Movimento negro tem longa luta pela educação

Raoni Zambi Beltrami

A história do negro no Brasil é marcada pela exclusão, seja no acesso à educação ou outros espaços de poder e representação. Ainda que haja algum avanço nos últimos anos, muito ainda precisa ser feito para que a comunidade negra brasileira tenha seus plenos direitos reconhecidos, garantidos e legitimados. 

Dados do IBGE demonstram que o analfabetismo é três vezes maior entre negros, conforme divulgado em 2019, pouco antes da pandemia, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad).

No levantamento, foi demonstrado que quase 9% de pessoas pretas e pardas com 15 anos ou mais são analfabetas. No caso de brancos esse número é de 3,6%. A situação é ainda pior para pessoas negras com mais de 60 anos. Nessa faixa etária 9,5% dos brancos são analfabetos – já o número de negros sem instrução escolar formal é de 27%, ou o triplo.

Apesar do fosso educacional e de direitos que separa brancos e negros no Brasil, nos últimos anos, em razão de uma gama de fatores, a ocupação de pessoas pretas nos bancos escolares aumentou. 

Estudo da pesquisadora do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Tatiana Dias Silva demonstrou que houve um crescimento de 25% de pessoas negras entre 2009 e 2015 no ensino superior. Segundo a pesquisa, em 2001, o número de estudantes negros nos cursos de graduação no Brasil era de 22%. Em 2015, chegou a 44%. Nos cursos de instituições públicas o salto foi de 31% para 45% no mesmo período. Para a cientista social, um dos motivos para o aumento foi em razão das ações afirmativas, instituídas pela Lei 12.711, em 2012.

Luta do movimento negro por educação

Integrante do movimento negro há 50 anos, tendo gerenciado a Coordenadoria Setorial de Promoção da Igualdade Racial de Campinas, Bene Paulino relembrou que o acesso à educação sempre foi uma das principais bandeiras do Movimento Negro Unificado, entidade criada em 1978. “O movimento negro foi protagonista nessa causa. Tínhamos lideranças preparadas para falar sobre o assunto, dialogar com forças políticas dos mais diversos espectros. Conseguimos pautar a questão dos negros e a educação em âmbito nacional. As nossas reivindicações chegaram no alto escalão do poder, mas ainda falta muito”, afirmou ele, que também pontuou que as recentes conquistas não são fruto “acaso”, ou da “generosidade dos brancos”. “Houve planejamento, participação popular e convencimento de muitos políticos que eram contra a nossa causa. Nos mobilizamos para mostrar que o Brasil só vai avançar, de fato, quando todos tiverem oportunidades iguais”, disse. 

Os professores Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Luiz Alberto Oliveira Gonçalves, em artigo que discorre sobre a relevância do movimento negro para o acesso ao ensino, mostraram que o caminho percorrido foi tortuoso, conflitante até mesmo entre as lideranças negras, e de muita articulação entre os agentes dessa história. 

Baseado em documentos oficiais, o artigo mostra que o Estado, formado historicamente por pessoas brancas, tem como política excluir os negros dos espaços de poder e, consequentemente, os privando de educação de qualidade. 

Os autores demonstraram que, mesmo com a Lei do Ventre Livre, de 1871, os filhos das pessoas escravizadas eram encaminhados para o trabalho. Além disso, era proibido que filhos de negros se matriculassem nas poucas escolas públicas que existiam no Brasil do século 19. 

Documentos exibidos no artigo revelaram que, entre 1871 e 1885,  403.827 crianças negras nasceram supostamente “livres”. Desse percentual, apenas 113 foram encaminhadas para a escola, ou 0,02% do total.

Assim, os pesquisadores constataram que o século 20 começou, no Brasil, com a comunidade negra literalmente sem nenhum acesso à educação. Os altos índices de assassinatos de jovens negros – uma pessoa negra tem 2,6 mais chances de ser assassinada no país – têm relação causal direta com tal contexto. 

Para combater essa situação, já no início do século 20 havia ações da comunidade negra, ou movimento, para garantir o acesso à educação.  No estudo, os autores mostraram que foram formadas associações, jornais, clubes recreativos, coletivos teatrais, troca de correspondências com lideranças negras de outros países e até a criação de escolas específicas para estudantes negros. 

Será necessário ainda bastante tempo e ações concretas para o problema ser minimizado. “Tudo está por ser feito. Neste sentido, só nos cabe duas coisas: participar e nos envolver de corpo e alma nesses eventos tão palpitantes de nossos tempos”, finalizam os professores.

Raoni Zambi Beltrami é jornalista, com especialização em marketing político. Aluno da especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.