Parcerias e políticas garantem ingresso e permanência de estudantes refugiados no ensino superior

Por Inácio de Paula

Universidades brasileiras se mobilizam para atender pessoas em situação de refúgio. No tripé ensino, pesquisa e extensão, instituições de ensino superior prestam assessoria jurídica, serviços de saúde, saúde mental e psicossocial, integração laboral, ensino da língua portuguesa e acolhimento de crianças.  

A principal iniciativa nacional de apoio à pessoa refugiada para acesso à educação é a Cátedra Sérgio Vieira de Mello –  CSVM, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – Acnur, que tem 22 parcerias para o ensino superior. O relatório anual da cátedra apresenta 15 instituições públicas somadas com sete de outros setores, em nove estados mais Distrito Federal.

Esse número, porém, pode ser maior. Ao comparar os dados de instituições que possuem políticas de ingresso facilitado do relatório da CSVM, que traz informações de 2018 a agosto de 2019, com o registro no site da Acnur, aparecem oito novas iniciativas. Isso totaliza 30 ações nacionais – não apenas 22.

Rosana Baeninger esteve à frente do grupo de trabalho da Cátedra da Unicamp e explica que o ingresso facilitado leva em consideração a situação vulnerável do refugiado e disponibiliza políticas exclusivas para esse público. “São as regras de cada universidade para que refugiados obtenham a vaga. Na UFSCar, por exemplo, é pelo Enem; na UFABC usa-se o Enem e número de vaga por curso”, aponta.  Na Unicamp os refugiados apresentam a solicitação de vaga com a documentação necessária diretamente à Diretoria Acadêmica (DAC) para análise.

Marluza da Rosa, professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pesquisa questões em torno do funcionamento das políticas de acesso ao ensino superior pelos refugiados. Em um estudo, ela reflete “como são designadas as pessoas em situação de refúgio em documentos que regem os processos seletivos”.

“O aumento no número de universidades com programas de acesso nos mostra que há um esforço institucional no sentido de reconhecer qualquer pessoa como estudante legítima, com direitos inegáveis de acesso ao conhecimento, independentemente do país. Isso reforça um papel da universidade, que tem sido o de servir como espaço de mobilidade: física, cultural, simbólica e social”, contextualiza.

Em outra pesquisa, a professora menciona “o papel exercido pela língua portuguesa como principal condicionante que, ao mesmo tempo, possibilita e impossibilita o acesso de pessoas em situação de refúgio à universidade brasileira”. Para ela, a inclusão linguística é uma condição de hospitalidade.

Essa sinalização dialoga com a problemática mencionada por Ana Carolina Moura Delfim Maciel, presidenta da Comissão Assessora da Cátedra Sérgio Viera de Mello – Unicamp, a respeito do acolhimento desse público. “Uma das maiores dificuldades reside na questão linguística, mas temos na Cátedra uma frente de trabalho especialmente voltada para isso”, aponta.

Ingresso e permanência

O sírio Saeed Alkerj e a cubana Yanay Galas García são estudantes da Unicamp, ingressantes de 2019. Ele é refugiado de guerra e cursa enfermagem no campus de Campinas. Já ela é refugiada por perseguição política e estuda engenharia de produção no campus em Limeira.

Saeed recorda que se inscreveu no processo seletivo, mandou a documentação para a análise e, após período de espera, obteve a vaga. Já para a acadêmica, “a parte mais difícil foi a entrevista com a comissão da Faculdade de Ciências Aplicadas. Acho que se não tivesse entregado meus bons resultados do Enem não teria sido aceita”, lembra.

Ambos externam alegria por estudar na Unicamp. “Ela tem dado oportunidades para refugiados escreverem uma nova história, inclusive eu. Além do mais, tem dado toda a assistência que precisamos, desde alimentação, transporte e bolsa de auxílio social. Todos os refugiados que conheço recebem ajuda e incentivo da Unicamp”, confirma Saeed.

Saeed e Yanay recebem auxílios do Serviço de Apoio ao Estudante – Sae. A coordenadora do serviço, Helena Altmann, esclarece que todos os estudantes são beneficiados com o mesmo programa de bolsas de permanência. Recentemente, a Unicamp firmou um convênio com o Ministério Público do Trabalho que institui um auxílio permanência especialmente para refugiados.

Para Marluza da Rosa, a permanência é uma questão que ultrapassa a necessidade financeira. Segundo a pesquisadora, é preciso pensar para além do que dizem os textos oficiais e tentar compreender como se estruturam e como funcionam as práticas sociais, cotidianas, nas instituições. Segundo a pesquisadora, são questionamentos que dizem respeito não apenas ao processo formal de ingresso.

“Uma vez que esses estudantes ingressam no ensino superior, eles são reconhecidos como um grupo que têm necessidades específicas de aprendizagem e de orientação/informação? Visto que eles vêm de sistemas de ensino diferentes, os métodos de ensino das nossas instituições os favorecem? O meio social acadêmico possibilita que eles estabeleçam laços sociais com os demais estudantes?”, questiona.

Disparidades de gênero

Segundo a presidenta Ana Carolina, atualmente a Unicamp possui 15 estudantes-refugiados regularmente matriculados, 13 do sexo masculino e duas do sexo feminino. Outras mulheres participaram e foram aceitas pelo processo seletivo, mas apenas duas permanecem.

Yanay é uma delas, e reconhece que houve muita dificuldade, especialmente no primeiro ano. Além do preconceito sofrido, teve depressão e passou a ter crises de ansiedade. Seu filho, que desmaiava com frequência nesse período, foi diagnosticado com diabetes.

“Não procurei ajuda no tempo certo. Falei já no final das crises de ansiedade e depressão com a assistente social da faculdade, mas meu filho piorou e não continuei o acompanhamento. Lidar com a maternidade e a faculdade é difícil, pois não tenho família. O meu marido não pode deixar o trabalho para cuidar dele”, relata a estudante, agradecendo o apoio recebido pela universidade.

Vera Rodrigues membro da comissão na Unicamp, foi uma das que a auxiliou. Ela aponta sobre o caso de três estudantes sírias que desistiram. “Creio que por conta da cultura. É mais difícil para elas seguir estudando. Em todos os lugares as mulheres são subjugadas”, aponta ela, que desde 1990 trabalha com políticas públicas para mulheres. Segundo ela, as próprias famílias motivam mais os homens e, na mesma proporção, desestimulam as mulheres.  

Inácio de Paula é jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Maria – campus de Federico Westphalen (UFSM-FW). Aluno do curso de especialização em jornalismo científico e do mestrado em divulgação científica e cultural (Labjor/Unicamp).