Pesquisas sobre enxaqueca avançam. Dor afeta 1 bilhão de pessoas

Terceira doença mais comum no mundo atinge cerca de 15% da população. Novos tratamentos recentemente aprovados mostram abordagem mais específica

Eliane Comoli 

Confundida e menosprezada como sendo apenas uma dor de cabeça, a enxaqueca é a mais comum e mais incapacitante cefaleia, comprometendo a qualidade de vida e trazendo graves complicações quando não tratada de maneira adequada. Só no Brasil atinge mais de 30 milhões de pessoas e, no mundo, 1 bilhão, conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). É classificada como a quinta mais incapacitante entre todas as doenças, de acordo com estudo publicado na revista Global Health Metrics da Lancet.

Além da dor de cabeça, a enxaqueca vem acompanhada de náusea, vômito, sensibilidade exagerada à luz e aos sons e é muitas vezes incapacitante devido à intensidade da dor. “Começa com uma sensação desagradável de raciocínio esquisito, cansaço, moleza e desânimo, avidez por doce e aumento de volume urinário, que precedem a dor em até 4 horas – fase chamada pródromo”, detalha José Geraldo Speciali, neurologista especialista em cefaleia e enxaqueca, professor aposentado do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP).

A enxaqueca é uma doença de origem genética, para a qual já foram descobertas dezenas de modificações proteicas que a determinam. “Há alteração no gene CALCA, que interfere na proteína CGRP. Ela é a mais impactante para a enxaqueca, e fica aumentada nesses pacientes”, explica o neurologista Paulo Sérgio Faro dos Santos, chefe do Setor de Cefaleia e Dor Orofacial do Instituto de Neurologia de Curitiba, membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia e da Sociedade Internacional de Cefaleia.

Novos tratamentos

Pesquisadores há anos investigam tratamentos eficazes. Uma publicação recente em The Journal of Headache and Pain aponta um crescente corpo de evidências da segurança, tolerabilidade e eficácia de terapias biológicas – anticorpos monoclonais – para tratamento do problema.

Nos casos de crises de baixa frequência são recomendados anti-inflamatórios. Se ocorrem mais de uma vez na semana o tratamento é preventivo, com anticonvulsivantes e antidepressivos, que diminuem em 70% as crises, tornando-as menos intensas e mais rápidas.

A novidade no Brasil são os anticorpos que impedem a ação da CGRP, um vasodilatador que atua nas meninges, comprimindo o nervo craniano chamado de trigêmeo – responsável pelas sensações no rosto e no couro cabeludo – e produz dor. “Os anticorpos monoclonais anti-CGRP impedem que a cefaleia pulsátil e intensa se desenvolva. Além disso, agem nos demais sintomas associados, como a aversão à luz, ao som, ao movimento, náuseas, vômitos e tontura”, detalha Faro. Atualmente, no Brasil, são três anticorpos monoclonais anti-CGRP aprovados pela Anvisa: erenumabe, galcanezumabe e fremanezumabe. “São o que há de mais moderno, eficaz e seguro para o tratamento preventivo da enxaqueca, seja ela episódica ou crônica”, acrescenta o médico.

Há também no arsenal para tratamento os anticorpos que agem diretamente nos receptores de proteínas, os “gepants”. Recentemente, o órgão responsável pela administração de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos (FDA) aprovou o uso preventivo dos “gepants” e os incluiu no New Drug Therapy Approvals, lançado em janeiro de 2022 pelo Centro de Avaliação de Drogas. “A vantagem deles em relação aos anticorpos monoclonais é a sua dupla ação, tanto no tratamento agudo como preventivo da enxaqueca”, salienta Faro.

Manter um estilo de vida saudável e a regularidade do sono podem amenizar o sofrimento. Como o estresse também influencia a frequência das crises, técnicas de abrandamento como meditação e yoga podem ser parte do tratamento. Uma revisão publicada na revista Neurology and Therapy em 2020 aponta também os efeitos da acupuntura. “Meditação e yoga atuam na modulação do sistema nervoso central, agindo nos sintomas “periféricos”. Já a acupuntura ajuda a dessensibilizar perifericamente os tecidos, o que promove também uma ação no controle da geração dos sintomas”, explica Faro.

Dor prolongada e incapacitante

O sistema nervoso do enxaquecoso é diferente, apresentando regiões de hipersensibilidade. “É um cérebro sensibilizado por fatores genéticos, e com predominância no sexo feminino”, caracteriza Speciali. Normalmente a questão se manifesta a partir da adolescência e é muito mais frequente até os 50 anos. “Fatores endógenos e ambientais como estresse, alguns tipos de alimentos, bebidas alcoólicas, odores e privação de sono provocam a crise”, explica.

Mais de 4 milhões de adultos sofrem de forma crônica, com pelo menos 15 dias de dor ao mês, e muitos diariamente, segundo a Fundação de Pesquisa de Enxaqueca nos Estados Unidos. Mais de 90% são incapazes de trabalhar ou viver normalmente durante uma crise de enxaqueca.

Em geral, após o pródromo, alterações visuais como pontos luminosos e perda da visão precedem a dor de cabeça em alguns minutos. Trata-se da fase conhecida como aura. Em seguida vem a fase da cefaleia. A crise de enxaqueca dura de 8 a 12 horas e algumas podem chegar a 72 horas. “Após a dor de cabeça fica uma espécie de ressaca, de esgotamento, que chamamos de pósdromo”, salienta Speciali.

As crises, porém, variam muito e nem sempre apresentam todas essas fases. Em 2% dos casos a própria cefaleia está ausente, às vezes o paciente apresenta só dor de cabeça, náuseas, vômito e sensibilidade extrema à luz, sons e odores, e às vezes ela é completa. “O pródromo ocorre em cerca de 60% e a aura em torno de 15% das crises”, completa o especialista.

Eliane Comoli é bióloga, mestre e doutora em neurociência pela USP, docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP e cursou especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp.