é o maior consumidor do mundo e bate recordes de aprovação de novos produtos com esta finalidade desde 2016 – somente no ano passado foram 652 novas substâncias liberadas. Apesar disso, Carmen frisa que ainda são utilizados muitos produtos não aprovados pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou cujos efeitos sobre a saúde humana e ambiental são desconhecidos, aumentando ainda mais os riscos.

De forma abrangente, há três formas pelas quais esses poluentes penetram o organismo. A primeira é a inalação: qualquer substância que vá para o ar pode ser ingerida pelas vias nasais – a quantidade de gases emitidos por veículos de transporte em grandes centros urbanos é uma grande preocupação, neste contexto. A segunda é a ingestão, ao beber água com resíduos ou consumir um alimento contaminado desde o plantio. “Há peixes e frutos do mar contaminados por metais como mercúrio e arsênio”, comenta Carmen. “Na Amazônia, há esse problema grave na ingestão de peixe contaminado pelo mercúrio do garimpo”. A terceira e última forma mais comum de contato com poluentes é a absorção na pele. “Do mesmo jeito que se usam cremes para proteger do sol ou para hidratar, há um conjunto de produtos que são muito facilmente absorvidos pela pele, principalmente os mais oleosos”. Produtos utilizados para limpeza, por exemplo, podem ser absorvidos e gerar danos.

Diversos fatores fazem com que crianças e adolescentes sejam mais vulneráveis a este contato com poluentes. “Nós vamos nos formando ao longo de toda a infância e adolescência”, Carmen explica. “O sistema imunológico, por exemplo, estará formado só depois dos seis anos de idade, e o sistema respiratório na faixa dos 18 a 20 anos. Essa é uma das razões para o fumo ser tão prejudicial na adolescência”. Ainda de acordo com a médica, “a barreira encefálica, que protege a passagem de compostos químicos e poluentes do sangue para o cérebro não está pronta até os seis meses permitindo, assim, a passagem de um conjunto de agentes biológicos, físicos e químicos neste período”.

Pela alta complexidade, mitigar a exposição de crianças e adolescentes aos poluentes ambientais e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida, requer ações que envolvam diversos segmentos. Para Carmen, a mobilização coletiva é fundamental para que se tomem ações de preservação do ambiente. “Temos que nos unir a esses movimentos e apoiá-los”, finaliza.

Eduarda A. Moreira é doutora em ciências (USP) e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp

Juliana Vicentini é doutora em ciências (USP) e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp

Pedro A. Duarte é jornalista (FAAP) e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp